Poder Aéreo x Poder Naval: lições do Conflito das Falklands/Malvinas

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A-4B C-226 sendo reabastecido em voo por um KC-130 a caminho das Falklands/Malvinas. A aeronave carrega no seu cabide central três bombas espanholas BR-250. Esta era a configuração mais comum na segunda metade do conflito. O Skyhawk da foto foi abatido durante uma missão em 8 de junho por um míssil AIM-9L enquanto atacava navios britânicos ao norte do porto de Fitz Roy. Seu piloto, tenente Juan Arrarás ("Mazo 2"), ejetou-se, mas faleceu na oportunidade.

‘Os pilotos argentinos foram os heróis que se ofereceram em holocausto para salvar a honra da Pátria’

Por Fábio Sahm Paggiaro[1]

Há quarenta anos, em 14 de junho de 1982, as forças argentinas se rendiam às britânicas nas Falklands[2]. Setenta e quatro dias antes, em 2 de abril do mesmo ano, a Argentina havia surpreendido o mundo com a invasão daquelas Ilhas. Um país sul americano desafiava o poderoso Reino Unido, a terceira potência militar e um dos sete países mais ricos do mundo. Integrava, ainda, a OTAN e era o maior aliado dos EUA, em plena Guerra Fria.

Depois de demoradas e infrutíferas negociações diplomáticas pela recuperação das Islas Malvinas, o plano inicial argentino foi ocupá-las, assumir a respectiva administração, retirar as tropas e se sentar à mesa de negociações. Porém, o Reino Unido optou por não negociar, iniciou a mobilização de sua frota, estabeleceu uma zona de exclusão de 200 milhas náuticas[3] em torno do território insular e exigiu a rendição das tropas de ocupação, até 1º de maio.

Assim, a situação inicialmente imaginada mudou completamente. A disputa se ampliou do campo político, apenas, também para o militar. Ao invés de negociações diplomáticas, as forças argentinas enfrentariam a famosa, tradicional e poderosa Royal Navy. Países da OTAN e europeus, como a França, como de se esperar, impuseram embargo ao país sul-americano que também foi condenado no âmbito da ONU.

A Argentina, apesar de ter apostado na possibilidade das negociações diplomáticas, se dispôs à luta inebriada por entusiasmo patriótico e apoio popular ao governo, após a invasão. O Reino Unido, a sua vez, avaliou que a chegada de sua frota seria suficiente para uma rápida rendição. Ambos se equivocaram e, inesperadamente, se configurou o maior conflito aeronaval após a II Grande Guerra.

Entretanto, além desses erros de avaliação, esse conflito deixou inequívocas lições quanto à eficácia e à efetividade dos Poderes Aéreo e Naval na defesa litorânea de países com grandes extensões marítimas.  A análise[4] dessas lições tomará por base doutrinas de emprego das forças contendoras, geografia do teatro de operações, meios disponíveis, principais combates e perdas, e identificará fatores determinantes dos resultados do conflito.

DOUTRINAS DE EMPREGO

Forças Argentinas

A doutrina de emprego conjunto das forças armadas argentinas definia como responsabilidade primária da Armada Argentina o apoio aéreo direto às operações aeronavais. À Força Aérea Argentina (FAA) competia, apenas, o apoio indireto, este vagamente definido como envolvendo a Superioridade Aérea, o Reconhecimento Avançado e a Interdição. Tampouco poderia essa Força Aérea adquirir meios específicos para missões em ambiente aeronaval.

Contudo, devido à dimensão da força-tarefa oponente e à exiguidade de meios aéreos da Armada Argentina (AA), ao tornar-se inevitável o conflito bélico, a FAA foi chamada a desempenhar todas as missões aeronavais. Porém, devido à citada doutrina, não estava equipada nem treinada para tanto, tendo que improvisar conceitos de emprego e operacionais, entre a data da invasão (2 Abr 82) e seu Batismo de Fogo, ocorrido em 1 Mai 82.

Forças Britânicas

Diferentemente dos argentinos, os britânicos tinham sua doutrina de emprego muito bem definida e treinada. Todos os meios navais, aéreos, anfíbios e terrestres subordinavam-se ao Contra-Almirante John Woodward (CA Woodward), comandante da frota. Seus aviões, helicópteros, radares e sistemas antiaéreos permitiam-lhe efetuar controle do espaço aéreo, missões antissubmarino, ataques, reconhecimento, defesa aérea e antiaérea, além de busca e resgate.

Conclusões Parciais

a) A doutrina de emprego conjunto argentina relegou ao Poder Aéreo um segundo plano, não permitindo que fosse estruturado para a defesa do litoral, com aproximadamente 5 mil Km de extensão.

b) Os britânicos, conforme os conhecimentos da época e os meios disponíveis, em tese, estavam muito bem estruturados para a recuperação das ilhas.

Entretanto, independentemente de erros e acertos, tanto argentinos quanto britânicos teriam que aplicar e validar suas doutrinas em um teatro de operações extremamente amplo, cujas ações se concentrariam sobre ilhas distantes de bases de apoio continentais.

GEOGRAFIA TEATRO DE OPERAÇÕES DO ATLÂNTICO SUL

A base de apoio britânica mais próxima de sua frota se localizava na Ilha de Ascensão, a aproximados 6.200 Km das Falklands (Mapa 1).

As Falklands, por sua vez, eram desprovidas de infraestrutura aeroportuária e logística mínima para apoiar operações militares, possuindo, apenas, um aeródromo asfaltado, com 1.250 metros de extensão, em Porto Stanley[5]. Esta condição obrigou a Força Aérea Argentina (FAA) a operar de aeródromos continentais, sendo que os mais próximos das Ilhas distavam entre 690 Km e 1.040Km.

Conclusões Parciais

a) As distâncias impuseram aos britânicos uma limitação inicial: suas fontes de suprimento estavam em Ascensão. Assim, demorariam a recebê-los, além do risco de ataques em rota.

b) Adicionalmente, seu objetivo era desembarcar nas ilhas, o que os tornava previsíveis, pois teriam que se aproximar delas. Isso, de maneira geral, dispensava aos argentinos a necessidade de buscar alvos, pois seus adversários sê-lhes apresentariam voluntariamente.

c) A FAA, por sua vez, pela distância de suas bases e capacidades operacionais de suas aeronaves de combate, não tinham combustível para permanecer mais que alguns minutos sobre as ilhas, salvo quando havia reabastecimento em voo, o que era bastante limitado.

d) As distâncias, de forma distinta, limitavam as capacidades operacionais dos meios de ambos os contendores.

