Por Sérgio Santana*

 A julgar pelas mais recentes apresentações no âmbito da Força Aérea dos Estados (USAF), o futuro da primeira linha da sua ordem de batalha não será tão tripulado.

Isto porque a própria USAF está conduzindo o planejamento futuro do poder aéreo com base em uma frota nocional de cerca de 1.000 drones avançados com altos graus de autonomia, bem como 200 jatos de combate furtivos de domínio aéreo de última geração. Esta é a primeira vez que o serviço dá uma noção real do escopo e da escala de seus planos para esses dois futuros tipos de aeronaves. Também é sabido agora que alguns F-35 atuem emparelhados com esses drones avançados.

O secretário da Força Aérea, Frank Kendall, forneceu novos detalhes sobre os planos do serviço para o que atualmente está chamando de aeronaves de combate colaborativas (ou “Collaborative Combat Aircraft”, CCAs) bem como suas futuras aeronaves de combate tripuladas de sexta geração, em um discurso na edição de 2023 do Simpósio de Guerra Aeroespacial da Associação das Forças Armadas em Aurora – Colorado que aconteceu no mês passado. Kendall, junto com o secretário adjunto da Força Aérea para Aquisição, Tecnologia e Logística, Andrew Hunter, fez comentários adicionais sobre esses tópicos em uma mesa redonda com a média especializada.

É sabido que o Departamento da Força Aérea está avançando com uma família de sistemas para a próxima geração de domínio aéreo que incluirá uma plataforma de “Domínio Aéreo de Próxima Geração” (Next Generation Air Dominance, NGAD) e a introdução de aeronaves colaborativas não tripuladas para fornecer massa acessível e aumentar drasticamente a relação custo-benefício frente a adversários.

Conceito do NGAD para a Força Aérea dos EUA

Quanto ao CCA, espera-se que uma competição para adquirir aeronaves não tripuladas avançadas com capacidades autônomas significativas projetadas para trabalhar em estreita colaboração com aeronaves de combate tripuladas comece no ano fiscal de 2024. Detalhes específicos sobre o esforço para adquirir esses drones serão limitados a princípio, pois este será um programa classificado como altamente secreto.

Ainda sobre o CCA, a USAF já está tendo discussões preliminares sobre isso com empresas envolvidas no programa NGAD, bem como seu projeto Skyborg. O CCA é um componente do maior esforço colaborativo do NGAD, que também inclui esforços para desenvolver aeronaves de combate tripuladas de última geração, armas, sensores, sistemas de rede e gerenciamento de batalha, tecnologias de propulsão a jato e muito mais.

O drone MQ-28 Ghost Bat da Boeing, originalmente desenvolvido para o programa Airpower Teaming System (ATS) da Real Força Aérea Australiana (RAAF) é considerado como um possível participante para o CCA, tendo sido trazido recentemente para o território norte-americano, embora tenha também atraído interesse da Real Força Aérea do Reino Unido e da Força Aérea de Autodefesa do Japão.

Boeing MQ-28 Ghost Bat – originalmente Airpower Teaming System (ATS) para a RAAF

Existe um conceito nocional de operação que poderia ver cinco ou mais drones capazes de engajar alvos no ar ou no solo com munições tradicionais, lançando ataques de guerra eletrônica, atuando como sensores ou nós de retransmissão de comunicações, ou simplesmente servindo como chamarizes, todos trabalhando em colaboração com uma única aeronave tripulada. Esta doutrina de atribuir diferentes conjuntos de missões limitadas a diferentes drones dentro de um grupo maior, ou mesmo um enxame totalmente conectado em rede, tem o potencial de oferecer imensos benefícios em termos de flexibilidade operacional e a probabilidade de realizar com sucesso uma missão, mesmo diante de defesas aéreas inimigas robustas.

Esse conceito aumenta a incerteza com a qual o adversário tem que lidar porque ele não sabe o que há em qualquer aeronave, já que ele tem que levar cada uma delas a sério como uma ameaça. Portanto, quer todas carreguem armas, ou um subconjunto carregue armas, ele deve tratá-los como se todas o fizessem.

Uma das coisas ainda por serem estruturadas neste assunto é começar a aprender como uma aeronave como essa se encaixaria em uma unidade operacional. Como o esquadrão deve ser formado, que tipo de pessoal de apoio é necessário, como ocorre a integração no gerenciamento de batalha e nas operações.

É esperado que essas aeronaves possam ser projetadas para serem menos sobreviventes e menos capazes, mas ainda trazer muito para a luta em uma mistura que o inimigo tem muita dificuldade em separar e lidar. É também aceito o sacrifício intencional de alguns deles para atrair fogo, para fazer o inimigo se expor.

Para o CCA a divisão Skunk Works da Lockheed Martin revelou recentemente uma proposta de ecossistema tripulado-não-tripulado inteiramente novo, incorporando vários níveis de projetos de drones.

Sobre o NGAD

No momento, o NGAD está sendo projetado, montado, testado e, no mundo digital, explorando coisas que custariam tempo e dinheiro para esperar pelos resultados do mundo físico. O NGAD chegou tão longe que o demonstrador de voo completo em escala já voou no mundo físico. É um demonstrador de voo em escala real.

