A-Darter no caça Gripen

Por Darren Olivier

O míssil ar-ar de curto alcance guiado por infravermelho A-Darter (SRAAM – Short-Range Air-to-Air missile), desenvolvido em conjunto pela África do Sul e pelo Brasil e co-financiado por suas respectivas forças aéreas, acabou sendo uma conquista impressionante, com números de desempenho além do que muitos acreditavam que a parceria poderia produzir.

Como míssil de quinta geração, com alcance máximo superior a 20 km, velocidade máxima em torno de Mach 3, um sensor infravermelho de imagem de duas cores (SWIR & MWIR), com uma taxa de varredura de 120º, ângulo de visão de 180º e reconhecimento de alvo, padrões de varredura selecionáveis ​​no cockpit, excelente rejeição a reflexos e chaff, mecanismo de foguete com pouca fumaça e extrema agilidade dos controles de vetor de empuxo, permitindo girar a mais de 80 g, o míssil A-Darter está na mesma classe que os mísseis como o AIM-9X, ASRAAM, IRIS-T, MICA e Python 5.

Além disso, apenas alguns outros países, EUA, Reino Unido, França, Alemanha, China, Rússia, Japão e Israel conseguiram projetar e colocar em prática um SRAAM de quinta geração nessa classe.

Ainda mais impressionante, o A-Darter foi desenvolvido a um custo total em 10 anos de apenas cerca de US$ 254 milhões e era um projeto que partiu do zero, sem o uso de componentes ou subsistemas existentes das famílias de mísseis que a Denel ou a SIATT (anteriormente Mectron) já haviam produzido. Como ponto de comparação, o desenvolvimento do AIM-9X Sidewinder custou cerca de US$ 850 milhões nos termos atuais e foi uma atualização do AIM-9M existente.

O fato de o A-Darter ter sido desenvolvido com um orçamento tão apertado é um crédito para sua equipe de projeto, composta por um grupo principal de cerca de 30 engenheiros e gerentes e uma equipe total de projeto de cerca de 100 pessoas de Denel Dynamics, SIATT, Avibras & Opto Eletrônica, além de representantes em tempo integral das forças aéreas sul-africana e brasileira. A abordagem de engenharia de sistemas usada no programa foi eficaz na redução de riscos e na manutenção de custos sob controle. O uso extensivo de ferramentas de simulação, como o Optronic System Simulator (OSSIM) desenvolvido pela Denel Dynamics e o CSIR, foi fundamental para reduzir custos, pois significava que apenas 34 mísseis, dos quais apenas 18 tiveram lançamento aéreo, eram necessários para o desenvolvimento completo e processo de qualificação. Programas similares usaram regularmente mais de 60 mísseis para a mesma tarefa.

Nem tudo correu como planejado, é claro. Desacelerações econômicas no Brasil e na África do Sul, alguns contratempos técnicos e dificuldades ocasionais em obter tempo para a área dos testes atrasaram o desenvolvimento em pontos-chave, adiando a data em serviço mais tarde do que o inicialmente previsto. Além disso, a crise de gestão e financiamento na Denel causou atrasos na fase de industrialização de mais de um ano, e a decisão da Odebrecht, ex-proprietária da Mectron, de se desfazer do negócio de defesa atrasou a criação da linha de produção brasileira. Se não fosse pelas questões da Denel e da Odebrecht, o A-Darter já estaria em serviço.

Como resultado, a integração pretendida nos F-5EMs do Brasil foi cancelada e a do Hawk Mk120 da África do Sul atrasou indefinidamente. No entanto, a integração nos Gripens da Força Aérea da África do Sul foi concluída e Denel foi contratada para integrar o A-Darter nos 36 novos Gripen E/F do Brasil quando eles entram em serviço.

Em março de 2015, a Força Aérea da África do Sul fez uma encomenda de produção no valor de US$ 66 milhões para um número não especificado de mísseis A-Darter. Extrapolando a partir de estimativas informadas sobre o custo unitário, isso provavelmente significa uma encomenda de algo entre 60 e 80 mísseis, dos quais entre 10 e 20 podem ser mísseis de treinamento. O Brasil ainda não colocou uma encomenda de produção completa, embora seja esperada para breve.

Lançamentos

Lançamento de teste do A-Darter

Portanto, agora, com seu conjunto final de quatro lançamentos de qualificação, incluindo uma verificação espetacular de sua capacidade de atingir alvos por trás de sua aeronave de lançamento, e a industrialização completa do míssil ar-ar de curto alcance (SRAAM) guiado por IR de quinta geração A-Darter está entrando em produção em larga escala.

Esses quatro lançamentos guiados, chamados S1.1 a S1.4, foram realizados no final de 2017 contra os drones alvo Skua na Overberg Test Range de Denel, perto de Bredasdorp, no Cabo Ocidental, cada um replicando e verificando um tipo diferente de cenário de combate aéreo. Em todos os casos, o Gripen da Força Aérea da África do Sul (SAAF) foi a plataforma de lançamento.

