Além do alcance visual – descrevendo o Boeing E-3D da Força Aérea do Chile
Por Sérgio Santana*
No início deste ano foi noticiado neste link que a Força Aérea do Chile havia adquirido três aeronaves Boeing E-3D Sentry, anteriormente operadas pela Força Aérea Real do Reino Unido, a célebre RAF, Royal Air Force.
Entretanto, aquelas três aeronaves de um modelo reconhecidamente associado às missões de alerta antecipado e controle aerotransportado, não são as primeiras do seu tipo operadas pela “Fuerza Aerea de Chile”, já que a capacidade de AEW&C chegou à América Latina exatamente em quatro de maio de 1995, na figura do sistema israelense PHALCON (iniciais em inglês para “sistema de radar de arranjo em fase na Banda L adaptado à forma externa da aeronave), a bordo do “Fuerza Aerea de Chile 904”, um dos três Boeing 707-385C – modelo da série 120C – anteriormente operacionais com a empresa Lan Chile.
A aeronave havia partido para Israel com vistas a ser equipada para a nova missão quatro anos antes, período durante o qual ostentou a matrícula “4X-JYI” e apresentou-se na edição de 1993 do Salão Aeroespacial francês de Le Bourget. No âmbito da arma aérea chilena, a aeronave é oficialmente designada “Cóndor”, a imponente ave de rapina que com sua enorme envergadura sobrevoa as elevadas formações da Cordilheira do Andes.
Breve descrição técnica do “Cóndor”
Ao contrário da filosofia de emprego comum às aeronaves AEW&C (equipamentos de detecção instalados em radomes rotativos sobre a fuselagem) que por sua característica operacional deixam uma área sem cobertura radar durante poucos segundos a cada vez que completam seu ciclo de varredura mecânica, o principal componente do sistema PHALCON/Cóndor é o radar EL/M-2075, cujo princípio de funcionamento é a varredura eletrônica, proporcionando vigilância constante.
No caso chileno, 768 elementos transmissores/receptores são agrupados em módulos individuais (oito dos quais sendo conectados a um grupo transmissor/receptor), enquanto cada grupo de 128 desses módulos são conectados a uma unidade transmissora/pré-receptora e compõem cada um dos cinco painéis externos, quatro em ambas laterais em revestimentos medindo 12×2.0x0.46 m gerando uma varredura conjunta de 240°, enquanto o quinto, com 3.0 m de diâmetro e instalado no nariz proporciona mais vinte graus, totalizando 260° de cobertura radar, que pode explorar durante 2-4 segundos setores em que estejam ameaças consideradas de alto nível e por 10-12 segundo espaços onde situam-se ameaças “menos relevantes”
Adicionalmente à capacidade de alerta antecipado e controle, completam a suíte eletrônica do Cóndor um extenso dispositivo IFF, capaz de interrogar a natureza de contatos detectados em cerca de dois segundos, utilizando os modos 1, 2, 3 e S; um equipamento de inteligência de comunicações (Comint), cujas antenas na parte inferior da fuselagem são capazes de detectar, explorar e monitorar comunicações utilizando ondas nas freqüências HF, VHF e UHF, com 300 sinais manipulados simultaneamente (três deles na mesma freqüência) por quatro operadores, armazenando dez emissões de 60MHz, vinte de 160MHz e cem de 400MHz.
E finalmente uma central de inteligência eletrônica (Elint), com possibilidade de captar emissões eletromagnéticas entre 0.5 e 40GHz, que são automaticamente analisadas e identificadas, a direção da sua origem sendo determinada em até 20 segundos após terem sido detectadas pelas antenas instaladas no nariz, cauda, pontas das asas e na porção da fuselagem dianteira. Ambos os sistemas podem gerenciar até 500 emissões, estando sob a direção de uma estação de comando e análise, também a bordo, que combina os dados obtidos e os envia, por enlace de dados, à instalação terrestre EL/L-8353, em tempo real. A avaliação pós-missão está a cargo da EL/L-8352, também no solo.
Tal soma de capacidades habilita a vetoração simultânea de até doze aeronaves em missões operacionais, durante as quais informações são exibidas e intercambiáveis em consoles especializados, dispostos em ambas as laterais internas: os de números 1 e 2 monitoram e testam o funcionamento de todo o sistema de missão; os de números 3 e 4 gerenciam o funcionamento do radar (sem monitores); os consoles cinco e seis supervisionam as tarefas de ESM/Elint; o sétimo console serve ao coordenador tático; os de números 8, 9 e 10 equipados com telas de alta resolução, são controlados pelos operadores de radar; o décimo primeiro é dedicado ao apoio de comunicações, enquanto, por fim, os dois últimos se prestam a gerenciar o enlace de dados e também as comunicações.