MEIOS DOS CONTENDORES

Meios Britânicos

Para a recuperação das Falklands, o Reino Unido ativou a Força Tarefa 317. Esta contava com, aproximadamente, 120 navios como destróieres, fragatas, navios de assalto anfíbio, apoio logístico, varredores de minas, 6 submarinos (5 nucleares) e dois porta-aviões. Havia, ainda, aproximadamente 213 helicópteros distribuídos pelos navios para missões de ataque, busca e resgate, antissubmarino, apoio logístico e transporte de tropa.

Os sistemas antiaéreos da Força Tarefa 317 incluíam mísseis e canhões antiaéreos. Dentre os mísseis havia: os antigos Seacat, de curto alcance; os Sea Wolf, de curto alcance, que entraram em serviço em 1979; e os Sea Dart, de longo alcance e grande altura, que entraram em serviço em 1973. Os dois últimos foram utilizados pela primeira vez nas Faulklands.

Os porta-aviões eram o HMS Hermes e HMS Invencible, com 12 caça-bombardeiros Harrier cada[6], os quais eram ressupridos conforme as perdas. Esses aviões estavam equipados com mísseis AIM-9L (Sidewinder), os mais modernos e eficazes da época, capazes de ataques frontais. Seu radar e sistemas de navegação e ataque podiam rastrear a atacar alvos no ar (a qualquer tempo) e no solo.

Sea Harriers retornando de uma missão durante a guerra. Observar os mísseis Sidewinder AIM-9L
Sea Harrier decolando do HMS Hermes na Guerra das Falklands/Malvinas em 1982

Possuíam contramedidas eletrônicas para despistar mísseis e radares de tiro, sendo provável que tenham recebido bibliotecas eletrônicas de radares e armamentos aéreos e antiaéreos importados pela Argentina de outros países da OTAN. Seus pilotos treinaram, previamente, combates contra aeronaves Mirage, versões III e V, junto aos franceses[7].

Os meios britânicos não se restringiram a sua frota. Eles desdobraram bombardeiros Vulcan, aeronaves de Reabastecimento em Voo e de Reconhecimento Marítimo na Ilha de Ascenção. Os Vulcan portavam bombas e mísseis antirradar Shrike.

A Força Tarefa 317 (FT 317), se posicionou, inicialmente, a nordeste das ilhas.

Meios Argentinos

Ao se iniciarem as ações bélicas, em 1 Mai 82, a composição Forças Armadas Argentinas, era a seguinte: Guarnição Militar Malvina, Força Aérea Sul, Força Tarefa 79 e Força Submarina.

A Guarnição Militar Malvinas foi ativada nas próprias ilhas e, sob sua subordinação, também foram ativadas duas Bases Aéreas Militares (BAM): a BAM Malvinas (Porto Stanley) e a BAM Condor (Goose Green). (Mapa 3)

Em termos de Poder Aéreo, para Guarnição Militar Malvinas foram desdobradas frações das três forças argentinas. A FAA enviou um Grupo de Vigilância e Controle Aéreo, um Grupo de Artilharia Antiaérea (AAAE), helicópteros e aviões. A Armada, aeronaves. O Exército Argentino (EA) sistemas antiaéreos e helicópteros (Quadro 1).

Quadro 1 – Meios Aéreos e Antiaéreos Argentinos nas Ilhas Falklands.

MEIOS AÉREOS E ANTIAÉREOS ARGENTINOS NAS ILHAS FALKLANDS
FORÇA MEIO QTDE FINALIDADE LOCALIDADE
FAA AVIÕES PUCARÁ 10+ ATAQUE AR-SOLO BAM CONDOR
FAA HELICÓPTEROS

BELL 212

02 TRANSPORTE

E RESGATE

BAM MALVINAS
EA HELICÓPTEROS CH-47/UH-1H/

AGUSTA

10+ TRANSPORTE

E RESGATE

JUNTO ÀS TROPAS BAM MALVINAS
FAA RADAR WESTINGHOUSE TRS 43 02 VIGILÂNCIA E CONTROLE AÉREO BAM MALVINAS
FAA RADAR SUPERFLEDERMAUS 01 DIRETOR DE TIRO AAAE BAM MALVINAS
FAA RADAR ELTA 01 DIRETOR DE TIRO AAAE BAM CONDOR
EA RADAR ALERT MK 2 01 DIRETOR DE TIRO BAM CONDOR
FAA CANHÕES OERLIKON

CANHÕES RHEINMETTALL

MÍSSEIS SAM PORTÁTEIS

02

09

10

DEFESA AAAE BAM MALVINAS

E CONDOR

EA MÍSSEIS SAM PORTÁTEIS ? DEFESA AAAE JUNTO TROPA
ARMADA AVIÕES MENTOR T-34 04 ATAQUE AR-SOLO/HELICÓPTEROS BAM MALVINAS
ARMADA AVIÕES AERMACCHI MB 339 05 ATAQUE AR-SOLO BAM MALVINAS

Fonte: La Guerra Inaudita II e Probado em Combate. Adaptado pelo autor.
Nota: esses números podem variar conforme a fonte, porém, tais variações não são significativas.

Visando prover controle aéreo e defesa antiaérea das Falklands, foi lá ativado um Centro de Informação e Controle que fundia as informações dos diversos radares, bem como de Observadores do Ar, e coordenava as ações.

Mirage IIIEA, FA Argentina, 1982
IAI Dagger da Força Aérea Argentina, fotografado depois da guerra, com marcações de navios britânicos atingidos
A-4C do Grupo 4 armado com uma bomba de origem britânica MK-17 no cabide central sendo reabastecido por um KC-130 a caminho do combate. Esta foi, muito provavelmente tirada no dia 9 de maio. Pilotado pelo primeiro tenente Casco (“Truento 3”), o controle aéreo argentino nas ilhas perdeu contato radar com a aeronave próximo às ilhas Sebaldes.

