B-52 versus MiG-21 no Vietnã
Por Everton Pedroza*
A Guerra Aérea no Vietnã consegue, até hoje, gerar fascínio, na mesma proporção que fomentar polêmicas entre os estudiosos de aviação militar. As regras de engajamento impostas aos pilotos americanos, o protagonismo de outras nações (que colaboraram com ambas as partes) e as falhas norte-americanas nas análises de cenário são amplamente propagados pela literatura militar.
Acabam sendo esquecidas são a determinação e a disciplina tática dos pilotos de ambos os lados, a fim de executarem suas missões da melhor maneira que lhes era permitido. Assim fizeram com maestria as tripulações de B-52, que partiam de Andersen (Guam) e de U-Tapao (Tailândia) rumo ao Vietnã do Norte, em missões que foram de importância ímpar para a USAF, tais como a Linebacker II.
De acordo com os americanos, nenhum B-52 foi abatido por caças adversários em todas as guerras das quais participou, apesar de admitir a perda de 31 aeronaves para SAM no Vietnã. Como a maior parte da literatura militar sobre o tema é norte-americana, praticamente não há um contraponto da mídia vietnamita sobre essas histórias. Neste texto abordaremos apenas a versão vietnamita e sua narrativa.
Sabe-se que a USAF condecorou alguns artilheiros de cauda de B-52 por vitórias contra caças da VPAF (Força Aérea Vietnamita). Algumas dessas vitórias foram contestadas pelo Vietnã do Norte, que alegou que seus aviões pereceram diante de caças de escolta, e não pela ação de artilheiros de cauda. Contudo, quando se lê um artigo estrangeiro “simpático” ao discurso vietnamita, cita-se normalmente o combate de 27 de dezembro de 1972 como a provável e única data na qual um B-52 fora atingido diretamente por caças. Mas para o Vietnã não foi bem assim.
Em 1968, o alto Comando da Força Aérea Vietnamita (VPAF) decidiu treinar pilotos de elite para ataques noturnos, o que exigia uma complexidade operacional bem maior. Naquele contexto, as duas principais missões dos pilotos de MiG-21 eram proteger o Grupo de transporte 559, a estrada 9 (no Sul de Laos) e interceptar bombardeiros B-52. Esses pilotos formavam a Quarta Ala de Combate da VPAF.
Por medida de economia, os primeiros voos de treinamento foram feitos a bordo de aeronaves de transporte IL-18. O MiG-21 era o aparelho mais adequado para essas operações: possuía radar, dispunha de mísseis e de pós-combustão para fugir após os ataques. Pecava apenas no fato de ter baixa autonomia e consumir muito combustível.
Foi assim que, em 4 de outubro de 1971, o experiente piloto Dinh Ton (921st FR) decolou com seu “Fishbed”, rumo a Dong Hoi, para interceptar um grupo de B-52. As aeronaves americanas estavam jammeando continuamente os radares de terra, incluindo os radares Fan Song que forneciam direção de tiro para mísseis antiaéreos SA-2.
Sendo assim, o piloto Dinh Ton logo perdeu o contato com o controle de solo. O vietnamita conseguiu enxergar dois B-52, mas não conseguia utilizar o radar de seu avião, pois estava sob efeito do sistema ECM “College Eye”. Ele também não tinha como se comunicar via rádio, além de estar sozinho. Dinh Ton decidiu então que não era um bom momento para atacar e regressou para o aeródromo. Foi a primeira vez que um piloto vietnamita chegou tão perto de uma formação americana, em voo noturno.
Na noite de 20 de Novembro de 1971, o jovem piloto Vu Dihn Rang, pertencente ao icônico Regimento 921 de Aviação de Caça, decolou do Aeródromo de Anh Son às 19h40 (horário local), após aviso do Departamento de Comando, sobre a presença de aeronaves B-52. A ordem era clara: Rang deveria atacar os “BuFF” e, em seguida, regressar a Ahn Son e pousar. Só havia dois MiG-21 de prontidão, com o segundo piloto (Hoang Bieu) tendo decolado do aeroporto de Vinh, com ordem para atacar e regressar a No Bai.
Bieu abortou a missão após ser detectado por um navio da 7ª Frota da U.S. Navy. Rang teve sorte, e conseguiu contato visual com um dos B-52 às 20h40, uma hora após a decolagem. O B-52 era pilotado pelo capitão David Robert Volker, que naquele dia liderara uma missão composta por 3 B-52 voando em altitudes diferentes, com aproximadamente 15 segundos de distância entre si, e com escolta de caças F-4.
