Rodolfo Queiroz Laterza[1]

1 – INTRODUÇÃO

Este ensaio buscará compreender a dinâmica do emprego tático-operacional das Forças Aerospaciais Russas (VKS) e a efetividade de negação de área e da defesa aérea de ponto (anti-access/area denial A2/AD) da Ucrânia no conflito em curso entre Rússia e Ucrânia, analisando-se as variáveis táticas que impedem a supremacia aérea da VKS, a efetividade dos sistemas de defesa aérea ucranianos e o apoio da OTAN à Ucrânia em relação a alerta aéreo antecipado (Airborne Early Warning, AEW), Sistemas de Alerta Aéreo e Controle (Airborne Warning and Control System, AWACS) e sistemas C4ISR (Command, Control, Communications, Computers, Intelligence, Surveillance, and Reconnaissance), tais como aqueles fornecidos pelas aeronaves E-3 Sentry ou P-8 Poseidon, UAVs, satélites de reconhecimento, dentre outros sistemas.

A metodologia empregada foi de pesquisa exploratória em técnica de open source research, com checagem de dados e confirmação de evidências por variadas fontes consultadas.

A compreensão mais precisa do combate aéreo no Teatro de Operações (TO) da Guerra da Ucrânia permite uma melhor contextualização dos sistemas operacionais em vigência, permitindo um diagnóstico mais objetivo dos limites e resultados militares de cada força beligerante, tendo em vista a forte influência da aviação tática no curso das hostilidades.

A2/AD da Rússia

2 – BREVE ANÁLISE DOS CONCEITOS DAS OPERAÇÕES MILITARES AÉREAS

O conceito russo das principais formas de utilização das forças de ataque aeroespacial em operações ofensivas envolve quatro níveis que vão de ações isoladas à graus diversos de interconexão. Estas são:

  • Campanha aérea;
  • Operação ofensiva aérea (VNO);
  • Operações sistemáticas de combate;
  • Operação do espaço aéreo (VKO).

As campanhas e operações aéreas são as principais formas de uso estratégico de grandes agrupamentos das forças aerotransportadas, enquanto as operações sistemáticas de combate são a principal forma de seu uso tático-operacional. A campanha aérea é uma combinação de operações ofensivas aéreas, unidas por um conceito comum e destinadas a alcançar os objetivos estratégicos-militares mais importantes no teatro de operações.

A duração de uma campanha aérea em um TO, incluindo operações ofensivas aéreas e operações de combate às forças de ataque aéreo inimigo, pode ser de até 30 dias, de acordo com a doutrina militar da OTAN e aplicada pela Rússia, como a campanha aérea da coalizão liderada pelos EUA contra o Iraque (1990/1991). Uma operação ofensiva aérea (AOO) é a principal forma de uso de meios de ataque aéreo (AOS) em uma guerra usando apenas armas convencionais.

Uma operação ofensiva aérea (VNO) é entendida como um conjunto de ações inter-relacionadas e coordenadas em termos de finalidade, local e hora das hostilidades realizadas no TO por forças operacional-táticas utilizando apenas armas convencionais e uma quantidade limitada de aviação estratégica de acordo com um plano de operações. A VNO é realizadA com o objetivo de obter superioridade aérea destruindo aeronaves inimigas em terra e no ar, suprimindo seu sistema de defesa aérea e desorganizando a operação dos sistemas de controle, comunicações e apoio.

A duração desse tipo de operação é de três a cinco dias. Após a primeira operação ofensiva aérea, as forças aéreas combinadas da OTAN, como regra, passam para operações sistemáticas de combate, envolvendo tarefas específicas. Uma delas é a provisão de impacto de fogo constante sobre o inimigo, a fim de interromper o comando e controle e desmoralizar o pessoal. A condução das operações aéreas subsequentes é determinada pelo grau de cumprimento dos objetivos da primeira fase da operação e é coordenada com as ações dos agrupamentos de tropas terrestres e marítimas.

O principal método utilizado é o uso de mísseis de aviação e de cruzeiro para derrotar o inimigo a fim de obter a superioridade aérea. Os principais alvos dos ataques aéreos e de mísseis (MARU) são os aeródromos e centros de C4ISR.