A Força Aérea Argentina, em termos de aeronaves de combate, possuía, ao todo, 9 bombardeiros Canberra, 19  Mirage III, 26 Dagger, 68 A-4 Skyhawk e 45 Pucará. Porém, possuíam pouquíssimos mísseis ar-ar obsoletos (Matra 530), Matra 550 Magic e Shafrir; não possuíam mísseis antinavio, nem defesas eletrônicas (chaff e flare) contra mísseis. Tampouco possuíam sistemas de navegação inercial, o que impedia a navegação precisa sobre o mar em condições meteorológicas adversas – nebulosidade, chuva e ventos fortes. Os sistemas de ataque não permitiam operações a qualquer tempo e noturnas.

A FAA não possuía aeronaves de Reconhecimento Marítimo ou informações satelitais que lhe permitissem localizar embarcações a grandes distâncias, nem monitorar seus deslocamentos. Também não possuíam aeronaves de Alarme Aéreo Antecipado, o que lhes impedia detectar incursões inimigas contra suas aeronaves em voo, nem conduzi-las contra as incursoras.

Outra deficiência crítica estava na quantidade de aeronaves reabastecedoras.  Possuía apenas 2 KC-130, o que não permitia lançar muitos ataques além das ilhas ou manter patrulhas aéreas de combate sobre as mesmas. Dessa forma, e por esta deficiência inicial, já se configurava a impossibilidade de a FAA obter a superioridade aérea.

Para integrar o Teatro de Operações do Atlântico Sul (TOAS) foi ativada a Força Aérea Sul que desdobrou seus meios no continente, nas localidades de Trelew, Comodoro Rivadavia, San Julian, Santa Cruz, Rio Gallegos e Rio Grande (Mapa 4).

A Armada Argentina, a sua vez, lançou ao mar a Força Tarefa 79 e a Força Submarina que se dividiram em Grupos-Tarefa (GT) menores e se posicionaram ao redor da Zona de Exclusão, conforme segue-se:

a) GT 79.1, composto pelo porta-aviões ARA 25 de Mayo e quatro destroiers, a leste de Puerto Deseado e ao norte das Falklands;

b) GT 79.3, composto pelo cruzador ARA Belgrano e dois destróieres, ao norte da Ilha dos Estados e a sudoeste das Falklands; e

c) GT 79.4, composto por três corvetas, a leste de Comodoro Rivadavia e ao norte das Falklands.

A Força Submarina contou com um submarino classe Guppy (antigo) e um Tipo 209, mais modernos. O segundo Guppy não estava operacional e o segundo Tipo 209 estava em reparos.

ARA 25 de Mayo
Pilotos e mecânicos da 3ra escuadrilla de Caza y Ataque preparando os aviões a bordo do porta-aviões ARA 25 de Mayo para atacar a frota britânica. Observar a bomba “endereçada” ao HMS Invincible

O porta-aviões ARA 25 de Mayo tinha embarcado o grupo aeronaval composto por 8 aeronaves A-4Q (caça-bombardeiro), 4/6 S-2 Tracker (patrulha marítima) e alguns helicópteros. Cinco recém-adquiridos jatos Super Ètendard foram desdobrados na base de Rio Grande. A Armada ainda desdobrou 5 MB 339 e 4 Mentor na BAM Malvinas. E havia, ainda, alguns aviões de Reconhecimento Marítimo, P-2V Neptune, também operando de bases continentais.

Os Super Ètendard eram os aviões mais modernos da Argentina. Estavam equipados com mísseis AM-39 Exocet que podiam ser lançados fora do alcance dos sistemas antiaéreos dos navios. Podiam, também, levar bombas, outros mísseis e foguetes. Contudo, eram apenas cinco aeronaves e cinco mísseis.

Super Étendard argentino armado com míssil Exocet AM39

Os MB 339 também podiam levar mísseis ar-ar e ar-superfície, além de bombas e foguetes, porém não se tem noticias de que dispusessem de quaisquer desses tipos de mísseis.

Dois destróieres Tipo 42 estavam equipados Sea Dart, os mesmos utilizados pelos britânicos. Isso foi usado pela FAA para treinamento e definição de táticas e técnicas de ataque aos navios.

Importante ressaltar que as Forças Armadas Argentinas, exceção feita aos Pucará e munição de armas portáteis, dependiam de equipamentos importados, cujo fornecimento foi embargado ao invadirem as Ilhas.

Conclusões Parciais

a) Em termos quantitativos, a Argentina possuía considerável vantagem em caças-bombardeiros, porém, também era considerável a vantagem qualitativa dos Harrier e, presumidamente, das defesas antiaéreas dos navios.

b) As vantagens quantitativas e qualitativas da Força Tarefa 317 (britânica) em relação à Força Tarefa 79 (argentina) eram insuperáveis. Se houvesse confronto entre elas, esta última seria aniquilada.

c) As forças argentinas teriam que lutar com o que possuíam em estoque, pois não conseguiriam repor nenhum material importado.

Considerados esses meios e seus posicionamentos, a configuração inicial do Teatro de Operações do Atlântico Sul (TOAS) foi a do Mapa 5.

Aparentemente, ao se comparar meios, a Força Tarefa 317 viria ao Atlântico Sul para um passeio e receber a rendição argentina. Porém, os combates demonstraram outra realidade.

COMBATES

Vulcan B2 XM607 na costa do Brasil na volta do Black Buck 2 fotografado de um avião-tanque Victor do Esquadrão 57 | Foto: Norman Curtis-Christie

Os combates se iniciaram em 1º de maio de 1982, conforme o ultimato britânico. O primeiro ataque foi deles, e, uma surpresa estratégica. Ainda na madrugada, bombardeiros Vulcan, da Royal Air Force (RAF), lançaram bombas sobre o aeródromo de Porto Stanley. Decolaram da Ilha de Ascensão, a 6.200 km das Falklands e voaram 17 horas, entre ida e regresso. Operação totalmente inesperada e audaz, dados os riscos inerentes aos múltiplos reabastecimentos em voo.

Essa missão foi uma enorme demonstração de capacidade de projeção de poder dados a distância e o tempo envolvidos. Dela, os argentinos depreenderam a possibilidade de ataques semelhantes à Buenos Aires e adjacências por abrigarem seu governo, bem como os centros financeiro e industrial do país. Assim, retornaram das bases ao sul para a capital do país parte dos caças Mirage III e seus escassos mísseis.