Pensando que não havia MiGs na área, os B-52 começaram a se comunicar trocando sinais luminosos para orientação uns dos outros. Os equipamentos de jamming, inacreditavelmente, estavam desligados. Numa altitude entre 1.500 e 2.000 metros, Rang perseguia o B-52 de Volker, que voava acima de seu avião.
O controle de solo então ordenou que Rang subisse até 9.000 metros e o interceptasse. Quando seu MiG-21 estava a aproximadamente 10 km dos alvos, os 3 bombardeiros apareceram na tela no radar. Rang então acelerou o MiG-21 até chegar aos 1.400 km/h e a 2 km do alvo, disparou um R-3 “Atoll” contra o avião de Volker, que o atingiu em cheio. Rang se esquivou e logo viu um dos outros dois B-52 na sua mira: disparou um segundo míssil contra outra aeronave, mas sem causar danos.
Minutos depois, Rang pousou seu MiG no aeroporto de Ahn Son. Todas as luzes do seu avião foram apagadas após o pouso. O som dos F-4 de escolta foram ficando cada vez mais fortes, mas o “alvo” já estava em solo. Missão cumprida! O B-52 não caiu, mas fez um pouso crítico em U-Tapao, com o tanque de combustível da asa esquerda completamente vazio.
Após o combate, Volker teria discursado para a tripulação: “para os Estados Unidos foi uma surpresa! Certa vez discutíamos sobre o B-52 ser inviolável, com nenhuma arma podendo atacá-lo! Mas agora o B-52 foi atingido pela Força Aérea Vietnamita. É difícil admitir uma derrota. Os Estados Unidos devem proteger sua honra! É um segredo nacional. Não podemos dizer que esse B-52 foi atacado por um MiG-21”.
Após esse incidente, a Força Aérea dos EUA teria suspendido o voo dos B-52 por 4 meses, estudando formas de neutralizar os caças vietnamitas que ainda operavam. Aproveitando-se disso, a guerrilha vietcongue conseguiu um espaço de tempo precioso para transportar armas. O B-52 de Volker foi inutilizado e não se tem notícia sobre ele ter voltado a voar no mesmo conflito.
Algum tempo depois, em 27 de dezembro de 1972, o experiente piloto Pham Tuan decolou da Base Aérea de Yen Bai às 22h16, à procura de bombardeiros. Voando muito baixo, para evitar ser detectado pelo inimigo, Pham Tuan esperou chegar no alcance do radar de sua aeronave, para então ganhar altitude e engajar os B-52.
“Às 22 horas, recebi ordens para decolar de Yen Bai. Logo, meu avião rompeu as camadas de nuvens mais baixas (200-300 metros de altura) e avistei vários F-4. Enquanto isso, fui informado de que três bombardeiros B-52D estavam se aproximando de Moc Chau. Conforme o planejado, alijei meu tanque subalar e subi até 7.000 metros, acelerando forte. Quando vi uma luz amarela na minha frente, virei 40 graus para a esquerda e aumentei minha velocidade até chegar nos 1.200 km/h. Subi um pouco mais, até os 10 mil metros, que era onde estavam os bombardeiros. Falei pelo rádio para o controle de solo solicitando permissão para atacar. A permissão foi concedida”.
Sendo assim, Phan Tuan ultrapassou dois grupos de F-4, que faziam escolta dos B-52 (que voavam a uma distância de 3 km entre eles), e começou a voar entre a formação com equipamentos de comunicação e radares desligados, para evitar ser visto. Quando estava numa distância de 2 km, escolheu um dos B-52 e disparou um de seus mísseis R-3 Atoll, que acertou um dos motores do enorme avião. Baseado na experiência do colega Vu Dinh Rang, resolveu disparar mais um míssil, para garantir que o B-52 não escapasse.
A proximidade dos disparos foi tamanha que a tripulação do B-52 não conseguiu lançar os ‘’flares’’ que ficavam alojados na barriga do BUFF (apelido carinhoso pelo qual são conhecidos os B-52). A manobra de fuga foi tão veloz, que a “Gun Camera” do MiG-21 não conseguiu captar o momento da explosão do inimigo.
Pham Tuan ligou o pós-combustor e acelerou seu MiG-21MF até a velocidade máxima, para fugir da escolta. Logo após, Phan Tuan desceu até os 2.000 metros e voou até pousar em No Bai. Foi o primeiro abate de B-52 feito por uma aeronave de caça vietnamita. O B-52D, de registro 56-0599, era pilotado pelo capitão John Mize. A vitória de Phan Tuan nunca foi confirmada pela USAF, que prontamente atribuiu a perda de sua aeronave ao SAM SA-2 ’’Guideline’’. Todos os tripulantes do B-52 conseguiram ejetar.
