por Guilherme Poggio

Durante a década de 1980 o Brasil precisava completar a sua frota de caças, mas as finanças do país não permitiam a aquisição de modelos novos e modernos. Após descartar a compra de MiG-21 fabricado na China (conhecido como F-7M Airguard), um acordo via FMS foi feito com os Estados Unidos para a aquisição de 26 caças F-5E/F que a USAF estava para aposentar.

Os melhores exemplares daquele lote da USAF foram adquiridos pela US Navy e pelos Marines. O que sobrou  veio para o Brasil. Os F-5 usados que a FAB comprou  eram verdadeiras sucatas que  não tinham a menor segurança para serem voados. Já no Brasil, eles tiveram que ser revisados pelo Parque de Material de São Paulo (PAMA-SP), sendo que alguns foram totalmente reconstruídos. Por anos, a FAB tinha no papel uma frota com aproximadamente 60 F-5, mas na realidade apenas metade disso tinha condições de voo. Somente depois de muito esforço, tempo e dinheiro o PAMA-SP conseguiu restabelecer a operacionalidade de toda a frota.

A história dos “Aggressors” (como os F-5 usados eram conhecidos) foi contada num dos vídeos da série “A história do caça F-5”, produzida pela equipe do Poder Aéreo e disponível no canal das Forças de Defesa no YouTube.

Em relação à possível aquisição de caças usados do modelo F-16 pela FAB, seja dos Estados Unidos ou de outro país, muitos detalhes devem ser considerados para que os erros do passado não sejam cometidos novamente.

Em primeiro lugar dificilmente eles estarão nas melhores condições. Nenhum país no mundo faz revisões de aeronaves que estão para ser descartadas. A célula original do F-16 foi projetada e construída para durar 8.000 horas de voo e muitas delas já foram encostadas porque atingiram esse valor (a Bélgica, por exemplo, encostou o seu primeiro F-16 com 8.000 horas no ano passado e os demais estão muito próximos disso).

A fabricante do caça desenvolveu um programa para esticar a vida da célula do Fighting Falcon para 12.000 horas. A USAF resolveu “rejuvenescer” cerca de 300 dos seus F-16 e deve mantê-los até que o último seja substituído pelo F-35. Caso o Brasil venha a adquirir células de F-16 usadas é possível revitalizá-las, mas tal processo demanda tempo e gera custos. Há a possibilidade da FAB optar pela não revitalização das células e voar os caças até o seu limite, o que implica em substituí-los dentro de alguns poucos anos e voltarmos ao problema inicial (a falta de caças).

Outra questão importante diz respeito ao conjunto de aviônicos e a arquitetura do painel. Caso a FAB faça uma seleção das células considerando aquelas que estão em melhores condições (ou menos voadas) elas podem pertencer a diferentes lotes com diferentes configurações de painéis e aviônicos. Isso geraria a necessidade de uma reforma para padronização e, novamente, levaria tempo e implicaria em custos.

O aviônico mais importante de um caça é, sem sombra de dúvida, o radar. Assim como acontece com a célula, dificilmente uma força aérea manterá a mais recente atualização do radar para uma aeronave que está prestes a ser descartada. Por tanto, corre-se o risco do eventual F-16 usado a ser adquirido possuir painel e aviônicos mais desatualizados do que aqueles que existem nos atuais caças A-1M e F-5E/FM. Um jovem oficial aviador que eventualmente deixaria um dos “terceiros” (esquadrões que empregam o A-29 Super Tucano) para voar o F-16 usado seria surpreendido com uma aeronave de alta performance equipada com um cockpit defasado e mais antigo do que estava acostumado. 

Os motores também não serão novos e necessitarão de overhaul num curto prazo, gerando mais custos em pouco tempo. Lembrando que existem dois motores distintos para o F-16 (um fabricado pela Pratt & Whitney e outro pela GE) que receberam diferentes melhorias ao longo dos anos.

Quanto aos armamentos a serem empregados pelo eventual F-16 usado, existem questões muito amplas. Dependendo da versão do F-16 e do programa de modernização a qual ele foi submetido, este ou aquele armamento pode ser ou não ser empregado. Por exemplo, recentemente a ANG atualizou alguns dos seus antigos F-16 Block 30 para empregarem o míssil de cruzeiro JASSM. Mas se a FAB quiser empregar, por exemplo, mísseis Meteor que ela comprou para o Gripen no futuro F-16 usado terá que custear o processo junto ao fabricante porque código-fonte do caça é fechado. Além dos custos, este processo envolve não só a integração hardware/software como o tempo necessário para uma campanha de ensaios em voo.

Por último, deve-se destacar que as versões antigas do F-16 possuem capacidade de reabastecimento apenas empregando-se o sistema flying boom (padrão na USAF e em outras forças aéreas). Esse não é o sistema operado pela FAB e suas aeronaves não estão adaptadas para tal. É possível adaptar o sistema ao reabastecedor KC-390, mas implicaria em custos adicionais que atualmente não estão previstos no programa KC-X (programa de aquisição dos KC-390).

Há também a possibilidade de se adquirir aeronaves específicas que já possuem o sistema flying boom compatível com o F-16 como os velhos KC-135 da USAF. Essa solução criaria um problema muito mais complexo, pois introduziria uma “nova” aeronave na FAB que drenaria recursos do programa de modernização dos recém-adquiridos KC-30. Lembrando que os KC-30 ainda não são capazes de realizar REVO (reabastecimento em voo) por total falta de recursos. A FAB já empregou uma versão do KC-135 conhecida como KC-137 (mas que não possuía o sistema flying boom) que tinha muito menos horas de voo do que qualquer KC-135 da USAF e era jocosamente chamada de “sucatão”.

O F-39 já é uma realidade na FAB e não tem como voltar atrás (gostemos ou não). Os acordos foram assinados e estão sendo executados. Pode-se argumentar que a (eventual) aquisição do F-16 usado seria uma opção “tampão” enquanto a FAB avalia a aquisição de novo lote de F-39 ou outro caça. Essa opção “tampão” drenaria recursos do próprio programa F-X2, inviabilizando financeiramente a aquisição de caças novos e recriando o problema da sua substituição no curto/médio prazo. Ou seja, daria origem a um F-X3 prematuramente.

Mesmo que a opção “tampão” seja executada com a intenção de empurrar a aquisição de novos F-39 para um futuro mais distante, nada garante que as linhas de produção do Gripen (tanto na Suécia como no Brasil) estarão abertas quando o “tampão” tiver que ser substituído. Nenhuma linha de montagem no mundo ficará aberta sem encomendas. Caso bastante conhecido era do Rafale antes de embalar nas diversas vendas externas que se sucederam após a decisão do F-X2. A fabricante afirmava ser inviável manter uma linha de montagem aberta caso as encomendas fossem inveriores a 11 aeronaves por ano.

Se a opção por F-16 usados fosse feita 20 anos atrás ela seria elogiável. Mas atualmente, numa análise rápida e superficial, é possível ver que a opção não parece ser, tanto técnica como econômica, uma boa saída.

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