Na sequência, os Harrier atacaram as BAM Malvinas e Condor. Na primeira, pouco destruíram e, segundo os argentinos, quatro deles foram abatidos, o que os ingleses negam. Na segunda, os argentinos foram surpreendidos, havendo mortes, destruição de um depósito de combustível e de um Pucará.

Ainda no mesmo dia, embarcações britânicas se aproximaram de Porto Stanley para ataques com canhões, além de infiltraram e exfiltraram algumas tropas por helicópteros. Provavelmente testaram as defesas e resiliência argentinas ou, talvez, já tenham tentado o início de um desembarque, a depender da resistência.

Mirage IIIEA com dois mísseis infravermelhos Matra M-550 encontra um Sea Harrier do Sqdn 801. Isla Borbón, Malvinas. Arte de Pablo Albornoz

A FAA, por sua vez, teve seu Batismo de Fogo. Houve combates aéreos e os Harrier abateram dois Mirage III e um Canberra. Contudo, uma de suas esquadrilhas atacou e avariou, seriamente, um destróier e provocou danos leves em duas fragatas que canhoneavam Porto Stanley. Os britânicos negaram os danos graves.

Nesse primeiro dia já ficaram claras algumas situações: a) os argentinos não iriam se deixar intimidar pela frota britânica e não se renderiam; b) apesar da distância, a FAA poderia atingir embarcações nas proximidades das ilhas; e c) as defesas antiaéreas argentinas eram letais.

No dia seguinte, 2 maio de 82, ocorreram dois fatos dos mais significativos do conflito: a Armada Argentina se retirou da zona de combates. Ainda na madrugada deste dia, ao inteirar-se de que a Força Tarefa 317 havia localizado o GT 79.1, integrado pelo porta-aviões ARA 25 de Mayo, o comando do TOAS decidiu retrair toda sua Força Tarefa 79 para águas rasas, onde estariam protegidas da ameaça submarina.

Na tarde do mesmo dia, confirmando essa avaliação, o cruzador ARA Belgrano foi afundado pelo submarino nuclear britânico HMS Conqueror, matando 323 marinheiros. Há indícios de que esse afundamento tenha ocorrido para quebrar a resistência argentina e incentivar a rendição, uma vez que as reações do dia anterior demonstravam o contrário.

Fato é que, já no segundo dia de conflito, as forças navais de superfície argentinas saíram da guerra que passou a ser travada entre aeronaves baseadas no continente e a Royal Navy.

HMS Sheffield depois de atingido por míssil Exocet AM39 lançado por jato Super Étendard da Aviação Naval Argentina

Em 4 maio de 82 nova surpresa de repercussão mundial. Aeronaves Super Ètendard lançaram dois mísseis Exocet no destróier Tipo 42 HMS Sheffield, o mais moderno da frota britânica. Um acertou e os danos causados levaram a seu afundamento. Esse evento disparou intensa busca argentina por mais mísseis do tipo no mercado negro e, mais intensa ainda, atuação dos serviços de inteligência britânicos para neutralizá-la, o que conseguiram.

Nesse mesmo dia, pela manhã, dois Harriers foram abatidos ao atacarem a BAM Condor. A letalidade das forças aéreas e antiaéreas argentinas se confirmou. Assim, o CA Woodward determinou o afastamento de sua frota a leste das ilhas – além do alcance da FAA – para atacá-las somente à noite. Também suspendeu as operações à baixa altura dos Harrier contra os aeródromos defendidos pela AAe. E, assim, aguardou a chegada de reforços para a invasão. Até 12 de maio ocorrem apenas escaramuças de menor importância.

Chegou o 12 maio de 82 e os britânicos novamente se arriscaram a bombardear Porto Stanley em período diurno. A FAA reagiu. O destróier HMS Glasgow foi posto fora de combate e regressou para o Reino Unido. Sua escolta, a fragata HMS Brilliant abateu três A-4B com os estreantes mísseis de curto alcance Sea Wolf. Foi o segundo destróier inutilizado e Woodward suspendeu, definitivamente, os bombardeios navais diurnos, pois ao fazê-lo, seus navios se colocavam no raio de ação das aeronaves argentinas. Esta decisão indicou que não conseguiam obter superioridade aérea.

Até 21 de maio, pouco ou nada ocorreu, devido à severidade de condições meteorológicas. Nessa data, iniciou-se o desembarque britânico no Estreito de San Carlos (Mapa 6), sugestivamente denominado por eles de Bomb Alley (Beco das Bombas). Foi o maior duelo aeronaval desde a II Grande Guerra. Durou até 29 de maio, quando se consolidou a cabeça de praia.

Nesses dias, a FAA realizou 142 surtidas desde o continente e 20 pelos Pucará estacionados na Ilha, tendo perdido vinte aviões: 10 Dagger, 6 A-4 e 4 Pucará. A Aviação Naval realizou 13 surtidas desde o continente e uma da Ilha, perdendo quatro aeronaves: 3 A-4 e 1 MB 339.

A Força Tarefa 317 teve como perdas: um destróier e duas fragatas afundadas; três fragatas, um navio-desembarque de tropas, um desembarque logístico e um assalto anfíbio avariados; e um destróier e uma fragata fora de combate. Perdeu, ainda, um Harrier para míssil superfície ar.

Em 26 e 27 as condições meteorológicas não permitiram ações. Depois disso, os Canberra efetuaram alguns ataques noturnos contra as tropas, sem resultados significativos.

Verifica-se, assim, que a FAA não conseguiu impedir o desembarque, nem a força aeronaval britânica estabeleceu superioridade aérea, sequer local, mesmo considerando que este desembarque foi o evento mais importante do conflito.

IAI Dagger em ataque no estreito de San Carlos em 1982

Provavelmente, a proximidade entre as embarcações britânicas no Beco das Bombas tenha dificultado a atuação de seus sistemas antiaéreos, pois as aeronaves atacantes circulavam entre elas. Assim, uma embarcação poderia acertar outra ao tentar abater os caças atacantes.