O primeiro a ser testado foi um cenário Lock-On After Launch (LOAL) de longo alcance, onde o A-Darter foi disparado em modo de voo livre a longo alcance antes que seu buscador de infravermelho a bordo tivesse travado no alvo. Baseando-se apenas em sua unidade de medição inercial (IMU) e nas coordenadas e trajetórias de voo programadas do Skua antes do lançamento, o A-Darter navegou para onde esperava que o Skua estivesse, adquiriu um travamento sólido quando seu buscador atingiu o alcance, e destruiu o drone com um acerto direto.

O segundo cenário foi o mais dramático, mostrando o alto nível de agilidade do A-Darter, com tolerância de +80 g, campo de visão amplo e grande capacidade de direcionamento de mira (HOBS), quando o míssil girou 180 graus após o disparo. Ele engajou o alvo Skua que estava voando atrás da aeronave de lançamento, passando com sucesso perto o suficiente para ter destruído o alvo se a espoleta estivesse ativada.

Tanto o terceiro como o quarto cenários foram ‘blow-through’, nos quais o A-Darter foi disparado contra o alvo enquanto era bombardeado com contramedidas eletrônicas (ECM), e o míssil teve que usar sua contra-contramedidas eletrônicas (ECM) a bordo para ignorar todas as tentativas de chamarizes (flares) e ainda atingir o drone alvo Skua.
Todos os quatro testes foram bem-sucedidos, atendendo aos rígidos requisitos de aceitação estabelecidos no início do programa. Como resultado, o A-Darter está liberado para total uso operacional e de combate.

Alvo aéreo Skua, usado nos testes do A-Darter

Para colocar esse marco em outro contexto, vale a pena examinar brevemente a história do projeto, bem como a questão de por que ele foi perseguido, em vez de apenas comprar mísseis existentes.

A história do A-Darter começou no início dos anos 90 com uma exigência interna da equipe da SAAF de um novo SRAAM para substituir o U-Darter. Nos anos seguintes, algumas propostas e programas de desenvolvimento de tecnologia foram alternados, mas foi somente por volta do ano 2000 que o design básico do A-Darter foi finalizado.

No entanto, em 2001, quando a SAAF iniciou formalmente o Projeto KAMAS para a aquisição de um SRAAM, o fez com a intenção de adquirir um míssil estrangeiro existente, porque não podia arcar com os custos do desenvolvimento do A-Darter até sua conclusão.

Assim, a Denel Dynamics e o governo sul-africano procuraram parceiros estrangeiros dispostos a aderir ao projeto A-Darter em troca de transferência de tecnologia. O Brasil, que buscava aprimorar as capacidades de sua indústria de defesa e também adquirir mísseis de quinta geração, concordou e em 2006 assinou o acordo formal de parceria.

Como o KAMAS era puramente um programa de aquisição e não um programa de desenvolvimento, o Projeto ASSEGAAI foi iniciado em meados de 2006 para lidar com todo o trabalho de desenvolvimento e industrialização do A-Darter. A intenção era ter esses dois projetos lado a lado, com o KAMAS sendo usado primeiro para adquirir um SRAAM interino, o Diehl IRIS-T, em pequenos números para equipar a SAAF durante a a Copa do Mundo de Futebol da FIFA 2010 e, em seguida, para que permanecesse em espera até a conclusão do ASSEGAAI e fosse necessário adquirir o novo míssil. Assim, com os voos de qualificação de 2017, o ASSEGAAI está concluído e em breve terminará, enquanto os 60-80 mísseis encomendados em março de 2015 e potencialmente qualquer integração no jato Hawk Mk120 caem sob o KAMAS.

Integração no Gripen

Curiosamente, a integração inicial do A-Darter ao Gripen C e D foi feita como parte do Projeto UKHOZI, o programa de aquisição do Gripen, entre 2007 e 2012. Isso ocorre porque a integração foi incluída no contrato de compra da SAAF com a Saab para a aeronave, e enquanto a integração foi realizada na Escola de Voo e Desenvolvimento de Testes da SAAF em Overberg, era responsabilidade da Saab garantir que isso acontecesse dentro do prazo e do orçamento.

Um efeito colateral indesejado desse processo paralelo foi que alguns elementos da integração tiveram que começar sem todos os aspectos do desenvolvimento do míssil concluídos, forçando algum planejamento e reconfiguração inteligentes para garantir que os resultados corretos ainda fossem alcançados.

Depois, há a questão do porque foi decidido desenvolver o A-Darter em vez de apenas comprar uma opção já existente, como o IRIS-T já adquirido como arma provisória. Afinal, enquanto 3,6 bilhões de Rands (US$ 243 milhões) são baratos em termos comparativos, é caro quando se considera que comprar 60 mísseis IRIS-T custaria apenas cerca de 500 milhões de Rands (US$ 33,8 milhões).

