Por Guilherme Poggio

Conforme informações divulgadas pela grande mídia, o governo do presidente norte-americano Joe Biden fornecerá à Ucrânia  “um pequeno número” de mísseis M39 ATACMS (Army Tactical Missile System – Sistema de Mísseis Táticos do Exército) que podem ser lançados tanto pelo sistema HIMARS (sob pneus) como pelo M270 MLRS (lagarta).

Dependendo da versão do ATACMS a ser entregue, o míssil pode atingir qualquer ponto do território ucraniano sob ocupação russa. Mas como o número de unidades não será grande (há quem diga que dificilmente chegue a uma centena), a munição deverá ser empregada apenas contra alvos com alto valor militar. Dentre eles podemos citar centros de comando e controle, grandes depósitos de munições e terminais logísticos de alto valor e complexos sistemas de defesa antiaérea de grande altura e longa distância.

No caso dos sistemas de defesa antiaérea merece destaque o moderno S-400 Triunf e a família S-300 Favorit. Ambos são sistemas altamente complexos. Possuem uma unidade de comando e controle, uma unidade de detecção de longo alcance (superior a 300 km) e unidades TEL (transporte e lançamento de mísseis).

S-400 Triumf

A presença desses sistemas tanto no Donbas ocupado (leste da Ucrânia) como na Crimeia formam uma poderosa defesa antiaérea que praticamente blinda as áreas cobertas por eles de ataques de aviões da diminuta Força Aérea Ucraniana. Até aqui os ataques aéreos ucranianos de longo alcance se resumiram aos lançamentos de mísseis Storm Shadow a partir de velhos bombardeiros Su-24 da era soviética que se utilizam de perfis de voo de baixa altitude para evitar a detecção por radar.

Destruir os sistemas S-400 e S-300 está no topo da lista de prioridades dos ucranianos, principalmente aqueles sistemas instalados ao sul do país, incluindo a Crimeia. Com os atuais armamentos empregados, esta tarefa não tem sido fácil. A entrada do ATACMS pode simplificar a tarefa uma vez que a interceptação de míssseis lançados pelo HIMARS tem se mostrado muito difícil. Aliás, um dos propósitos do desenvolvimento do M39 ATACMS (Block 1) foi exatamente este: destruir sistemas de defesa antiaérea inimigos.

O M39 ATACMS é muito eficiente nesta tarefa porque emprega a munição tipo cluster M74 APAM (Anti-Personnel/Anti-Material). Contra um veículo blindado as submunições teriam pouca eficiência, mas diante de sistemas pouco protegidos como antenas de radar, canisters de mísseis ou centrais de comando e  controle as pequenas  esferas de tungstênio (quase mil delas por míssil) pesando cerca de 0,6 kg cada são altamente eficientes. O vídeo abaixo mostra um teste com a submunição APAM.

As poucas munições ATACMS  que serão entregues à Ucrânia podem ser suficientes para neutralizar todas as baterias antiaéreas russas S-300 e S-400 atualmente instaladas na região de conflito, remodelando o cenário do teatro de operações. A reposição dessas baterias não é algo simples e trivial, pois são sistemas complexos e que demandam muito tempo de fabricação.

Com as defesas antiaéreas russas de longo alcance destruídas, a liberdade de ação das aeronaves da Força Aérea Ucraniana aumenta. Elas podem voar mais longe e lançar suas armas mais perto dos alvos ou atingir alvos mais distantes, sem entrar no alcance de sistemas de defesa de área curta como o Pantsir S1 ou o TOR-M e suas variantes.

A eventual eliminação dos sistemas russos de defesa antiaérea de longa distância permitirá que mais uma das armas prometidas pelos norte-americanos aos ucranianos seja bem mais eficiente e muito mais empregada no campo de batalha. Trata-se das bombas guiadas por GPS do tipo JDAM (Joint Direct Attack Munition) que podem ser empregadas também pelos Su-24. Na sua versão JDAM-ER o alcance pode chegar a mais de 70km desde que lançada de grande altitude (aí está a importância da eliminação dos S-400/S-300).

Em outras palavras, uma JDAM-ER tem um alcance semelhante à munição empregada pelo HIMARS ucraniano atual, só que com uma ogiva muito maior e custa uma fração do preço do míssil do HIMARS. Como complemento, os estoques de kits JDAM dos EUA são muito maiores e mais fáceis e rápidos de serem repostos.

Se a eventual destruição das baterias russas de S-400/S-300 se tornar uma realidade, para conter a aviação ucraniana a Força Aérea da Rússia terá que lançar mão de sua aviação de caça. Novamente, os poucos Su-24 ucranianos empregando Storm Shadow ou JDAM-ER,serão uma presa fácil para os Su-27, Su-30 e Su-35 russos. Surge então a necessidade da escolta para os Su-24 que, no futuro não muito distante, pode ser o tão esperado F-16. O F-16 também poderá (para não dizer “deverá”) lançar bombas JDAM de grande altitude.A vantagem neste caso é que ele não precisaria de escoltas, podendo ser armado com mísseis ar-ar também.

Em resumo, o envio de mísseis ATACMS para a Ucrânia pode degradar seriamente a defesa antiaérea russa de longo alcance, permitindo maior liberdade para a aviação ucraniana. Com a perda da defesa antiaérea de longo alcance, a Rússia terá que empregar com mais frequência sua aviação de caça para conter a Força Aérea Ucraniana. Esta última, por sua vez, terá que responder à altura, com o emprego de escoltas de F-16 para os bombardeiros Su-24 ou com caças F-16 que empregarão JDAM no ataque e estarão armados mísseis ar-ar para defesa própria.

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