Quanto ao dia 21 de maio de 1982, o CA Woodward, em suas memórias, Os Cem dias, escreveria o seguinte:

Seria inútil sugerir que eu não estava preocupado pelos sucessos daquele 21 de maio. Havíamos sido atacados ferozmente pelos caças-bombardeiros argentinos… Dos sete navios escolta que havia enviado ao estreito, na noite anterior, somente o Plymouth e Yarmouth haviam escapado sem danos…No primeiro dia dos desembarques, eles me haviam afundado uma escolta, outras duas postas fora de combate e ademais, outras duas estavam danificadas…Se os argentinos podem continuar com esse ritmo, por somente dois dias mais, minha força de destroiers e fragatas será arrasada…A situação era agora clara. A esta altura dos acontecimentos a luta se havia configurado entre a Royal Navy e a Força Aérea Argentina. Quem estaria ganhando naquele preciso momento? Temo que não éramos nós.

25 de maio, Dia Nacional da Argentina. A Fuerza Aérea Argentina (Força Aérea Argentina) realizou ataque com os A-4B Skyhawks pertencentes ao Grupo 5 de Caza que recebeu a tarefa de atingir o destróier HMS Coventry e a fragata HMS Broadsword, dois navios britânicos em serviço a noroeste do Ilhas Falklands/Malvinas.
Os A-4 Skyhawks voaram a poucos metros acima da água para evitar a detecção de radar como mostra a fotografia histórica acima, retratando o Capitão Pablo Carballo (no avião à esquerda) e o Tenente Carlos Rinke (à direita, pouco visível abaixo do horizonte) atacando a HMS Broadsword.
Tanto o capitão Carballo quanto o tenente Rinke (voando como “Voo Vulcano”) sobreviveram ao ataque (assim como a HMS Broadsword de onde a foto foi tirada), supostamente porque o sistema de mísseis Sea Wolf não pode escolher entre seus A-4s quando eles se tornaram visíveis no radar depois de se esconderem atrás da West Falkland e Pebble Island ao sul.
As duas aeronaves lançaram uma bomba cada, uma delas errou o alvo enquanto a outra conseguiu atingir a Broadsword apesar do intenso fogo antiaéreo. Mas a bomba Mk.17 não explodiu.
O “Voo Zeus”, dois A-4 pilotados pelo tenente Mariano A. Velasco e Alférez Leonardo Barrionuevo, armados com três bombas mais leves, logo seguiram. Velasco disparou seus canhões e depois lançou suas três bombas que atingiram e danificaram fortemente o destróier HMS Coventry, que afundou em 20 minutos. – Crédito da imagem: MoD (RN)

Em 25 de maio, Dia da Independência argentina, enquanto as atenções estavam voltadas para o Estreito de San Carlos, a Armada surpreendeu a Força Tarefa 317. Dois Super Ètendard decolaram de Rio Grande, contornaram as Ilhas e atacaram a frota vindo do norte. Perfizeram uma rota de, aproximadamente, 1.300 km, sendo reabastecidos em voo (Mapa 7). Nesta missão, afundaram o Atlantic Conveyor, um porta-contêineres que trazia helicópteros e peças de reposição para meios aéreos e, também, Harriers adicionais, dentre outros tipos de suprimento.

Em 30 maio de 82 aconteceu a mais precisa e audaz missão do conflito. O objetivo era atacar o porta-aviões HMS Invincible, localizado a aproximadamente 160 km a leste de Porto Stanley. Foi executada por uma esquadrilha mista com 2 Super Ètendard, um deles armado com o último míssil Exocet disponível, mais 4 A-4 (FAA), armados com bombas. Decolaram de Rio Grande, a 1.560 km do alvo. Dois A-4 foram abatidos. Os pilotos afirmaram ter acertado o HMS Invincible, mas os ingleses atribuíram os danos a uma fragata.

Foto feita durante o ataque ao HMS Invincible

Independentemente das versões, ficou caracterizado que as forças aéreas argentinas poderiam atacar a frota a qualquer distância, desde que tivessem reabastecimento em voo.

O último grande embate entre a FAA e a Royal Navy ocorreu em 8 de junho de 82. Os britânicos iniciaram um desembarque anfíbio em Port Pleasent (Mapa 9) para o assalto final a Porto Stanley. Novamente avaliaram mal a determinação e a ferocidade da FAA. E a resposta, novamente, foi letal. Afundaram um navio de desembarque logístico e uma lancha de desembarque; colocaram fora de combate outro desembarque logístico; e avariaram uma fragata. Houve, ainda, severas baixas nas tropas que desembarcavam. Os argentinos perderam 3 A-4.

Em 10 de junho de 82, os Pucarás realizaram sua última missão provendo apoio de fogo às próprias forças terrestres contra tropas britânicas. Essas missões, aliadas ao fato de que, após a rendição (14 Jun 82), foram capturadas 10 dessas aeronaves, demonstram incapacidade da Força Tarefa 317 em destruir pistas de pouso e aeronaves no ar ou no solo. Isso ganha importância considerando-se que os meios aéreos desdobrados nas ilhas eram as mais próximas ameaças às tropas desembarcadas.

A Armada teve sua última participação no conflito em 12 de junho de 82, baseada em terra. Transportaram para a ilha dois mísseis Exocet MM38, versão mar-mar, e os adaptaram para lançar de terra. Um falhou e outro acertou um destróier causando grandes danos e mortes, colocando-o fora de combate. Este evento vem a confirmar a letalidade dos mísseis Exocet, além de reforçar a ideia da eficácia da defesa do litoral por meios aéreos baseados em terra.

Os A-4 e Dagger tiveram seu último combate em 13 de junho de 82, realizando ataques diurnos contra postos de comando. Esses mesmos postos foram também atacados, em período noturno, por Canberras escoltados por Mirages III. Foram 3 destes ataques, sendo o último às 00:02 hs de 14 de junho de 82, dia da rendição. Um dos bombardeiros foi derrubado por míssil antiaéreo. Mais confirmação da incapacidade britânica em obter superioridade aérea.