As suas funções de posto aerotransportado de comando são desempenhadas em um compartimento separado, no qual existem outras estações de trabalho, equipamento adicional de conexão e transmissão de dados, além de um telão no qual é exibido o teatro de operações.
Completando as instalações, há seis acomodações para o descanso da tripulação durante as longas missões.
Embora o “Cóndor” tenha passado recentemente por revisões em vários dos seus componentes, a sua operação vinha se mostrando crescentemente proibitiva em termos econômicos, ainda mais considerando-se a progressiva escassez de peças sobressalentes do Boeing 707 no mercado, que há vários anos não é empregado por nenhum operador comercial. Este fator se refletia na sua taxa de disponibilidade, uma das mais baixas da ordem de batalha da Força Aérea Chilena, de modo que a sua substituição vem sendo considerada pelo menos desde a metade da década passada, o que finalmente aconteceu em abril deste ano.
“Mestre”, “Feliz” e “Zangado” são adquiridos pela FACh
Por outro lado, já alguns anos e pelos mesmos motivos a já mencionada RAF havia começado a desmobilização da sua frota de sete Boeing E-3D Sentry. Adquiridos no final da década de 1980 e recebidos nos primeiros anos da década seguinte, foram designados oficialmente AEW Mk.1 por aquela força aérea e ironicamente apelidados de “Os Sete Anões” (ZH101/Doc; ZH102/Dopey; ZH103/Happy; ZH104/Sleepy; ZH105/Sneezy; ZH106/Grumpy; ZH107/Bashful).
Desses, os exemplares conhecidos como “Doc” (“Mestre”), “Happy” (“Feliz”) e “Grumpy” (“Zangado”), foram adquiridos pela FACh, havendo a previsão de que um deles, o ZH101, seja canibalizado para fornecer peças. O primeiro E-3D destinado àquela força aérea, o ZH103 (redesignado FACH 905), chegou ao Chile em 27 de julho deste ano, seguido pelo ZH106 (agora FACH 906), algum tempo depois. As duas aeronaves foram oficialmente incorporadas à ordem de batalha da Força Aérea chilena no dia 19 de agosto, durante uma cerimônia na Base Aérea de Pudahuel, sede da 2ª Brigada Aérea.
Curiosamente, o ZH103/Happy/Feliz foi o último exemplar do E-3D que voou uma missão operacional do tipo para a RAF, como parte da Operação Shader contra o Estado Islâmico, em julho de 2021.
Descrição das capacidades do E-3D
Antes de serem transferidos para a Fuerza Aerea de Chile, onde se espera que sirvam pelos próximos vinte anos, os E-3D foram adquiridos pelo governo do Reino Unido, que abriu uma concorrência em março de 1986 visando a prover a sua força aérea de um novo vetor de AEW para substituir os Avro Shackleton AEW Mk.2, operacionais desde os anos 1970. Para satisfazer os principais requisitos operacionais – capacidade de rastrear quatrocentos contatos de superfície e aéreos em 360°, incluindo aeronaves de caça a mais de 275 km; habilidade de operar como centro de gerenciamento de batalha aérea; e possibilidade de sustentar vôos de nove horas a uma distância de 1.296km da sua base – os fabricantes norte-americanos Boeing, Grumman e Lockheed apresentaram em maio daquele ano respectivamente o E-3A; uma versão do Nimrod AEW Mk.3 com o equipamento eletrônico do seu E-2C “Hawkeye”, e o P-3AEW, que foi adotado pelo serviço alfandegário dos EUA pouco depois.
Em dezembro apenas as propostas da Lockeed e da Boeing permaneceram, com esta última sendo declarada vencedora, com a Real Força Aérea adquirindo inicialmente seis exemplares do “Sentry” e exercendo a opção por um sétimo em seguida. Registrado “ZH102”, o primeiro dos então designados E-3D AEW Mk.1 compareceu à edição de 1990 do show aéreo de Farnborough, embora a unidade operacional do tipo, o 8° Esquadrão baseado em Waddington, o recebesse formalmente apenas em março do ano seguinte.
Até maio das 1992, todas as sete aeronaves foram recebidas. A sua tripulação de missão é composta por 11 elementos, com três controladores de armas e idêntico número de operadores de vigilância, incluindo o seu controlador, formando o núcleo operacional do vetor.
