Por Luiz Reis* – especial para o Poder Aéreo

A Operação Gomorra (nome dado segundo a Bíblia, a uma das cidades destruídas pelo “fogo de Deus”, juntamente com Sodoma), foi uma campanha de violentos ataques aéreos que começou no dia 24 de julho de 1943 e durou oito dias e sete noites. Foi na época o ataque mais pesado da história da guerra aérea e mais tarde foi chamado de “Hiroshima da Alemanha” por oficiais britânicos. Algumas publicações se referem a esse evento como a “Batalha de Hamburgo”.

No ano de 1943 o foco do Comando de Bombardeiros da RAF, comandado pelo Marechal Sir Arthur “Bomber” Harris, estava em estrangular a vital região industrial do Ruhr alemão, que havia sido alvo de uma campanha de cinco meses de pesados ataques. Então subitamente foi decidido pelos britânicos atacar a cidade de Hamburgo e seus arredores, até então praticamente livre dos ataques dos Aliados.

A operação foi conduzida pelo Comando de Bombardeiros da RAF, com a participação de aeronaves da Real Força Aérea Canadense (RCAF), da Real Força Aérea Australiana (RAAF) e também de esquadrões poloneses da RAF, além do então VIII Comando de Bombardeiros (depois redenominada 8ª Força Aérea) da Força Aérea do Exército dos Estados Unidos (USAAF), comandada pelo então Brigadeiro General Ira C. Eaker. Os britânicos realizavam ataques noturnos e os ataques diurnos eram realizados pelos norte-americanos.

O ataque inicial a Hamburgo incluiu duas novidades ao comando britânico: eles usaram tiras de alumínio chamadas de “Window” (antepassado dos atuais sistemas de “chaff” das aeronaves modernas), para confundir o radar alemão; a aeronave que voava mais à frente da formação principal (chamada de “Desbravadora”) que normalmente mantinha silêncio rádio passou a relatar as condições climáticas que encontravam, e tais informações foram processadas e transmitidas aos navegadores da força de bombardeiros principal.

Bombardeiro Short Stirling da RAF recebendo bombas para a missão sobre Hamburgo
Bombardeiro B-17 atacando uma fábrica

O Esquadrão Nº 35 da RAF liderou a marcação do alvo e, graças ao bom tempo e à navegação pelo radar H2S, a precisão foi boa, com o esquadrão conseguindo marcar os alvos. No dia 24 de julho, aproximadamente às 00h57min, o primeiro bombardeio começou pela RAF e durou quase uma hora. A confusão causada ao radar alemão pelo Window manteve baixas as perdas de aeronaves. Enquanto cerca de 40 mil bombeiros de Hamburgo e das redondezas estavam disponíveis para combater os incêndios, suas ações foram prejudicadas quando a central telefônica pegou fogo (impedindo a coordenação dos esforços) e os escombros bloquearam a passagem de carros de bombeiros pelas ruas da cidade; por causa disso houve incêndios que duraram três dias para acabar.

Um segundo ataque, realizado à luz do dia pela USAAF, foi realizado às 16h40min. A intenção era que 300 aeronaves atacassem Hamburgo e a vizinha Hannover, mas problemas com a formação da força no ar significaram que apenas 90 aeronaves Boeing B-17 Fortaleza Voadora chegaram a Hamburgo. Os bombardeiros atacaram o estaleiro Blohm e Voss e uma fábrica de motores aeronáuticos, com a Artilharia Antiaérea alemã (Flak) danificando 78 aeronaves. No entanto, o estaleiro não foi muito danificado e o fabricante de motores aeronáuticos não pôde ser visto por causa de fumaça produzida por geradores de fumaça, para encobrir a fábrica (uma estação de geração de fumaça chegou a ser atacada e destruída).

Aeronaves de Havilland Mosquito da RAF realizaram ataques diversionistas para manter a cidade em estado de alerta e cansando seus defensores; além disso as bombas de ação retardada do ataque noturno explodiram em intervalos. Bombeiros extras foram trazidos de outras cidades, incluindo Hannover, para combater as chamas em Hamburgo; como resultado, quando os bombardeiros americanos atacaram, esses bombeiros estavam em Hamburgo e os incêndios em Hannover queimaram sem controle.

Outro ataque da RAF em Hamburgo naquela noite foi cancelado devido aos problemas que a fumaça causaria, dificultando a visualização dos alvos e 700 bombardeiros que já estavam em voo para a Alemanha resolveram atacar o alvo secundário, a cidade de Essen. Os Mosquitos realizaram outro ataque diversionista.

Um terceiro ataque foi realizado na manhã do dia 26. O ataque noturno da RAF no dia 26 de julho às 00h20min foi extremamente leve por causa de fortes tempestades e ventos fortes sobre o Mar do Norte, durante os quais um número considerável de bombardeiros descartou a parte explosiva de suas cargas de bombas (retendo apenas as incendiárias) com apenas duas aeronaves atacando a cidade. Esse ataque geralmente não é contado quando é dado o número total de ataques da Operação Gomorra. Não houve ataques durante o dia no dia 27 de julho.