A resposta e a justificação estão centradas em alguns argumentos estratégicos.

Primeiro, países que não pertencem à OTAN e não alinhados como a África do Sul e o Brasil nunca terão acesso total aos detalhes técnicos, algoritmos de bordo e bibliotecas de ameaças de um míssil como o AIM-9X, ASRAAM ou IRIS-T, o que significa que seus pilotos teriam apenas um palpite sobre o desempenho da arma em combate, que pode ser impreciso. O combate aéreo moderno é tão complexo que até pequenos erros ou mal-entendidos sobre o envelope de voo podem causar tiros fracassados, como foi visto em 2017 quando um obsoleto Su-22 sírio foi capaz de disparar flares e fugir de um míssil de primeira linha AIM-9X disparado por um F/A-18. Com o A-Darter, a SAAF conhece o desempenho do míssil nos mínimos detalhes e programou esses modelos nos sistemas de simulação da AFB Makhado e no Gripens pilotados pelo 2 Squadron, para que seus pilotos estejam sempre cientes do que esperar e como para usá-lo ao máximo. Além disso, a SAAF pode criar e atualizar suas próprias bibliotecas e algoritmos de ameaças personalizados no A-Darter, garantindo que esteja sempre preparado para os tipos de aeronaves que o 2 Squadron possa enfrentar.

Segundo, as habilidades aprendidas e as novas técnicas desenvolvidas durante o programa A-Darter e as melhorias feitas em softwares de simulação como o OSSIM tiveram um impacto direto e extremamente positivo no entendimento do CSIR e da SAAF sobre as modernas ameaças de mísseis IR e a melhor maneira de combatê-las com alertas, contramedidas direcionadas por infravermelho (DIRCM) e outros mecanismos. O programa A-Darter levou ao desenvolvimento de sofisticados classificadores de imagem a bordo, usando redes neurais para identificar corretamente aeronaves, foguetes, nuvens e o solo, que podem ser facilmente revertidos para descobrir como enganar classificadores de alta tecnologia semelhantes.

Isso aprimora diretamente a capacidade de sobrevivência de aeronaves da SAAF em outras partes da África, especialmente porque os MANPADS por infravermelho de imagem com duas cores continuam a proliferar como uma ameaça.

Terceiro, o programa A-Darter criou um grande número de novos engenheiros e outros empregos de alta qualificação, não apenas na Denel Dynamics e suas contrapartes no Brasil, mas também nas 200 outras empresas aeroespaciais e de defesa locais que contribuíram para a fase de desenvolvimento e 150 empresas locais que fazem parte da produção em larga escala.

Foi relatado pela Academia Real de Engenharia que, para cada aumento de 1% no índice de engenharia de um país, medido como a soma total das habilidades de engenharia de alto nível, há um aumento simultâneo de 0,86% no PIB.

Sem programas de alta tecnologia como esse, a África do Sul pode não ser capaz de criar ou manter habilidades em áreas como cerâmica de alta temperatura, buscadores sofisticados de imagem por infravermelho, espoletas a laser, aerodinâmica de alta velocidade, eletrônica robustecida e assim por diante.

Quarto, é um adágio simples do desenvolvimento de alta tecnologia que cada programa subseqüente se torne progressivamente mais fácil e mais eficaz, porque você poderá aproveitar os sucessos, lições aprendidas e habilidades de seus antecessores. Isso é bastante claro no caso do A-Darter, pois o programa subsequente de mísseis BVR Marlin de 100km+ de alcance e os programas de mísseis ar-ar de curto alcance Mongoose-3 e Cheetah progrediram muito mais rápido e mais barato do que seria o caso. Isso não apenas abre potenciais mercados de exportação, mas fornece novas opções táticas para a SAAF.

Quinto, fornecendo um SRAAM de quinta geração sem ITAR com menos limites de exportação do que muitos de seus concorrentes, o A-Darter pode se tornar um sucesso de exportação e uma fonte de renda estrangeira para a Denel Dynamics e para a África do Sul como um todo. A Saab já o está comercializando como uma opção padrão no Gripen C/D e no próximo E/F, e há um grande interesse por parte de vários países. Esse tipo de sucesso nas exportações não era o objetivo principal do programa, mas será um efeito colateral vantajoso.

Em suma, o A-Darter demonstra um modelo de sucesso para o desenvolvimento local de sistemas de alta tecnologia, como mísseis ar-ar, que podem ser competitivos com os melhores do mundo. Nem todas as armas que a SAAF precisa valerão a pena desenvolver localmente, nem sempre haverá um parceiro estrangeiro disponível, mas é uma estratégia que deve ser cuidadosamente considerada e adotada nos casos em que faça sentido prático. Os benefícios para a indústria local e para a economia como um todo são evidentes.

FONTE: African Defence Review

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