Em termos de equipamentos de navegação e de missão, os E-3D possuem os seguintes dispositivos: navegador OMEGA AN/ARN-120; navegador Doppler AN/APN-213; computador de navegação AN/ASN-118; sistema inercial AN/ASN-119; VOR/ILS 51RV-2B/3418; processador de dados digitais AN/AYC-1; intercomunicador AN/AIC-28(V)1; computador de missão CC-2; IFF AN/APX-103; três rádios HF AN/ARC-2201; um rádio UHF AN/ARC-204; sistemas de enlace de dados JTIDS/IJMS compatíveis com os Links 4, 11, 14 e 16; sistema de medidas eletrônicas de apoio EW-1017 Yellowgate; nove consoles Racal com telas de vinte polegadas.
Desses dispositivos, o EW-1017 adquire e identifica automaticamente as emissões dentro das bandas C a J (0,5 a 20 GHz), sendo projetado para receber e identificar todas as emissões que iluminam a aeronave (incluindo emissões curtas), especialmente quando está operando em condições de sinal muito denso. O aviso de possível perigo é dado visualmente e auricularmente em um monitor enquanto a varredura preferencial é usada para garantir o reconhecimento imediato de possíveis ameaças letais.
O EW-1017 consiste de antenas, receptor, um sistema de processador, um suporte eletrônico de medidas, subsistema de exibição interativa do operador e exibição do piloto. As antenas espirais de banda larga são usadas para fornecer cobertura omnidirecional que, juntamente com seus receptores multibanda separados, são montados em compartimentos em cada ponta das asas. Esta localização limita drasticamente o ‘sombreamento’ das aeronaves e a proximidade do receptor reduz as perdas de sinal ao mínimo. A variação angular das emissões é determinada usando pares de antenas selecionados.
Um subsistema de exibição interativa fornece uma gama completa de recursos do operador para gerenciar e otimizar a coleta do sinal. Ele também fornece um emissor em tempo real prontamente acessível e armazenamento de biblioteca de plataforma e capacidade de análise.
O radar Westinghouse Radar AN/APY-2 (nas bandas E/F) é o principal sensor de missão do E-3D. Ele é integrado por 28 módulos receptor-transmissores, dentre outros itens, dispostos no rotodome de 9.14m de diâmetro e 3,629kg que gira a 6 RPM com o radar ativado e a 0.25 RPM para manter o mecanismo rotativo lubrificado. Detectando alvos com velocidade mínima de 148km/h e máxima acima de Mach 3, o dispositivo opera nos seguintes modos:
- Rastreio de Pulso Doppler sem Capacidade de Determinação de Altitude para contatos além do horizonte radar, com alcance de 394 km;
- Rastreio de Pulso Doppler Com Capacidade de Determinação de Altitude;
- Rastreio Além do Horizonte;
- Localização passiva de emissores hostis;
- Prontidão, no qual é mantido para ser acionado instantaneamente;
- Marítimo, capaz de detectar embarcações em movimento ou ancoradas, com o limite mínimo de velocidade anulado. Os modos “2” e “3” podem ser usados em conjunto.
Ainda que o AN/APY-2 seja um radar de alta potência, a sua varredura no plano horizontal ocorre mecanicamente, ou seja, ele depende que o rotodome no qual está montado execute um giro de 360 graus, o que demora dez segundos, tempo suficiente para que uma aeronave supersônica consiga evadir-se. A varredura no plano vertical é eletrônica.
O E-3D pode controlar até 60 interceptações aéreas e detectar 600 alvos simultaneamente, com o alcance instrumentado máximo excedendo os 500km.
A aeronave é propulsada por quatro turbofans CFM International CFM56-2A3I, cada um gerando 10.886kg de empuxo, sendo mais econômicos que os modelos instalados nos E-3 da OTAN e da USAF, podendo atingir velocidade máxima de 851km/h, embora a de cruzeiro seja de 763km/h. O teto operacional máximo é superior a 8.840 metros, e a autonomia de 11 horas com o alcance máximo (apenas com o combustível interno) excedendo a 9.250km, valores que podem ampliados com o reabastecimento em voo.
*Bacharel em Ciências Aeronáuticas (Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL), pós-graduado em Engenharia de Manutenção Aeronáutica (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/MG). Colaborador de Conteúdo da Shephard Media. Colaborador das publicações Air Forces Monthly, Combat Aircraft e Aviation News. Autor e co-autor de livros sobre aeronaves de Vigilância/Reconhecimento/Inteligência, navios militares, helicópteros de combate e operações aéreas.