F-39 Gripen e os contratos da FAB: pagamentos, aditivos e mais informações do último Relatório de Gestão
Em 19 de abril de 2024, há pouco mais de um mês, foi publicada a seção “Relatório dos Principais Projetos da FAB” do Relatório de Gestão 2023 da Força Aérea Brasileira. Esta parte do Relatório de Gestão traz muitas informações sobre o andamento dos contratos de aquisição de aeronaves da FAB (dentre outros projetos), incluindo o histórico de aditivos que vão se acumulando ao longo dos anos, por diversos motivos como ajustes de cronogramas, adequações aos orçamentos disponíveis, atualizações tecnológicas etc.
É o caso do contrato dos caças F-39 Gripen, designado no relatório como Projeto F-X2.
Frequentemente surgem dúvidas, entre os frequentadores do Poder Aéreo, sobre o contrato de financiamento dos caças Gripen, desembolsos, pagamentos, além dos contratos de offset e de aquisição de armamentos.
Não é uma tarefa simples analisar e interpretar todos os dados trazidos nos relatórios de gestão, assim, propomos aos leitores uma abordagem colaborativa para esta análise. Vamos somar nossas qualificações e destrinchar o assunto. Que tal?
Para muitos leitores, várias das informações do relatório serão novidades. Já para alguns, mais acostumados a consultar relatórios e acompanhar todo o andamento do programa nos últimos 10 anos, a maioria das informações já é conhecida. Ainda assim, o espaço de comentários é um bom “fórum” para dirimir dúvidas a respeito das informações publicadas (ou mesmo para levantar mais dúvidas e questionar as autoridades competentes).
Ficam explícitos, na leitura das páginas 40 a 54 do relatório, alguns dos motivos para ajustes e adiamentos das entregas das aeronaves contratadas, conforme os aditivos ao contrato. Entre os principais mencionados nos aditivos mais recentes, estão “insuficiência de recursos previstos na LOA” (ou seja, orçamento) e “problemas causados pela pandemia do COVID-19”.
Para uma análise detalhada, recomendamos baixar o relatório e ler com atenção (clique aqui para acessar o arquivo em pdf). Porém, para facilitar a discussão aqui no site, capturamos telas do relatório e reproduzimos a seguir, conforme os assuntos de que tratam.
A primeira imagem, abaixo (da página 41 do relatório), refere-se ao valor global total do contrato originariamente assinado, em coroas suecas para os caças e em outras moedas estrangeiras para outros itens (como armamento). Em geral, muitas análises equivocadas sobre o valor do contrato levam em consideração as conversões para dólares e reais divulgadas quando do anúncio da seleção do caça no programa F-X2 (2013), da assinatura do contrato com a Saab (2014) e do financiamento (2015), conversões que foram feitas naquelas ocasiões apenas para facilitar a compreensão e a comparação com outras ofertas em voga.
O fato é que o contrato principal foi assinado em coroas suecas, e os pagamentos levam em conta a conversão das moedas do Brasil e da Suécia em cada parcela. Sobre parcelas, a última tabela desta parte mostra o valor constante na LOA (orçamento) de 2023 para o programa: quase 1,4 bilhão de reais. Esta é um dos poucos trechos do relatório sobre o F-X2 em que se usa a moeda nacional para informar valor.
A seguir, os valores empenhados, liquidados e pagos por exercício, desde 2015. Em 2023 o total chegou a 24,7 bilhões de coroas suecas, ou mais da metade do valor contratado. Como mostra o item seguinte, não há financiamentos em moeda nacional (Real) para o programa. A tabela mais abaixo reproduz parte das informações já constantes na dos valores empenhados, liquidados e pagos, acrescentando um detalhamento interessante: a coluna de reajuste.
Percebe-se que o valor de pouco mais de 24,7 bilhões de coroas suecas do total pago, constante na tabela de cima da sequência, é a soma do total pago + reajuste da tabela de baixo (SEK 24.748.770.510,71 = 22.837.147.769,91 + 1.911.622.740,80).
Quanto a isso, não há dúvida, apenas a curiosidade de saber a que se refere esse item reajuste pois, como veremos mais à frente, o valor global em coroas suecas pouco se alterou conforme foram assinados os aditivos ao contrato.
Deixamos a interpretação sobre o item reajuste para leitores mais versados em demonstrações de pagamentos em contas públicas, assim como a diferença entre a tabela dos valores empenhados, liquidados e pagos por exercício e a tabela mais à frente, dos desembolsos do financiamento e do repagamento da dívida externa.
Por exemplo: a tabela abaixo significa valores pagos anualmente do empréstimo? Afinal, o valor de 1,39 bilhão de reais da LOA 2023 (que vimos mais acima), nas cotações de 1 de janeiro e de 31 de dezembro do ano passado (utilizamos ambas para ter uma faixa de variação) equivalem a cerca de 2,7 e 2,8 bilhões de coroas suecas respectivamente. Esse valor é próximo ao que aparece na rubrica “pago”em 2023 na moeda da Suécia: 2,69 bilhões de coroas.