Su-25

3 – ANÁLISE DAS OPERAÇÕES DA VKS NAS 2 PRIMEIRAS SEMANAS

Em 24/02/2022, a Federação Russa deu início à “operação especial” contra a Ucrânia cuja fase inicial foi uma operação de demonstração de força com o objetivo de capitulação política do governo ucraniano. As formações de MBTs e blindados leves russos avançaram por 5 eixos com apoio da VKS.

Durante os três primeiros dias, a VKS realizou ataques maciços contra os principais aeródromos e alternativos usados pela Força Aérea da Ucrânia, estações de radar, nos postos de Comando & Controle da Força Aérea e Defesa Aérea das Forças Armadas da Ucrânia como descrito na estratégia da VNO descrito acima.

Na primeira onda de ataque, a VKS destruiu a rede de radares, violando o campo de radar unificado da Ucrânia, criando assim um vácuo de informações sobre a situação no céu. Esses ataques desarticularam o sistema de defesa aérea da Ucrânia, privando-o da capacidade de atuar como um único sistema de combate e responder adequadamente às ameaças.

Ao mesmo tempo, diversos aeródromos foram atacados, tais como a base aérea de Mirgorod (em 25 de fevereiro, 2 de abril, 12 de abril, 24 de agosto, no entanto, este aeródromo, localizado a apenas cem quilômetros e meio da fronteira russa, ainda está sendo restaurado e continua funcionando), Boryspil, Ozerny, Kulbakin, Chuguev, Kramatorsk e Chernobaevka. Nesses aeródromos, a pista, a faixa de taxiamento, os depósitos de armas e de combustível, os armazéns com lubrificantes, todos foram colocados fora de ação e diversas aeronaves foram destruídas em estacionamentos. Além disso, foram feitos ataques aos estoques estratégicos de combustível e lubrificantes, bem como depósitos de armas de aviação. Houve pelo menos quatro ondas de tais ataques. Ao mesmo tempo, houve ataques maciços contra as posições reconhecidas do sistema de defesa aérea.

Sistema de defesa aérea S-300, conhecido como SA-10 Grumble pela OTAN

Neste primeiro momento, a VKS foi capaz de desorganizar a Força Aérea Ucraniana e sua Defesa Aérea, destruir a maioria das estações de radar e defesa aérea, desativar a maioria dos aeródromos e suprimir até 50% dos sistemas de defesa aérea ucranianos de área, como o S-300.  A Força Aérea e a Defesa Aérea da Ucrânia foram incapazes de oferecer uma resistência consistente e organizada aos ataques da VKS, não conseguindo mobilizar a defesa aérea de suas instalações militares e industriais.

A partir do terceiro dia, entretanto, as formações da Força Aérea da Ucrânia mudaram a sua tática para a realização de surtidas das aeronaves de combate sobreviventes e estabeleceram um programa de operações de emboscada com seus sistemas de defesa aérea de ponta e de área remanescentes, os quais ainda eram numerosos em número de lançadores de mísseis e modelos (S-300P, Osa, Strela-10 e Buk-MK1).

Buk-M1

Até meados de março, estimava-se na mídia ocidental e especializada que a VKS caminhava na direção à conquista da supremacia aérea completa. Existem três pontos associados a este termo – mais precisamente, três estados operacionais.

A primeira é a “superioridade aérea”, na qual o lado que a alcançou tem a iniciativa, suprime a atividade do inimigo e, finalmente, dita suas próprias condições. O inimigo apenas se defende, retendo certas oportunidades de responder aos ataques e, por sua vez, também consegue desferir ataques episódicos, com grande risco para as forças envolvidas nessas ações.

A segunda gradação é a “supremacia aérea em uma determinada área”, quando em específico local onde esta ou aquela operação é realizada a superioridade é criada primeiro, e, depois, a supremacia aérea é lograda após a destruição de aeronaves inimigas que operam na região, com a desativação de aeródromos e a supressão de defesa aérea terrestre setorizada. Neste quadro operacional, a defesa aérea inimiga pode reter sistemas separados, na maioria das vezes MANPADS, também é possível salvar sistemas de defesa aérea, mas desprovidos de meios de controle da situação aérea, com a ameaça de destruição imediata quando ligados ao modo ativo, já que eles não podem mais fornecer qualquer contra-ataque eficaz à aviação. A título de exemplo, essa supremacia aérea de área pela VKS ocorreu na região sobre Mariupol no final de abril e em partes de Donetsk e Luhansk em maio.