Após o feito, Pham Tuan foi agraciado em 1973 com a comenda de “Herói do Povo Vietnamita”, bem como foi promovido a tenente. Em 1980, ele se tornou o primeiro cosmonauta vietnamita a voar em uma nave russa. Fez parte de uma das missões do Programa Intercosmos.
Há outro piloto vietnamita que também é reconhecido por seus compatriotas como algoz dos B-52 da USAF. Seu nome era Vu Xuan Thieu. Em 28 de dezembro de 1972, o jovem piloto recebeu ordem para decolar seu MiG-21MF do aeródromo de Cam Thuy, à procura dos B-52. Às 21h52, Thieu recebeu orientação para virar à direita e encontrar um alvo que estava a 15 km de distância de seu avião.
Diante de grande interferência eletrônica, o “caçador” não conseguiu entender o recado. O controle de solo confirmou que o alvo era um bombardeiro B-52D, e tentou orientar Thieu a manobrar em sua direção. O alvo se dirigia a Nan San e, posteriormente, para a cidade de Son La.
Às 21h58 Thieu confirmou a visualização do alvo e acelerou em sua perseguição, guiando-se apenas pelas luzes de posição do B-52. Supostamente evadindo-se de mísseis disparados por F-4 da escolta e após o controle de solo ter ordenado a Thieu que disparasse todos seus mísseis contra o B-52, o piloto teria procedido conforme orientação, mas o B-52D (registro 56-0605) aparentemente continuava a voar, após impacto direto.
Thieu teria, assim, tomado a decisão de se lançar num ataque suicida contra a aeronave americana. Fontes americanas alegam que o vietnamita foi abatido por AIM-7D, disparado por F-4D, enquanto se aproximava do B-52. A USAF também alegou (na época) que aparentemente nenhum B-52 havia caído naquele dia.
A versão foi contestada pela VPAF, que alegou ter recolhido destroços de ambos os aviões envolvidos. Tempos depois, surgiu a versão de que esse mesmo avião havia sido abatido por SAM, na mesma noite da morte de Thieu. Dois seis tripulantes, 4 ejetaram e dois morreram.
No dia de 27 de dezembro de 2012, por ocasião do 40º aniversário da morte de Vu Xuan Thieu, o major-general Pham Ngoc Lan discursou: “(…) Na noite de 28 de dezembro de 1972, por volta das 12 horas, recebi um telefonema da sede para liderar uma delegação ao local que Vu Xuan Thieu abateu um B-52 (Son La). Quando cheguei, encontrei soldados de infantaria estacionados na área e todos relataram o avistamento de duas aeronaves caindo em chamas. De cima da colina, vimos o B-52 queimando, caído de um lado, com o MiG caído do lado oposto. Também pegamos peças dos dois aviões abatidos, provando que Thieu colidiu com o B-52. Informamos a situação ao Estado-Maior e à força aérea”. Outra versão, dada por peritos soviéticos, é que Thieu fora atingido com fatalidade por destroços do B-52 supostamente atingido.
Vu Xuan Thieu foi condecorado postumamente, apenas em 1994. A VPAF não queria que ele fosse visto como um herói, durante a Guerra, temendo que sua atitude estimulasse ataques suicidas contra aeronaves americanas. A Força Aérea Vietnamita continua, assim como em 1972, reconhecendo o “kill” marcado por Thieu.
Em Outubro de 2002, especialistas da Administração da Aviação Civil do Vietnã visitaram o Museu da USAF, em Washington e encontraram um documento chamado “Dogfights over North Vietnam”. O documento contém um relato completo da batalha aérea de 28 de Dezembro de 1972. No documento, Istvan Topersczer narra a história de um piloto de B-52D atacado por uma aeronave, naquela noite “(…)O primeiro míssil foi lançado pouco depois do segundo. Ambos fizeram poucas avarias no B-52. Foi quando viu-se a ‘labareda amarela’ sair do exaustor de um MiG-21. Como uma flecha, o caça voou ao encontro do B-52. Os dois ‘blocos de aço’ explodiram no céu’’
Após a Guerra do Vietnã, o MiG-21 teve uma longa carreira na VPAF. Após os Regimentos 921 e 927 (únicos que atuaram na guerra) receberem MiG-21MF (1972), chegaram os primeiros MiG-21bis em 1979.
Essas aeronaves prestaram serviço em missões de defesa aérea até o final de 2015. Ainda mais longevo, o B-52 ainda faz parte do inventário da USAF, que pretende remotorizar seus B-52H para que sirvam além de 2050. Exceto os pilotos de MiG-21, nenhum outro piloto de MiG-17 ou MiG-19 se envolveu em combate direto contra um B-52.
*Bancário, bacharel em desenho industrial, escritor, articulista e pesquisador em assuntos militares desde 1998. Escrevendo principalmente sobre aviação militar.