A seguir, os indicadores dos avanços físico e financeiro do contrato. Não vamos nos estender na explicação para evitar desnecessária redundância com o texto da própria FAB a esse respeito. Mais à frente estarão explicados a que se referem os números dos contratos (por exemplo, CT 003 etc e seus termos aditivos). Para os leitores que prefiram analisar gráficos, vale a pena acessar o relatório original, no link já disponibilizado.
Nesta parte, o relatório começa a mostrar as mudanças entre as metas (principalmente prazos) originais e atuais. É mencionado que em 2023 foram recebidas três aeronaves, mas em seguida a esta informação, o texto se torna um pouco confuso: o trecho menciona um avião apresentado na Suécia em novembro, com previsão do processo de recebimento no início 2024 (o qual não foi cumprido, se levarmos em conta que a quarta aeronave do cronograma de 2023 até hoje não foi enviada ao Brasil) e também um segundo exemplar da encomenda de 2023, o qual seria apresentado em abril deste ano.
Após várias páginas com gráficos sobre avanços físicos e financeiros, o relatório chega às tabelas (da página 48) que provavelmente são as mais desafiadoras para o público menos versado em administração pública e pagamento de dívidas. Para quem não conhece os termos e sistemáticas atuais não é simples entender, com clareza, a dinâmica dos pagamentos do contrato de financiamento em coroas suecas e em dólares frente ao pagamento / repagamento da dívida externa.
As coluna da esquerda, dos desembolsos ano a ano nas duas moedas estrangeiras, são simples de interpretar: trata-se da utilização do financiamento, ou seja, as quantias que o banco sueco desembolsou a cada ano para a execução dos contratos (tanto em coroas suecas quanto em outras moedas estrangeiras). Já as colunas central e da direita não mostram valores pagos como amortização do financiamento, e sim apenas quantias relacionadas a juros e comissão, reunidos na rubrica “repagamento da dívida externa”.
Fica a dúvida, para esse autor e para outros leitores menos versados na administração atual das contas públicas, sobre a relação entre essas tabelas abaixo e as que já mostramos mais acima, de valores empenhados, liquidados e pagos por exercício. A seção de comentários está à disposição dos que tenham mais conhecimento a respeito e possam interpretar as informações com propriedade.
A seguir o relatório passa a tratar dos prazos de execução (com planejamento inicial de término ao final de 2025, postergado para meados de 2028) e menciona rapidamente os acordos de compensação (Offset) e seus beneficiários.
Nesses acordos, o vendedor se compromete a realizar investimentos no país comprador no valor total de quase 8,9 bilhões de dólares, no caso da Saab. Também é mencionado o contrato de offset da MBDA, fornecedora de armamentos. No caso da MBDA, é informado que a obrigação de compensação ainda não foi cumprida. Já no caso da Saab, a informação do relatório é que o valor total dos projetos de compensação superam ligeiramente a obrigação contratual, e destes já foram reconhecidos 4,9 bilhões de dólares (pouco mais de 56% de execução).
As próximas imagens são as de mais fácil interpretação para o público em geral: as descrições resumidas dos objetos dos contratos originariamente assinados desde outubro de 2014 e dos diversos aditivos acordados nestes quase 10 anos. As razões para as assinaturas dos aditivos estão também resumidas nas tabelas a seguir, que tratam do contrato principal e dos complementares (apoio logístico, armamentos etc).
Recomendamos a leitura atenta pois as justificativas dos aditivos, tanto técnicas quanto financeiras, costumam ser ignoradas por boa parte do público, e a importância das alterações pode ser exemplificada pelo fato de que, somente no contrato principal, já são 10 aditivos assinados.
Desde o ano de 2016 já são informadas justificativas como “adequar as entregas do contrato aos recursos orçamentários disponíveis”. O valor total do contrato em coroas suecas, porém, pouco foi alterado. Outras justificativas como câmbio e a pandemia de Covid 19 também são mencionadas, juntamente com outras de ordem técnica.
Nas tabelas acima, pode-se observar que, até o aditivo assinado ao final de 2020, a vigência do contrato chegava a 2025. A partir do aditivo assinado em 2021, a vigência passou para 2028.
A seguir, o resumo do contrato de CLS (apoio logístico) assinado em 2014 e que previa 5 anos de suporte ou 26.400 horas de voo. O contrato já recebeu 4 aditivos, a maioria nos anos recentes, algo de se esperar devido às mudanças nos cronogramas de entregas de aeronaves e de vigência do contrato.
Logo depois, temos os resumos dos contratos relacionados a armamentos, que também tiveram aditivos devido às alterações dos cronogramas de entregas das aeronaves, buscando assim evitar que o prazo de validade de mísseis, por exemplo, fosse desperdiçado numa situação de menos aviões em serviço do que originariamente planejado.
Por fim, os resumos dos acordos de compensação relacionados ao contrato principal com a Saab e ao contrato dos armamentos do Gripen.
Agora é com vocês, leitoras e leitores.
Esta matéria está sendo publicada nesta sexta-feira, 24 de maio de 2024, para que possam aproveitar todo o final de semana para ler e analisar, com a atenção e a dedicação necessárias. Assim, poderão comentar com conhecimento de causa e agregando conhecimento à discussão. Bom debate a todos!