Já a “supremacia aérea completa” ocorre quando o sistema de defesa aérea do inimigo é completamente desorganizado e destruído em todos os seus níveis – tanto da Força Aérea quanto aos meios operacionais à defesa aérea militar. Sistemas separados, como MANPADS, podem ser preservados, mas isso não é mais um fator que influencia o curso das hostilidades.

Um exemplo de supremacia aérea completa são as duas guerras iraquianas, durante as quais a defesa aérea do Iraque foi completamente suprimida e deixou de existir de maneira organizada. No Afeganistão e na Líbia, a superioridade aérea era simplesmente um fator sem possibilidade de contraponto – devido à completa falta de sistemas de defesa aérea do inimigo. Mas já durante a guerra na Iugoslávia (1999), as forças aéreas combinadas só conseguiram alcançar a superioridade aérea, mas nunca conseguiram a supremacia aérea – até o último dia da guerra, a defesa aérea iugoslava manteve força e capacidade de combate, o que obrigou os americanos e seus aliados a operar a partir de altitudes de 6.000 metros.

4 – OS SISTEMAS DE DEFESA AÉREA DA UCRÂNIA

Inicialmente, cumpre registrar que a Defesa Aérea da Ucrânia era das maiores e mais bem estruturadas da Europa, aproveitando-se do legado soviético, além do intercâmbio e da cooperação técnica com a Rússia até o início do conflito da Crimeia e de Donbass em 2014.

No início da uma operação militar russa em 24/02/2022, de acordo com o Military Balance e a Rand Corporation, o inventário das forças de mísseis antiaéreos das Forças Armadas da Ucrânia, eram os seguintes: 24-29 divisões de mísseis antiaéreos dos sistemas de defesa aérea S-300P (11-13 S-300PT, 13-16 S- 300PS, todos submetidos à modernização), duas divisões S-300V e 10 divisões do sistema Buk-M1, com centenas de lançadores e milhares de mísseis.

Ademais, a defesa aérea ucraniana tinha mais de 110 sistemas de defesa aérea Osa-AKM, até 150 lançadores Strela-10, pelo menos 600 lançadores SA-18 Igla do tipo MANPADS, até 90 sistemas de defesa aérea Tunguska, bem como até 30 ZSU-23-4 Shilka. Pelo menos 400 canhões antiaéreos S-60 (57 mm) e até 300 ZU-23-2 (23 mm) estavam armazenados.

A frota de armamento existente foi modernizada e mantida em condições de funcionamento por conta própria, como por exemplo o radar de detecção 6N36 do sistema S-300.

Um reforço qualitativo considerável adveio da transferência de grandes quantidades de várias armas antiaéreas da OTAN para a Ucrânia quase imediatamente após o início do conflito militar com a Rússia. Ao mesmo tempo, de acordo com vários meios de comunicação ocidentais, algumas amostras de equipamentos foram fornecidas às Forças Armadas da Ucrânia já pouco antes do início do conflito.

Os Estados Unidos se concentraram principalmente no fornecimento do sistema de defesa aérea portátil FIM-92 Stinger. Este MANPADS é projetado para destruir alvos aéreos de baixa altitude (aeronaves, helicópteros, UAVs).

FIM-92 Stinger

Além disso, o Stinger fornece a capacidade de derrotar alvos terrestres ou de superfície não blindados. O FIM-92 Stinger foi desenvolvido pela corporação americana General Dynamics Corporation e foi colocado em serviço em 1981. Este é um dos MANPADS mais comuns no mundo, atualmente em serviço em mais de 30 países. O Stinger pode atingir alvos aerodinâmicos a uma altitude de 180 a 3.800 m e a uma distância de até 4.500 m. Desde fevereiro de 2022, Washington já transferiu mais de 1,4 mil sistemas para a Ucrânia, de acordo com fontes abertas.