Na noite de 27 de julho, pouco antes da meia-noite, 787 aeronaves da RAF – 74 Vickers Wellington, 116 Short Stirlings, 244 Handley Page Halifax e 353 Avro Lancaster – bombardearam Hamburgo. O tempo excepcionalmente seco e quente da noite de verão, a concentração dos bombardeios em uma área e as limitações de combate a incêndios devido às bombas de grande sucesso usadas no início do ataque – e a retirada das armas de artilharia de Hanover para sua própria cidade – culminaram em uma terrível tempestade de fogo. Os vários incêndios se juntaram e criaram um enorme inferno com ventos de até 240 quilômetros por hora, atingindo temperaturas de 800ºC e altitudes acima de 300 metros, incinerando mais de 21 quilômetros quadrados da cidade. As ruas de asfalto explodiram em chamas e o óleo combustível de navios danificados e destruídos, barcaças e tanques de armazenamento se derramou na água dos canais e do porto, pegando fogo e matando várias pessoas que se jogaram nas águas tentando fugir dos incêndios em terra.

A maioria das mortes atribuídas à Operação Gomorra ocorreu nesta noite. Um grande número de pessoas morreu buscando segurança em abrigos e adegas de vinho, que explodiram. A tempestade consumiu todo o oxigênio na cidade, liberando o terrível e quente monóxido de carbono que queimou os pulmões de quem o respirava, com as chamas e o vento pulverizando tudo o que havia pela frente. Os furiosos ventos criados pela tempestade de fogo tinham o poder de varrer as pessoas das ruas como folhas secas, incinerando-as quando entravam no meio do furacão de chamas.

Na noite de 29 de julho, Hamburgo foi novamente atacada por mais de 700 aeronaves da RAF, continuando a devastação da cidade. Um ataque planejado para o dia 31 de julho foi cancelado devido a tempestades no Reino Unido, que impossibilitavam a decolagem das aeronaves. O último ataque da Operação Gomorra foi realizado no dia 3 de agosto.

A Operação Gomorra matou 42.600 pessoas, deixou mais de 37.000 feridos e fez com que um milhão de civis alemães fugissem da cidade. A força de trabalho da cidade foi reduzida em dez por cento. Aproximadamente 3 mil aeronaves foram empregadas, 9 mil toneladas de bombas foram lançadas e mais de 250 mil imóveis foram destruídos. Nenhum ataque abalou tanto a Alemanha; documentos capturados no pós-guerra mostram que as autoridades alemãs ficaram completamente chocadas e há indícios, através de relatos de autoridades nazistas interrogados pelos Aliados de que Hitler afirmou que novos ataques de peso semelhante aos de Hamburgo forçariam a Alemanha a sair da guerra. As perdas industriais foram severas: Hamburgo nunca mais recuperou sua plena produção industrial de antes dos ataques, apenas fazendo isso em indústrias essenciais de armamento (nas quais o esforço máximo foi feito, inclusive com trabalho escravo). Os dados fornecidos por fontes alemãs indicam que 183 grandes fábricas de 524 totais na cidade foram destruídas e 4.118 fábricas menores de 9.068 totais foram destruídas.

Os sistemas de transporte local foram completamente interrompidos e não voltaram ao normal por algum tempo. Hamburgo foi atingida por ataques aéreos outras 69 vezes antes do final da Segunda Guerra Mundial, mas em escala bem menor dos ataques do verão de 1943. No total, a RAF jogou 22.580 toneladas de bombas em Hamburgo.

Em janeiro de 1946, o major Cortez F. Enloe, cirurgião da USAAF que trabalhou na Pesquisa Estratégica de Bombardeio dos Estados Unidos (USSBS), disse que os efeitos do fogo da bomba atômica lançada sobre Nagasaki “não foram tão ruins quanto os efeitos dos ataques da RAF em Hamburgo em 27 de julho de 1943”. Ele estimou que mais de 40 mil pessoas morreram em Hamburgo.

Após o fim da guerra, Hamburgo foi reconstruída. Muitos dos mais de 42 mil mortos foram enterrados em túmulos coletivos, pois foi impossível a identificação devido a massiva carbonização dos restos mortais. Muitas casas e prédios em Hamburgo reconstruídos após a Segunda Guerra Mundial mostram uma placa comemorativa com a inscrição “Destruído 1943 – 19XX reconstruído” como um lembrete de sua destruição durante os ataques aéreos em julho de 1943.

*Professor de História no Estado do Ceará e da Prefeitura de Fortaleza, Historiador Militar, entusiasta da Aviação Civil e Militar, fotógrafo amador. Brasiliense de alma paulista, reside atualmente em Fortaleza-CE. Articulista com artigos publicados em vários sites sobre Defesa.

wpDiscuz