Não foi dado nenhum outro detalhe importante sobre o ‘demonstrador’, apenas sua existência foi confirmada e que até mesmo recordes foram quebrados.

O NGAD não é um avião, mas um elemento de um sistema, reflexo de que o futuro do combate aéreo será altamente cooperativo por natureza, alavancando redes avançadas e famílias entrelaçadas de aeronaves distintas projetadas para alcançar objetivos táticos em conjunto. Não será sobre fazer todas as missões/carregar todos os sensores de super caças.

Como tal, é apenas lógico, se não essencial, que está nova maneira de pensar sobre a guerra aérea tenha encontrado um meio fértil na forma de demonstradores rapidamente colocados em campo e aeronaves de teste usadas para provar os conceitos e tecnologias por trás dela. O que seria muito mais preocupante e surpreendente é se não houvesse nenhum demonstrador relacionado ao NGAD voando, ou pelo menos um demonstrador apresentando algumas das tecnologias por trás do que será uma família inteira de novos sistemas de combate aéreo relacionados a ele.

O fim do conceito de caça, pelo menos como o entendemos hoje, é a chave para isso. Passar anos projetando e construindo um protótipo ‘YF’ de um novo jato tático requintado e, em seguida, colocando-o em produção muitos anos depois que o protótipo voou pela primeira vez, se é que chega tão longe, está se tornando um grande inimigo da reivindicação futura da USAF sobre superioridade aérea. É esse processo interno falho que o NGAD visa derrotar tanto quanto a força de caça ou a rede de defesa aérea de um inimigo.

Como tal, é muito improvável que o NGAD seja um ‘novo caça’. Em vez disso, será um sistema de plataformas e tecnologias compartilhadas subjacentes que trabalharão juntas para quebrar o ciclo de decisão do inimigo e dominar futuras guerras aéreas.

Poderia incluir um jato tático tripulado, sem cauda, com capacidade de supercruzeiro e de longo alcance com uma carga útil relativamente grande? Sim, é possível que algo assim funcione como um componente potencial do NGAD, mas a verdade é que os recursos mudaram e serviriam apenas como um nó em um “ecossistema” maior e mais diversificado que será principalmente não tripulado.

Um penetrador tripulado sem cauda, rápido, de longo alcance e muito furtivo tem sido falado nos últimos anos como um novo ‘caça’, especialmente sob o Penetrating Counter-Air e outras iniciativas agora extintas. A realidade é que tal aeronave poderia fazer parte de uma família muito maior de plataformas, de tecnologias não tripuladas e menos ‘requintadas’, mas plataformas mais diversas e abundantes com capacidades distribuídas provavelmente dominarão as guerras aéreas do futuro.

Portanto, visto que se considera um “ecossistema” de plataformas em rede que compartilharão sensores modulares e uma arquitetura de comunicação comum, não um novo super caça, deve-se esperar muito mais demonstradores e artigos de teste agora do que nunca. Mesmo aqueles que existiam antes da criação do programa NGAD poderiam ser refeitos para apoiar o teste de aspectos do programa.

Assim, não é apenas possível, mas provável que o demonstrador do NGAD seja muito diferente do que a maioria parece esperar que seja. Na verdade, todo o conceito de ‘caça’ associado a ele pode ser muito mais uma desorientação do que realidade. O ‘demonstrador’ poderia na verdade ser uma família inteira de sistemas rapidamente prototipados e já desenvolvidos, com a rede e arquitetura de comando e controle, sensores compartilhados e armas sendo muito mais um foco do que as próprias aeronaves.

Uma primeira linha híbrida na USAF

A liderança da USAF divulgou uma quantidade nominal de aeronaves de combate colaborativas para fins de planejamento. A suposição de planejamento é de 1.000 CCAs, número derivado de dois CCAs assumidos para cada uma das 200 plataformas NGAD e dois adicionais para cada um dos 300 F-35s, para um total de 1.000.

Vale ressaltar que um total de 200 jatos de combate NGAD é aproximadamente equivalente ao tamanho da frota de caças furtivos F-22 Raptor da Força Aérea. O serviço anunciou sua intenção de eliminar gradualmente o F-22 em 2021, com a clara implicação de que o tipo seria substituído por esta nova aeronave de combate. Também sabemos que os F-22 estão sendo usados para apoiar o desenvolvimento de seu sucessor.

Esta quantidade não é um número determinado, mas uma suposição de planejamento a ser usada para análise de itens como bases, treinamento de estruturas organizacionais, requisitos de alcance e conceitos de manutenção.

Os números são um tanto arbitrários, mas foram inicialmente considerados como uma forma de basicamente estruturar isso em torno do que pensamos ser uma primeira parcela razoável, uma proporção razoável, que servir de aprendizado conforme a evolução do projeto.

A Força Aérea norte-americana já havia deixado claro que sua expectativa é que os CCAs, pelo menos inicialmente, sejam projetados para trabalhar em colaboração com jatos de combate tripulados. Embora o NGAD e os caças F-35 tenham sido mencionados como parceiros do CCA, estes ou outros drones avançados desenvolvidos separadamente ainda podem ser combinados com tipos não furtivos, incluindo caças mais antigos e plataformas de apoio como aviões-tanque e aeronaves de transporte aéreo, para dar a eles aumentos significativos nas capacidades.