O Reino Unido, por sua vez, forneceu várias centenas de sistemas de mísseis antiaéreos de curto alcance Starstreak HVM para a Ucrânia. Foi desenvolvido em conjunto pelas empresas britânicas BAE (agora BAE Systems) e Short Brothers (agora Thales Air Defense) e foi produzido em massa por esta última nas instalações de Belfast para o Exército Britânico desde 1997. O complexo Starstreak utiliza um foguete de combustível sólido de dois estágios de alta velocidade, pesando 14 kg, 1,4 m de comprimento e 130 mm de diâmetro, colocado em um contêiner de transporte e lançamento. O alcance máximo em distância é de até 7.000-7.500 m e em altura é de até 4.500-5.000 m.

Além disso, a Ucrânia recebeu sistemas de defesa aérea portáteis Martlet do Reino Unido. Este MANPADS é um míssil antiaéreo portátil guiado multifuncional de pequeno porte para aplicações superfície-superfície, superfície-ar e ar-superfície, desenvolvido sob o código Lightweight Multirole Missile (LMM) pela filial britânica da Thales grupo (anteriormente Shorts Missile Systems) no interesse do Ministério da Defesa da Grã-Bretanha.

Um motor de propelente sólido de dois estágios fornece ao foguete um alcance de disparo de até 8.000 m, a uma altitude de até 5.000-6.000 m. Uma característica do Martlet é o uso de um sistema de orientação de dois canais – feixe de laser (como você pode entender, completamente emprestado do Starstreak e, aparentemente, semi-automático) e infravermelho na orientação da seção final, o que aumenta significativamente a imunidade a interferência.

Já a Alemanha entregou 12 dos 15 canhões antiaéreos autopropulsados ​​Gepard (SPAs) prometidos anteriormente às Forças Armadas da Ucrânia (embora inicialmente fossem cerca de 50 sistemas prometidos). Este sistema antiaéreo é projetado para cobrir forças terrestres e destruir alvos aéreos em alcances de 100 a 4.000 m e em altitudes de até 3.000-4.000 m, voando a velocidades de até 350-400 m/s, bem como alvos terrestres.

IRIS-T SLM

A Alemanha também entregou quatro lançadores do sistema IRIS-T SLM, que é capaz de atingir helicópteros, aeronaves, além de mísseis de cruzeiro, antinavio, antirradar e outros tipos de mísseis, ou seja, quase todas as classes de alvos aerodinâmicos. O IRIS-T é capaz de atingir alvos em altitudes médias e altas.

Anteriormente fornecidos à Ucrânia por países ocidentais, os sistemas e complexos de defesa aérea (com exceção dos sistemas de defesa aérea NASAMS) basicamente tinham um alcance de altitude não superior a 5-7 km, mudando o quadro com o IRIS-T SLM, que também tem pontos fracos, pois é um sistema baseado em um míssil ar-ar convertido, não em uma munição antiaérea especialmente projetada, o que cria o risco de não atingir alvos manobráveis ​​de baixa altitude.

Finalmente, a transferência de alguns poucos sistemas de defesa aérea NASAMS para a Ucrânia, marca o início de uma transição das forças de mísseis antiaéreos ucranianos do russo S-300 para sistemas de defesa aérea fabricados de acordo com os padrões da OTAN.

Em particular, o limite distante da área afetada do NASAMS atinge 40 km, o inferior é de 30 km, o superior é de 16 km. A probabilidade de acertar um alvo com um míssil é 0,85. O tempo de transferência do combate para a posição de marcha é de 3 minutos.

As entregas para a Ucrânia do sistema de defesa aérea Patriot PAC-3, fabricado nos EUA, ainda não foram discutidas, embora Kyiv tenha expressado repetidamente o desejo de receber esse sistema. No entanto, na comunidade de especialistas dos Estados Unidos e da Ucrânia, essa transferência é considerada bastante real em breve. O sistema de defesa aérea Patriot PAC-3 significa a altura de destruição de todas as classes de alvos aerodinâmicos até 20 km e a uma distância de até 100 km. E esta é uma séria ameaça para as aeronaves russas que operam nos céus da Ucrânia.