Durante o conflito houve, ainda, algumas outras operações aéreas, que não os ataques propriamente ditos, quais sejam:

Boeing 707 da FAA
  1. Os Boeing 707 (avião de transporte) argentinos foram utilizados em algumas missões de reconhecimento visual e utilizando radar meteorológico – improvisação duvidosa – para localizar a chegada da frota britânica, na altura do Rio de Janeiro. Em uma das vezes a aeronave foi interceptada por um Harrier, que a obrigou a mudar de rota, sem atacá-la. Numa segunda, foi lançado um míssil Sea Dart. Mesmo a grande altitude, a aeronave conseguiu se evadir, o que leva a questionar a eficácia desse armamento, pois foi lançado em condições ideais.
  2. Desde a invasão das ilhas, em 2 Abr 82, foi estabelecida uma ponte aérea de suprimento ligando-as ao continente. Ela funcionou até a noite do dia 13 Jun 82, véspera da rendição argentina, demonstrando, mais uma vez, a incapacidade de obtenção de superioridade aérea por parte dos britânicos.
  3. Aeronaves Lear Jet militares e civis operavam a partir de Comodoro Rivadavia fazendo incursões em direção às ilhas. Visavam simular aeronaves de combate para despistar os reais ataques e saturar as defesas aéreas e antiaéreas. Um desses Lear Jet foi abatido por um míssil Sea Dart. Nova demonstração da incapacidade britânica em obter a superioridade aérea.
  4. Os britânicos realizaram alguns ataques contra a pista de Porto Stanley e radares com os Vulcan, a partir de Ascensão, porém os resultados foram inócuos. A pista permaneceu intacta e apenas um radar de tiro foi destruído por um míssil Shrike, mas rapidamente substituído. Demonstraram, contudo, enorme capacidade de projeção de poder, consideradas as distâncias e o tempo envolvidos.

Ao final do conflito, o saldo de perdas de ambas as partes foram elevadas e, logicamente, as contas foram discrepantes. Contudo, essas discrepâncias não influenciaram os resultados finais do conflito, motivo pelo qual também não impactam nestas análises e suas conclusões.

Segundo fontes argentinas, as baixas britânicas teriam sido as seguintes:

  1. 9 embarcações afundadas ou destruídas irreparavelmente: 2 destróieres, 2 fragatas, 2 desembarques logístico, 1 porta contêiner e um navio-tanque.
  2. 12 avariadas gravemente que necessitaram sair da zona de combate para reparos e posterior retorno: dois porta-aviões (os britânicos negam), 4 destróieres, 4 fragatas e um submarino devido a acidente.
  3. 11 com avarias leves, recuperadas na zona de combate e retornaram ao combate: 4 fragatas, 1 desembarque de tropas e 6 logísticos.
  4. Ao total somam 32 embarcações, sendo 28 delas atingidas por ataques aéreos e 4 por outras causas.
  5. Quanto a aeronaves, fontes britânicas informaram a perda de 11 Harriers e 24 helicópteros de variados tipos. Argentinos falam em 14 harriers confirmados e 7 prováveis.
Forças navais antes dos combates
Forças navais após os combates

As perdas navais argentinas incluem o afundamento do cruzador ARA Belgrano, e de um submarino que foi avariado, capturado e afundou ao ser rebocado. Foram avariadas uma corveta, duas embarcações de patrulha costeira e dois cargueiros pequenos.

No que tange a aeronaves, as discrepâncias nos números são bem maiores. Os argentinos afirmam terem perdido 57 aeronaves, sendo 49 pela ação inimiga, 2 por fogo próprio e 6 por acidentes, sendo que os britânicos totalizaram 117.

Seguem os números britânicos para aeronaves abatidas seguidos pelas contas argentinas, por tipo de aeronave: A-4 Skyhawk 45/17; Mirage 27/12; Pucará 21/10; Mentor 4/4; Aermacchi 3/1; Canberra 3/2; Skyvan 2/1; C-130 1/1; Lear Jet 1/1; Puma 6/6; Bell Huey 2/3; Chinook 2/1.

Quanto às perdas, Pio Matassi[8], extrapola o raciocínio para valores das perdas. Segundo ele, àquela época, Mirages, Dagger e A-4 custavam US$ 2 milhões ou menos, cada um. Um destroier como o HMS Sheffield, US$ 400 milhões; uma fragata ou um porta-contêiner, US$ 300 milhões. Ele valorizou os equipamentos destruídos e avariados, concluindo que as perdas materiais britânicas chegaram a US$ 2 bilhões e as argentinas a US$ 148 milhões.

Conclusões parciais

  1. Tanto a Força Tarefa 317 quanto a FAA foram incapazes de obter a superioridade aérea.
  2. A FAA foi incapaz de evitar o desembarque nas ilhas e a progressão das forças britânicas.
  3. O Reino Unido não conseguiu suprimir as defesas antiaéreas, nem destruir as pistas de pouso e as aeronaves desdobradas nas ilhas.
  4. As defesas aéreas e antiaéreas da frota foram incapazes de deter os ataques argentinos.
  5. Os Exocet foram uma grande surpresa técnica.
  6. Os Vulcan demonstraram grande capacidade de projeção de poder dos vetores aéreos.

Em todo o conflito, percebe-se que ficaram claras muitas incapacidades de ambas as partes. Algumas previsíveis e outras inesperadas. Tais incapacidades decorreram de alguns fatores que se tornaram determinantes.

FATORES DETERMINANTES NOS RESULTADOS DOS COMBATES

Insuficiência de Aeronaves na Força Tarefa 317

HMS Hermes lançando Sea Harrier

A obtenção da Superioridade Aérea depende da redução de meios da força aérea oponente, bem como de seus sistemas de vigilância aérea e antiaéreos, além de prover a própria defesa aérea.  Como não realizaram nenhuma dessas tarefas a contento, e certamente tinham consciência da necessidade disso, deduz-se que os britânicos não possuíam suficiência de aeronaves para tanto em função da (in)capacidade operacional de seus porta-aviões. Não havia espaço para mais.

Eficácia dos Mísseis Exocet

Os mísseis Exocet foram utilizados pela primeira vez nas Faulklands. Eram lançados pelas aeronaves fora do alcance de detecção dos radares da frota e se aproximavam voando na altura das ondas – sea skimming – guiados com precisão por radares próprios. Apesar de a Armada possuir apenas cinco desses mísseis, sua letalidade surpreendeu os britânicos e os próprios argentinos. Os cinco foram lançados. Afundaram um destroier e um porta contêiner; e avariaram o porta-aviões Invencible, segundo os argentinos; para os ingleses, esta avaria ocorreu em uma fragata. Uma dúzia a mais desses mísseis, poderia ter mudado o desfecho do conflito.

