Gripen no Brasil: visitamos o centro de testes de voo e perguntamos sobre os novos elevons
Outros assuntos discutidos durante visita às instalações da Embraer e Saab em Gavião Peixoto, no início de junho, foram sobre a instrumentação do Gripen 4100 empregado nas campanhas de testes – Também conversamos sobre o ‘polêmico’ tema das diferenças nas antenas e carenagens dos sistemas de guerra eletrônica, nas pontas das asas
Por Fernando “Nunão” De Martini*
Num hangar em Gavião Peixoto, no interior de São Paulo, um caça Gripen com a bandeira brasileira pintada na cauda passa por manutenção de rotina. Em breve, voltará ao ar para uma nova campanha de provas de voo vai atestar os novos limites da aeronave em várias situações, como tem sido feito nos últimos anos: voos supersônicos, subsônicos, baixa ou alta altitude, em manobras, no calor, no frio, no pátio, na pista, sob sol ou chuva, com ou sem cargas externas.
Um grupo de jornalistas vê a aeronave Gripen E (monoposto), que ostenta a matrícula FAB 4100 na fuselagem, percebendo a fata de alguns painéis e carenagens, retiradas para os trabalhos de manutenção. O grupo não perde tempo para despejar dezenas de perguntas sobre Martin Leijonhufvud, chefe do GFTC, o Centro de Ensaios em Voo do Gripen (Gripen Flight Test Centre) da Saab.
Entre uma fala e outra do roteiro que preparou para aquela visita de 5 de junho de 2024, Martin vai encaixando respostas a todos, mostrando até certa surpresa com algumas questões bastante técnicas. Ainda que o recurso “good question” (boa pergunta) fosse usado com frequência para valorizar o grupo presente e estabelecer uma comunicação mais simpática, era visível que os temas (e a quantidade) de questões lhe chamaram a atenção. Já o executivo Hans Sjöblom, gerente geral da Saab em Gavião Peixoto que também acompanhou aquela parte da visita, ao menos externamente não demonstrava a mesma surpresa com as perguntas, embora também as respondesse de pronto.
Parte dessas questões vem de discussões recorrentes aqui no Poder Aéreo e em outras mídias presentes àquela “press trip”. Então esta é uma oportunidade para você checar se já discutiu esses assuntos por aqui.
Uma aeronave instrumentada com centenas de sensores
Apesar da matrícula FAB 4100, o caça Gripen no interior do hangar ainda não faz parte da frota da Força Aérea Brasileira, estando afeito ao GFTC, nas mãos de engenheiros, técnicos e pilotos da Saab e Embraer, com a presença também de pessoal da FAB. Inaugurado em Gavião Peixoto em setembro de 2020, o GFTC vai além do hangar que aparece nas fotos. O centro também conta com duas estações telemétricas, neste caso fazendo parte do edifício que abriga o GDDN (Centro de Projetos e Desenvolvimento do Gripen – Gripen Design and Development Network).
Quando o roteiro do nosso grupo passou pelo GDDN, pudemos visitar uma das salas de telemetria do GFTC, com mais de 20 estações de trabalho (infelizmente a Saab não forneceu fotos da visita ao interior da sala). Conforme a complexidade dos ensaios em voo, a sala de telemetria pode ficar lotada com técnicos e engenheiros de testes tanto da Embraer e Saab quanto da FAB. As informações de telemetria são criptografadas e coletadas em tempo real para análise dos dados pelas equipes. Segundo Martin, há também um conteiner, chamado de “Test Mobile”, que é levado para ensaios em outros locais, quando necessário. Mas voltemos ao hangar que abriga o Gripen 4100.
Há entre 400 e 800 sensores espalhados pela aeronave, que dentro do complexo é chamada pelo seu código de produção, 39.6001. Perguntei a Martin se há necessidade de retirada de hardware do avião para a instalação de tantos sensores e equipamentos de telemetria. O chefe do GFTC respondeu que há espaço disponível no interior da aeronave e que, quase sempre, a equipe encontra locais adequados para instalar os sensores sem necessidade de retirada dos equipamentos originais. Ainda assim, muitas vezes é um grande desafio encontrar esses espaços. Apenas de vez em quando, segundo Martin, é preciso retirar algum equipamento para instalar instrumentações específicas no Gripen 4100.