Apesar de todas as entregas de equipamentos de defesa aérea dos países da OTAN, a faixa de altitude de 6 mil metros é coberta apenas pelos sistemas soviéticos de médio e longo alcance remanescentes à disposição do Exército Ucraniano no início do conflito, principalmente os complexos SAM  S-300  e Buk-MK1.

5 – A ESTRATÉGIA DE DEFESA AÉREA UCRANIANA

A princípio, as Forças Armadas da Ucrânia ainda tentaram cobrir furtivamente com sistemas de defesa aérea suas instalações militares, energéticas, industriais, centros de decisão política políticas, porque o aparecimento previsível de aeronaves russas em tais locais e a operação de seus sistemas de defesa aérea nas condições de superioridade aérea pela VKS os tornava alvos. Mas ao longo de dois meses após o início do conflito militar, as Forças Armadas da Ucrânia mudaram suas táticas e passaram para um nível qualitativamente diferente de confronto. Isso se deveu ao fato de que a coalizão da OTAN, liderada pelos Estados Unidos, se juntou à operação militar com suporte técnico de reconhecimento aéreo, provisão de informações em tempo real e situacional do campo de batalha, além de operações de ISR desenvolvidas para antecipar e prever as surtidas da VKS.

Em vez das estações de radar, centros de comunicação e postos de comando destruídos das Forças Armadas da Ucrânia, a função destes sistemas foi assumida pelos meios americanos de controle do espaço aéreo – aeronaves AWACS, que estão em serviço de combate 24 horas por dia no ar ao longo da fronteira com a Ucrânia (principalmente na Polônia e Romênia), drones ​​de reconhecimento de longo alcance, satélites de reconhecimento, meios de interceptação de rádio, com a ajuda dos quais os americanos abriram o sistema de defesa aérea russo, monitoraram as ações das  aeronaves de combate russas e, após o processamento, esses dados foram transmitidos em tempo real aos postos de comando das Forças Armadas da Ucrânia.

De fato, a Ucrânia recebeu dos americanos um sistema de informação de defesa aérea estável e poderoso, pois os AWACS americanos, drones ISR, satélites de reconhecimento e vigilância já estavam transmitindo informações aos centros de comando dos EUA sobre a decolagem de aeronaves russas, de onde imediatamente apareceram aos ucranianos via sistemas automatizados. Hoje, esta unidade de capacidades de informação da OTAN e centros de comando ucranianos é a base do trabalho de combate da defesa aérea ucraniana.

Deve-se frisar que a Ucrânia se preparou cuidadosa e eficazmente para esta guerra. Esse treinamento foi facilitado pelo fato de a defesa aérea ucraniana também estar armada com os mesmos sistemas de armas e equipamentos de detecção que a russa, ter os mesmos algoritmos de trabalho de combate, as mesmas táticas, além da mesma escola militar de guerra antiaérea, aqui relembrando que o complexo industrial-militar ucraniano era plenamente integrado à Rússia até a crise da Crimeia em 2013. Portanto, o comando ucraniano conhecia os pontos fortes e fracos das Forças Aeroespaciais Russas, com esse conhecimento relevante sendo complementado por conselheiros militares dos EUA que estavam se preparando para um confronto com as Forças Aeroespaciais Russas por muitos anos.

Como parte dos preparativos para a guerra, as Forças Armadas da Ucrânia transferiram secretamente parte de sua aviação para o território de outros países – notadamente para a Bulgária, Romênia e Polônia. No total, até 100 aeronaves e helicópteros foram implantados lá, permitindo serem preservados de ataques russos.

Além disso, a Ucrânia realizou uma auditoria de sua vasta frota (mais de 1.000 peças) de aeronaves obsoletas e que estavam fora de serviço ou em armazenamento. Durante novembro-fevereiro, as aeronaves mais sustentáveis ​​foram secretamente transportadas para empresas de reparo de aeronaves na Polônia e na Bulgária, onde especialistas de voo locais começaram a repará-las e restaurá-las com a ajuda de kits de reparo de aeronaves soviéticos disponíveis lá, remanescentes da época do Pacto de Varsóvia. No total, até 30 aeronaves MiG-29 e Su-25 e o mesmo número de helicópteros foram restaurados dessa maneira.