Deficiência Tecnológica das Defesas Antiaéreas Britânicas

Fragata Type 22 lançando míssil antiaéreo Seawolf

A quantidade de naves britânicas afundadas ou avariadas demonstraram que, além da insuficiência de aeronaves para prover defesa aérea, os sistemas antiaéreos da frota foram deficientes. Apesar da modernidade dos mísseis, principalmente os Sea Wolf, presume-se que, àquela época, possuíam deficiências tecnológicas para reagir a contento contra alvos penetrando a baixíssima altura. Talvez fossem confundidos por reflexos das emissões dos radares na água.

Inexistência de Mísseis Antinavio na FAA

A FAA, devido à doutrina conjunta das Foças Armadas Argentinas, não possuía mísseis anti-navio, o que obrigava as aeronaves atacantes a se colocarem ao alcance das defesas antiaéreas para lançar suas bombas, potencializando, assim, a probabilidade de serem atingidas e o decorrente lançamento do armamento fora dos respectivos parâmetros técnicos.

Insuficiência de Mísseis Ar-Ar da FAA

Mirage IIIEA com míssil ar-ar Shafrir de procedência israelense

Apesar de sua vantagem quantitativa de aeronaves, a FAA não possuía mísseis ar-ar em quantidade e desempenho capazes de prevalecer sobre os Harrier em combates aéreos. Estes últimos estavam equipados com os Sidewinder AIM-9L, os mais modernos de então, capazes de serem lançados frontalmente. Houve, apenas, dois reportes de lançamentos – ineficazes – desses armamentos por Mirage III; nada foi reportado sobre lançamentos por aviões A-4.

Insuficiência de Reabastecimento em Voo da FAA

A-4B C-266 armado com três bombas BR-250 no cabide central sendo reabastecido por um KC-130. Um segundo KC-130 aparece reabastecendo outro A-4 ao fundo. FOTO: FAA

A exemplo das aeronaves Mirage III e Dagger, os A-4 e Super Ètendard possuíam autonomia apenas para chegar às ilhas, efetuar os ataques e regressar sem engajar combates aéreos, sob pena de não haver combustível para o regresso ao continente. Porém, estes dois últimos aviões poderiam ser reabastecidos no ar. Caso o fossem, conseguiriam: permanecer em patrulhas aéreas sobre as ilhas; efetuar incursões sucessivas e profundas contra a frota britânica; e escoltar as próprias forças. Contudo, não havia reabastecedores suficientes para atender essas necessidades operacionais.

Adicionalmente, se houvesse mais reabastecedores, essas aeronaves poderiam ter sido utilizadas para ataques com foguetes ao invés de bombas, o que aumentaria muito sua letalidade.

A-4C da FAA sendo armado com bomba para mais uma missão

Foram constantes os casos em que os argentinos acertaram bombas em navios, porém elas não explodiram e/ou atravessaram os cascos. Devido às defesas antiaéreas, as aeronaves necessitavam se aproximar o mais baixo possível e lançar seu armamento muito próximo dos alvos. Para que uma bomba exploda, ela necessita de um tempo mínimo de voo após seu lançamento, do contrário, suas espoletas não se armam e, consequentemente, não explodem.

As mesmas aeronaves que utilizaram bombas, se utilizassem foguetes, teriam afundado todos os navios que acertassem, pois eles não dependem das espoletas. Por serem propulsados, teriam, ainda, maiores distância de lançamento e precisão que as bombas.

Contudo, foguetes são transportados em carregadores sob as asas e provocam maior arrasto aerodinâmico e, consequente, aumento do consumo de combustível. Assim, a utilização de foguetes, sem reabastecimento em voo se tornou inviável.

Coragem e Agressividade dos Pilotos Argentinos

A despeito de todas as diferenças tecnológicas que, sabidamente, ceifaria muitas vidas, os pilotos argentinos se lançavam com ímpeto e determinação contra as defesas antiaéreas como se a elas fossem imunes. Defenderam sua Pátria com a própria vida e tornaram a Força Aérea Argentina conhecida e admirada em todo o mundo. Seu desempenho foi muito superior ao esperado por qualquer analista militar e pelos próprios britânicos que assim o reconhecem.

Conclusões parciais

  1. A quantidade de aeronaves de combate da Força Tarefa 317 era insuficiente para cumprir todas as tarefas necessárias. E essa quantidade estava limitada pela também insuficiente capacidade de transporte e operação dos dois porta-aviões médios britânicos.
  2. Com as mesmas aeronaves de combate, ou talvez até com alguns Mirage III e Daggers a menos, porém com seis a oito reabastecedores a mais, e utilizando foguetes ao invés de bombas, a FAA poderia ter vencido.
  3. Com a mesma configuração de forças anterior, porém com dez a doze Exocetes a mais, e quatro a cinco dezenas de mísseis ar-ar mais modernos, a FAA certamente teria vencido.
  4. A derrota argentina deveu-se a uma inadequada escolha de meios para a defesa de seu litoral. Priorizou embarcações em detrimento de aeronaves e mísseis.
HMS Broadsword sendo atacada a tiros de canhão de 30 mm por IAI Dagger da Fuerza Aerea Argentina

LIÇÕES DO CONFLITO

Com base nas análises anteriores, e considerando o contexto da época, pode-se concluir por, pelo menos, quatro lições do conflito, apresentadas a seguir.

Primeira Lição: O Poder Aéreo é Indivisível

Na concepção argentina, o Poder Aéreo foi dividido: sobre a terra atuaria a Força Aérea; sobre o mar, a Armada. Isso levou à completa inadequação qualitativa e quantitativa de meios e, somada à ameaça submarina britânica, causou a retirada da Força Tarefa 79 da zona de combate, no segundo dia do conflito, por absoluta incapacidade de se opor a Força Tarefa 317, no mar e no ar.

O Poder Aéreo é indivisível, atua sobre mar e terra. Sua estruturação e concepção de emprego (doutrina) devem ser únicas e conjuntas. O que pode ser fracionado entre as forças armadas são as aplicações singulares de meios, conforme suas funcionalidades e cenários em que os conflitos se desenvolvem. Não deve haver superposições nem lacunas funcionais.

Segunda Lição: A Dependência Externa de Equipamentos Limita a Soberania e Pode Levar à Derrota.

Esta não deveria ser uma lição, pois é mais que sabida e se faz presente em qualquer discussão sobre segurança e defesa. Contudo, não pode se limitar a discurso. Deve ser abordada de forma efetiva para gerar as necessárias capacidades militares, com dependência externa mínima e substituível.