Foi também discutida a ideia de emparelhar CCAs com bombardeiros furtivos B-21 Raider, que já foi investigada e que algo com alcance comparável e carga útil significativa que combinaria com o B-21 não se mostrou muito econômico. Entretanto pode haver maneiras pelas quais os CCAs possam ser acoplados aos B-21s, embora eles tenham que ser avançados em algum grau para fazer isso, considerando o imenso alcance operacional que o Raider possui.

B-21 Raider

Oficiais da USAF também destacaram no passado como a introdução de CCAs provavelmente provocará mudanças significativas na estrutura da força e na infraestrutura. Ainda assim, espera-se que a visão atual do CCA do serviço não tenha nenhum impacto no planejamento separado em torno de jatos de combate tripulados.

Para dar uma noção da escala básica do esforço do CCA, conforme está sendo discutido agora, uma frota de 1.000 drones é maior do que as frotas de caças furtivos F-22 Raptor, jatos de ataque F-15E Strike Eagle e A-10 Warthog combinadas. Também é mais de três vezes superior ao número de drones MQ-9 Reaper operacionais

Espera-se, é claro, que os CCAs tenham recursos mais focados na execução de um número muito mais limitado de conjuntos de missões – talvez até apenas uma de cada vez. Espera-se que isso, por sua vez, ajude a manter os custos de aquisição e manutenção comparativamente baixos.

Também se espera que um CCA seja uma fração do custo de um F-35.

No mesmo evento também foi esclarecido que a USAF se tornaria “de difícil obtenção” se continuasse a comprar apenas aeronaves da geração atual, como o F-35A e o F-15EX, bem como os futuros jatos de combate NGAD, e que os CCAs ofereceriam “massa acessível” adicional.

A USAF considera os CCAs como versões controladas remotamente dos pods de pontaria, pods de guerra eletrônica ou armas agora transportadas sob as asas de aeronaves tripuladas. Espera-se que o CCA melhore drasticamente o desempenho das aeronaves tripuladas e reduza significativamente o risco para os pilotos.

Isso parece indicar que a Força Aérea está esperando muita integração entre os CCAs e as plataformas tripuladas com as quais eles estariam trabalhando, pelo menos inicialmente. Isso está muito de acordo com os antigos conceitos de operações de “alas leais” para drones operando muito intimamente ligados a plataformas tripuladas, que também se encaixa muito bem com a proporção de dois CCAs para uma plataforma tripulada que a frota de drones nocional de 1.000 permite.

A descrição específica de Kendall de CCAs atuando como extensões de sensores, guerra eletrônica e arma em plataformas tripuladas também se alinha bem com os detalhes ainda limitados que a Força Aérea tornou públicos até o momento sobre seu programa separado Off-Board Sensing Station (OBSS).

No entanto, a Força Aérea dos EUA e muitos dos parceiros da indústria com os quais já se envolveu no CCA e outros elementos relacionados da iniciativa NGAD indicaram que estão procurando ir além dessa construção para um ambiente mais colaborativo que poderia eventualmente ver esses drones realizando diversas tarefas com maior autonomia.

 

A GA-ASI apresentou esboços da família Gambit UAS de classe de 10.000 lb, com variantes específicas de missão que compartilham um hardware “central” e arquitetura aviônica. Imagem: General Atomics Aeronautical Systems Inc.

Além disso, ainda não está claro quantos tipos diferentes de CCAs o serviço pode estar interessado em adquirir, quais metas reais de inventário podem estar sendo procuradas agora para atender a vários níveis de requisitos e como o planejamento de longo prazo pode afetar o tamanho e a composição de frotas de jatos de combate tripulados.

A USAF claramente ainda está refinando os requisitos para o programa CCA, incluindo quais podem ser suas capacidades e como podem ser empregadas. Esse programa também está alavancando o trabalho em equipes tripuladas e não tripuladas, autonomia e outros desenvolvimentos associados que a Força Aérea e outros elementos das forças armadas dos EUA têm conduzido por meio de uma série de projetos separados.

Também foi destacado especificamente o trabalho realizado por meio do programa Air Combat Evolution (ACE) da Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa dos EUA (DARPA), já descrito no Poder Aéreo.

De modo geral ficou evidente que a USAF está se preparando agora para responder a ameaças futuras enquanto trabalha para solidificar suas visões para seus CCAs e aeronaves de combate NGAD. Talvez ainda mais importante, agora existe uma indicação do tamanho da frota proposta da plataforma NGAD tripulada.


*Bacharel em Ciências Aeronáuticas (Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL), pós-graduado em Engenharia de Manutenção Aeronáutica (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/MG). Colaborador de Conteúdo da Shephard Media. Colaborador das publicações Air Forces Monthly, Combat Aircraft e Aviation News. Autor e co-autor de livros sobre aeronaves de Vigilância/Reconhecimento/Inteligência, navios militares, helicópteros de combate e operações aéreas

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