Na Ucrânia, a situação é qualitativamente diferente de teatros de operações recentemente trabalhados pela VKS, como na Síria e Geórgia.  Na guerra da Ucrânia, os sistemas de defesa aérea deste país operam em modo de emboscada. Como ressaltado acima, toda a máquina militar americana está trabalhando para a Ucrânia e, acima de tudo, um sistema de controle do espaço aéreo muito poderoso opera contra a VKS.

Ou seja, os sistemas de vigilância aérea americanos rastreiam os movimentos de aeronaves e UAVs da VKS, e assim que essas aeronaves estão sobre áreas onde certos sistemas de mísseis antiaéreos ucranianos estão em alerta, eles simplesmente lhes dão a completa designação de alvo: azimute, altitude, velocidade, alcance do alvo e quase sempre o tipo de alvo. E então eles dão o comando para ligar o radar quando o alvo, ou seja, uma aeronave de combate russa aparece diretamente na zona de alcance do sistema de defesa aérea.

No tempo mínimo, a busca por radar é ativada, o alvo é detectado e os mísseis são lançados, após o que o cálculo é imediatamente reduzido e sai da área de onde foi lançado. É quase impossível detectar tais sistemas de defesa aérea até que sejam ligados. Ao mesmo tempo, as posições de tais “emboscadas” são cuidadosamente camufladas e protegidas por unidades de cobertura. Tudo isso reduziu drasticamente a capacidade da VKS de detectar sistemas de defesa aérea ucranianos para ataques de supressão.

Simplesmente não existem sistemas de defesa aérea ucranianos, especialmente os mais poderosos de área (como Buk ou o mesmo o S-300) a uma distância onde a artilharia russa possa alcançá-los. O comando ucraniano não é despreparado para ser surpreendido sob ataques de artilharia do adversário. Como os centros de comando ucranianos têm informações completas sobre os movimentos da VKS no ar, não é necessário que todos sejam implantados no Donbass. Pelo contrário, eles estão dispersos por todo o território da Ucrânia e estão localizados em locais onde podem interceptar as aeronaves de ataque russas sobre seus alvos estratégicos, tais como pontes, cruzamentos, instalações industriais do complexo militar-industrial e outros objetos estrategicamente importantes, que, com certeza, mais cedo ou mais tarde a Rússia tenta atingir.

A luta da VKS contra a defesa aérea ucraniana estruturada com a OTAN é uma tarefa complexa que só pode ser resolvida por toda uma gama de ferramentas: reconhecimento aéreo, aeronaves de guerra eletrônica, UAVs, reconhecimento por satélite, reconhecimento de campo disfarçado (incluindo de residentes), tudo isso multiplicado por um trabalho analítico muito meticuloso. Por exemplo, analisando as estatísticas de lançamentos de mísseis antiaéreos ucranianos mediante sondagens por aviões não tripulados ou drones como eficazmente realizou o Azerbaijão na guerra de Nagorno- Karabath.

O algoritmo de combate, desde a detecção de um sistema de defesa aérea ucraniano até o ataque, deve levar alguns minutos e não se transformar em um sistema de vários estágios para transmitir informações em todos os níveis de controle de combate, tal como se critica atualmente o método de decisão russo no campo de batalha. Aqui, de acordo com a doutrina da própria OTAN, é necessário o trabalho de um sistema de controle automatizado integrado com meios de reconhecimento e destruição dos sistemas de defesa aérea restantes mediante emprego de munições guiadas com precisão, superando e antecipando o adversário, pois simplesmente reagir aos seus ataques significa dar-lhe a iniciativa.

Outro fator crítico da VKS é sua mobilização relativamente compacta quanto ao inventário das aeronaves de combate empregadas, situação agravada por uma frente de mais de 1200 km de perímetro operacional. Ademais, a Rússia priorizou a supressão de ativos militares ucranianos através da artilharia e emprego de mísseis de cruzeiro, em detrimento de ofensivas aéreas sistemáticas e contínuas.