Terceira Lição: Coragem, Habilidade e Determinação Potencializam Resultados, mas não Vencem Assimetrias Tecnológicas e Concepções de Emprego Disfuncionais

O desempenho da FAA e de seus pilotos foi fenomenal. Compensaram com coragem, habilidade e determinação as concepções de emprego disfuncionais da cúpula das Forças Armadas Argentinas. Ofereceram suas vidas para salvar a honra da Nação. Porém, as assimetrias tecnológicas e a concepção de emprego conjunto do Reino Unido, mesmo que no limite, acabaram por prevalecer.

Quarta Lição: Meios Aéreos Baseados em Terra Devem Preponderar na Defesa Litorânea

Com o retraimento da Armada Argentina, o conflito pelas Falklands foi todo travado entre a FAA e a Royal Navy. Os sul-americanos perderam apenas o cruzador ARA Belgrano. Tivesse sua Força Tarefa 79 permanecido na zona de conflito, teria sido aniquilada, com enormes prejuízos materiais e psicológicos para toda a Nação, o que, em guerra, faz muita diferença. Ao se retirar, negou os mais valiosos alvos aos britânicos que, pelas circunstâncias, foram obrigados a expor suas naves à FAA, com enormes prejuízos.

Portanto, a defesa litorânea de uma nação deve ser embasada, preponderantemente, em  aviões e mísseis – ar-ar, superfície-ar e superfície-superfície –  operando de instalações  continentais.

Quinta Lição: O Poder Aéreo Deve Ser Estruturado de Forma Balanceada e Sinérgica

Pintura do ataque dos Super Etendard ao HMS Invincible

A Argentina possuía 68 A-4 e 5 Super Étendard capazes de se reabastecer em voo, mas apenas dois KC-130 cuja capacidade individual seria de abastecer 6 a 8 caças por missão. Adicionalmente, os mísseis ar-ar eram exíguos e obsoletos; somente tinham cinco mísseis antinavio, Exocet; os sistemas de navegação e ataque eram rudimentares e só operavam durante o dia; e não possuíam chaff e flare para despistar mísseis e radares.

Conforme já comentado, o desbalanceamento de meios e o atraso tecnológico, se parcialmente corrigidos, poderiam ter mudado o desfecho do conflito. Aeronaves reabastecidas, no mínimo duplicam ou triplicam autonomia e raio de ação. Aeronaves melhor armadas e dotadas de aviônica moderna aumentam sobrevivência e letalidade, além de poupar aviões e pilotos. Em resumo, um adequado balanceamento gera sinergia e eficácia.

Portanto, a qualidade deve prevalecer sobre a quantidade. O Poder Aéreo, e mais especificamente forças aéreas, devem ser estruturadas de forma balanceada e sinérgica, dotadas de equipamentos e armamentos tecnologicamente compatíveis aos ambientes de conflito nos quais poderão ser empregadas.

Sexta Lição: Porta-Aviões Médios nem Sempre Cumprirão sua Missão

HMS Invincible

A muito poderosa Força Tarefa 317 foi a maior força naval mobilizada pelo Reino Unido, desde a II Guerra Mundial até 1982. Contudo, os Harrier britânicos não conseguiram obter superioridade aérea, suprimir as defesas antiaéreas nas ilhas, interditar suas precárias pistas de pouso, nem destruir suas aeronaves no solo. Tampouco conseguiram blindar a frota contra incursões dos caças argentinos. A única explicação plausível é que suas aeronaves eram insuficientes para cumprir todas as tarefas necessárias e essa insuficiência decorre da limitada capacidade dos porta-aviões.

Assim sendo, porta-aviões de médio porte, como os britânicos, não são capazes de garantir a defesa aérea da frota enquanto projetam poder sobre terra, quando o oponente possui força aérea mais numerosa, mesmo que obsoleta.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Aeronaves usadas durante a Guerra das Malvinas (clique na imagem para ampliar)

O Conflito das Falklands ocorreu há quarenta anos e todas as análises e conclusões foram feitas considerando-se o contexto da época.

Contudo as lições foram muitas e são válidas até hoje, pois sua lógica não se alterou. Os principais fatores levantados estão relacionados à Geografia, que não mudou; a concepções de emprego, que sempre antagonizam forças armadas em todo o mundo; bem como à tecnologia, cujos enormes avanços só fizeram potencializar efeitos e consequências já identificados.

Assim sendo, seria interessante que nossas Forças Armadas revisitassem esse conflito e avaliassem se teríamos algo a aprender e aplicar às nossas políticas e estratégias de defesa, sob pena de incorrermos nos mesmos erros de quarenta anos atrás.

As Forças Navais na Guerra das Falklands/Malvinas (clique na imagem para ampliar)

  • [1] Coronel R1 da FAB – Piloto de Caça
    Analista de Inteligência Militar
    Integrante do Grupo de Análise da Conjuntura Internacional – USP
    Consultor do Instituto Sagres
    Mestre em Ciência Política (Defesa) – Universidade da Força Aérea (UNIFA)
  • [2]Os argentinos denominam as mesmas ilhas por Malvinas. Neste artigo serão adotadas as denominações britânicas para a ilhas e respectivas localidades, uma vez que estão sob administração do Reino Unido, independentemente das reivindicações argentinas ou de juízo de valor quanto à disputa. Sempre que utilizadas pela primeira vez, serão informados as denominações argentinas para cada localidade.
  • [3] Uma milha náutuica equivale a 1,852 Km. Portanto, a Zona de Exclusão tinha um raio de 370,4 Km.
  • [4] As análises tomaram por referências bibliográficas duas publicações argentinas. Estas, por sua vez, se reportam a documentos argentinos e britânicos inerentes, bem como memórias de participantes. São elas: História del Conflicto del Atlantico Sur (La Guerra Inaudita II), 1997, de Rubén Oscar Moro, Força Aérea Argentina; e Probado en Combate, 1995, Vol. 58, 1ª Ed., de Pio Matassi.
  • [5] Redenominado pelos argentinos como Puerto Argentino.
  • [6] Houve estimativas de que tenham colocado de 14 a 16 aeronaves.
  • [7] Os Dagger argentinos eram a versão israelense do Mirage V, francês.
  • [8] MATASSI, Pio. Probado en Combate. 1995. Vol. 58, 1ª Ed.
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