Testes e mais testes
Entre as campanhas de ensaios previstas para os próximos anos, estão o de reabastecimento em voo (REVO) com o KC-390 – previsão que já informamos na primeira matéria desta série sobre a visita a Gavião Peixoto – e os testes de lançamento de armas, juntamente com a FAB, aproveitando os estandes da própria Força Aérea Brasileira.
Tanto Hans Sjöblom quanto Martin Leijonhufvud enfatizaram os testes bem-sucedidos em Belém, comprovando adequação do caça a operações em regiões de clima tropical, o que foi mencionado como positivo também para as campanhas de vendas para países da América do Sul, como a Colômbia. O sistema Defog (desembaçador) da cabine foi testado em diversas altitudes e condições de umidade em Belém.
Sobre esses testes, Martin destacou que foram feitos, na costa do Pará, voos a baixa altitude e em velocidade supersônica, com presença de bastante umidade que potencialmente prejudicaria as condições de visibilidade na cabine, num clima bastante quente. O sistema funcionou muito bem, segundo ambos. Além dos sistemas climáticos como o Defog, também foram testados os sistemas de controle de voo, avaliando o desempenho do avião em clima tropical.
Lá e cá
Os ensaios em voo já realizados com jatos Gripen E, na Suécia, são repetidos no Brasil, seguindo uma programação. O motivo é que são diferentes as condições climáticas nas regiões dos dois países, assim como também há diferenças aerodinâmicas entre as versões sueca e brasileira da aeronave.
Sobre o clima, uma das diferenças (além da umidade e calor, já mencionados) é que em regiões próximas ao Círculo Polar Ártico, onde está a Suécia, o ar é mais frio e denso. Já em regiões tropicais, o ar é mais rarefeito. Por isso a versão brasileira do Gripen tem algumas diferenças voltadas a um maior teto de voo (ou seja, é capaz de realizar voos em maior altitude. Uma delas está no sistema de pressurização da cabine, capaz de lidar com essa maior diferença de pressão.
Já sobre a aerodinâmica, ainda que algumas diferenças pareçam sutis, é fato que há mudanças na localização e nos formatos de antenas externas, assim como nas carenagens nas pontas das asas que abrigam parte dos sistemas de guerra eletrônica, como antenas de alerta radar (RWR) e interferidores (jammers). No caso dos caças Gripen E suecos, as carenagens são ligeiramente maiores em suas extremidades, o que contribui para gerar um pouco mais de arrasto. Isso se deve aos tamanhos diferentes das antenas abrigadas sob as carenagens, conforme requisitos da FAB, para se adequarem a frequências de radar também diferentes.
Como essas carenagens são um pouco menores nos caças Gripen E da FAB (porém bem maiores do que nas versões C/D), há pequenas diferenças na aerodinâmica, o que gera dados também diversos em relação aos ensaios em voo feitos na Suécia com os aviões de testes suecos. Assim, o Gripen 4100 é testado em voos supersônicos e subsônicos em diferentes altitudes e climas para aferir todos os dados para operação no Brasil, para que esses números façam parte dos manuais do caça. Além disso, também estão sendo realizados voos de provas com cargas externas como armamentos (por exemplo, com mísseis inativos) e tanques externos de combustível.
A polêmica dos sistemas EW nas pontas das asas chegou aos executivos da Saab
Ainda sobre as carenagens nas pontas das asas, pudemos ver no hangar que os trilhos de mísseis ar-ar foram retirados no Gripen 4100 durante a manutenção de rotina. Você pode conferir nas duas imagens do interior do hangar que ilustram esta matéria. Como se pode ver também na tela de apresentação abaixo, os pacotes de trabalho do GTFC incluem testes dos sistemas de guerra eletrônica (também estão mencionados pacotes com o sistema Defog, avaliação de desempenho, do sistema de controle de voo etc).