A luta da VKS contra a defesa aérea ucraniana está em curso no estágio atual do conflito, com uma superioridade aérea sem supremacia aérea completa. As forças ucranianas conhecem as táticas e armas empregadas pela Rússia, tendo uma consciência situacional qualitativa das vulnerabilidades das VKS a partir do decisivo suporte da OTAN acima descrito.

Na maioria das vezes, os ataques de mísseis de cruzeiro russos são detectados no momento de seu lançamento, pois os ativos de inteligência da OTAN que trabalham integrados com as Forças Armadas da Ucrânia monitoram os lançamentos daqueles mísseis em tempo real, o que significa que eles podem alertar os sistemas de defesa aérea ucranianos muito antes de os mísseis entrarem em na área de impacto. De fato, graças ao suporte da OTAN, as Forças Armadas da Ucrânia muitas vezes sabiam antecipadamente de que direção e a que horas esperar a chegada de mísseis russos de longo alcance.

Essas informações facilitam radicalmente o trabalho dos sistemas de defesa aérea. Não menos importante, graças a esse suporte de alerta antecipado, os sistemas de defesa aérea ucranianos só precisam ativar o modo de radar ativo por literalmente segundos para guiar o míssil atacante na seção final de seu voo. Quanto menos o radar de defesa aérea ucraniano funciona, mais difícil é para as tropas russas detectá-lo e destruí-lo.

6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS: OS ATAQUES DE MÍSSEIS DE 10/10/22

No dia 10/10, as Forças Armadas russas infligiram um ataque maciço com armas de alta precisão de longo alcance contra os objetos do comando e controle militar, comunicações e sistemas de energia da Ucrânia.

Os ataques foram desferidos por toda uma gama de armas russas de longo alcance. Mísseis de cruzeiro lançados do ar Kh-101 e Kh-55 (555), mísseis Kalibr lançados do Mar Negro, mísseis terrestres, bem como munições ociosas, os chamados drones kamikaze, em particular, que se tornaram famosos em últimos anos, sendo utilizados os drones de origem iraniana “Geran-2”.

No ataque de 10 de outubro, as tropas russas agiram de maneira completamente diferente. Em primeiro lugar, o golpe foi precisamente massivo, dezenas de mísseis foram usados ​​simultaneamente. Em segundo lugar, essas dezenas de mísseis de diferentes tipos voaram de diferentes direções em momentos diferentes – para se aproximar do alvo simultaneamente de lados diferentes.

Em tais condições, a defesa aérea fica sobrecarregada. Mesmo que os lançamentos de mísseis sejam visíveis com antecedência, sua chegada simultânea ao alvo de diferentes direções torna a defesa aérea impotente para resistir.

Finalmente, os mísseis foram lançados em pelo menos três ou talvez em até quatro ondas a fim de destruir alvos que, por uma razão ou outra, não foram atingidos na primeira vez.

Não há dúvida de que esse ataque maciço foi inesperado para a Ucrânia – mesmo apesar de toda a previsibilidade do desenvolvimento dos eventos após o ataque terrorista na ponte da Crimeia. Inúmeras fontes relatam que os sistemas de defesa aérea da Ucrânia foram impotentes contra mísseis de cruzeiro russos e drones kamikaze.

No entanto, esses ataques adquirirão significado militar de longo prazo apenas se continuarem da mesma forma em sequências de dias. Do ponto de vista da eficácia do combate, é importante não só a intensidade, mas também a regularidade de tais operações. Na manhã de 11 de outubro, os ataques à infraestrutura energética da Ucrânia continuaram, embora em escala um pouco menor. Suas consequências reais para as hostilidades podem ser julgadas em futuro próximo e dependendo da continuidade de tais ataques por parte da Rússia.

A superioridade aérea atingida pela VKS no início e no curso do conflito evoluiu apenas para uma pontual supremacia aérea de área, longe de garantir uma supremacia aérea completa do teatro de operações, o que afeta a estratégia russa no conflito e impede a supressão efetiva de grupamentos de forças ucranianas mobilizadas para ofensivas em eixos pouco defendidos, como ocorreu nas frentes de Kharkiv e Izium em setembro.

Fontes consultadas:


[1] Delegado de Polícia, historiador, pesquisador de temas ligados a conflitos armados e geopolítica, Mestre em Segurança Pública

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