Num momento mais informal da visita (almoço), as carenagens das pontas das asas para os sistemas de guerra eletrônica foram tema de conversa entre alguns jornalistas e um dos executivos da Saab. Ele disse estar informado sobre as polêmicas, em sites de Defesa, sobre as diferenças nos formatos das carenagens.
Em sua opinião, a discussão sobre isso representar ou não um “downgrade” dos caças Gripen E brasileiros, em relação aos suecos, não faz sentido. Isso porque (até onde tem conhecimento) os sistemas computadorizados e softwares são os mesmos, mudando-se apenas os formatos das antenas receptoras e interferidoras, conforme as ameaças presentes em cada região (do entorno da Suécia e do Brasil), e consequentemente o tamanho das carenagens que cobrem essas antenas.
Além desses sistemas e sensores táticos, também é testado outro sistema específico da FAB: o Link BR2 de comunicação de voz e dados criptografados.
Os testes envolvem os mais variados ambientes, não só das interferências e comunicações eletrônicas cruzando o céu, mas também aqui no chão. Na imagem abaixo, de tela de apresentação realizada antes das visitas aos hangares e linhas de montagem, pode-se ver um teste em condições de pista molhada, verificando a ingestão de água pelas tomadas de ar do caça. A tela também aborda o completo envolvimento da equipe brasileira nos testes, nas áreas de gerenciamento, planejamento, manutenção, logística, operações de testes em voo (incluindo pilotos), instrumentação e engenharia.
Elevons e canards
O Gripen 4100 está equipado com as novas superfícies de controle de maior área que também estão sendo testadas em exemplares suecos: os elevons (superfícies móveis nos bordos de fuga das asas) e canards (nas laterais das tomadas de ar da fuselagem). O objetivo da mudança é gerar mais sustentação aerodinâmica, com menos arrasto, favorecendo especialmente o voo a baixa velocidade com cargas pesadas de armas e tanques externos.
Com a instalação dos novos elevons e canards tanto nas aeronaves de teste da Suécia quanto no 4100, os testes já realizados em aviões equipados com as superfícies de controle originais são repetidos, nos mais variados perfis de voo, altitudes e velocidades. As alterações de hardware (as superfícies de controle em si) implicam também em alterações no software de controle de voo.
Já saindo do hangar e a caminho de uma das vans que levariam o grupo para outra etapa da visita (o GDDN, tema da próxima matéria da série) perguntei a Hans Sjöblom se houve troca dos atuadores dos elevons e canards. Atuadores são os dispositivos que movem essas superfícies de controle. Hans afirmou que são os mesmos, apenas precisaram ser requalificados / repotenciados pelo fornecedor (ou seja, certificados novamente para comprovar que atendem às exigências das novas superfícies de controle).
Conforme o andamento dos testes com os novos elevons e canards avançar, essas alterações poderão ser incorporadas nas aeronaves em produção, que por enquanto recebem os modelos antigos (assim como o software de controle de voo no padrão atual, que será instalado no novo padrão, nas aeronaves linha de produção, conforme os resultados dos testes). Aviões produzidos e já entregues com os elevons e canards antigos, como os sete exemplares que atualmente fazem parte do 1º GDA na Base Aérea de Anápolis, serão modificados posteriormente. Isso inclui as mudanças no software de controle de voo.
Hans também me informou que a estrutura da aeronave é projetada para 8.000 horas de voo. Refleti que algumas centenas dessas horas já foram voadas pelo Gripen 4100 em testes realizados desde 2020. Nas conversas com os jornalistas, Martin Leijonhufvud deu a entender que, ao longo de todos esses voos, alguns problemas foram identificados (não disse quais). Porém tudo foi resolvido a seu tempo, como se espera de um avião em suas fases de desenvolvimento e certificação.
O Gripen 4100, que também atende pela designação 39.6001, ainda tem muitos voos para fazer ao longo dos próximos dois anos, quando se espera que chegue ao fim as campanhas de certificação do caça Gripen da FAB. Então a aeronave poderá ser efetivamente entregue à Força Aérea pela Embraer e Saab, hoje responsáveis pelas campanhas de ensaios em voo, e fazer parte de um esquadrão de caça, já na condição de veterano.
*O editor viajou a Gavião Peixoto a convite da Saab
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