As chances do Gripen ao redor do planeta
E como isso poderá ser benéfico para o Brasil
Por Guilherme Poggio
(colaborou: Fernando “Nunão” De Martini)
Smith nasceu na Inglaterra, o que se percebe logo de primeira, pelo seu sotaque bem característico. Ele se juntou à companhia em 2002, quando a Saab e a British Aerospace (atual BAE System) possuíam uma joint venture (parceria) chamada “Gripen International” para vender o caça ao redor do globo. Seu trabalho atual é coordenar globalmente os esforços de venda do Gripen pelo mundo (um emprego invejável, eu diria). Neste esforço, Smith teve a chance de conhecer e participar do programa brasileiro F-X, extinto no início do ano de 2004, e que foi seguido pelo F-X2 alguns anos depois.
Primeiramente Smith nos deu uma rápida abordagem sobre os atuais usuários do Gripen em seus esquadrões de caça (versões C e D). Como os leitores do Poder Aéreo estão cansados de saber, eles são: Suécia, África do Sul, Tailândia, Hungria e República Tcheca. Nos três primeiros casos, as aeronaves foram compradas pelos países, enquanto tchecos e húngaros optaram por arrendar as suas, em contratos que foram renovados em anos recentes. Outro usuário é o Reino Unido, mas não em esquadrões de caça: sua escola de pilotos de provas, a ETPS (Empire Test Pilots’ School), arrenda regularmente caças Gripen D para voos na própria Suécia, com pagamento à Saab por horas de voo. E, finalmente, o Brasil acaba de se juntar ao grupo quando recebeu a primeira aeronave, o Gripen E que foi oficialmente apresentado na semana passada, e que inicia uma campanha de testes e homologações que se estenderão pelos próximos anos, antes de se juntar às futuras entregas para esquadrões de caça da FAB.
Possibilidades na Europa – Sobre possibilidades futuras a Saab participa com o Gripen, no momento, em três concorrências grandes na Europa: Finlândia, Áustria e Croácia.
A Finlândia, antiga usuária do Saab Draken, pretende adquirir nada menos do que 60 novos caças, o que coincide com o número de jatos Gripen E encomendados pela Força Aérea Sueca. A diferença, segundo Smith, é que dentro deste pacote a Saab estaria oferecendo um determinado número de aeronaves do modelo biposto (Gripen F), com capacidade de guerra eletrônica. Perguntado se neste pacote estariam também alguns casulos de guerra eletrônica (atualmente em desenvolvimento pela Saab) Smith foi evasivo: “Talvez sim, talvez não”.
A Áustria também já operou o caça Saab Draken e, há pouco mais de 10 anos, tornou-se operadora de um esquadrão de jatos Eurofighter Typhoon. Entre a baixa do Draken e o recebimento do Typhoon, o país arrendou da Suíça uma dúzia de aeronaves F-5. Com um jato de combate relativamente novo em operação, por que a Áustria estaria interessada num novo programa de caças? O fato é que o Typhoon revelou-se um avião e extremamente caro de manter para uma força aérea relativamente pequena como a austríaca. Vale mencionar que países vizinhos e com forças enxutas, como a República Tcheca e a Hungria, optaram pelo Gripen, de custos operacionais muito mais baixos. Outro problema da Áustria é que seus Typhoon são da versão inicial de produção, a Tranche 1 (o padrão atual já está no Tranche 3) que tem pouca capacidade de atualização e de modernização. Os dois fatores se somam para a decisão austríaca de substituir essas aeronaves.
Quanto à Croácia, atualmente operadora de caças MiG-21 que tiveram suas vidas úteis ampliadas, sua solicitação é muito semelhante às da República Tcheca e da Hungria. Porém o processo de seleção, contrastando com esses dois países que decidiram pelo Gripen de forma relativamente rápida, vem se arrastando há bastante tempo. Como é uma longa história, recomendamos a consulta às diversas matérias já publicadas, aqui no Poder Aéreo, sobre a concorrência croata. Basta digitar a palavra “Croácia” no campo de busca, no alto da página.
Ainda sobre concorrências na Europa, perguntei a Smith se, após a retirada do Gripen E do processo de escolha de caças da Suíça (ver matéria sobre este tema aqui) a Saab tinha alguma esperança de voltar ao país no futuro. É importante lembrar que, no processo de escolha realizado anos atrás, a Saab foi declarada vencedora, mas, em função de um referendo popular, a população suíça decidiu não empregar os recursos financeiros na compra de caças. Smith, que participou ativamente do processo suíço (tanto do antigo como do atual), chegou a dizer que a Saab “estava com as duas mãos no troféu”. No entanto, se a Saab voltará à concorrência ou não é algo que está fora do alcance da companhia. Para Smith a decisão de se retirar da concorrência suíça foi a mais acertada. Agora a disputa naquele país deverá seguir um processo político.
Ásia – As Filipinas buscam no mercado externo uma frota de até 15 aeronaves de caça. Desde a aposentadoria dos F-5, em 1995, sua força aérea ficou sem esse tipo de aeronave, e a necessidade de se reequipar com jatos de combate ficou patente após incidentes no Mar da China Meridional.
Outra disputa asiática, porém de potencial muito maior, é da Índia. O país possui uma considerável frota de caças antigos para substituir, especialmente MiG-21. A Índia chegou a realizar uma grande concorrência para comprar mais de 100 aeronaves, vencida pelo francês Rafale, e que incluía produção local. O problema é que, após vários anos de negociações infrutíferas, o programa original foi cancelado a aquisição do Rafale acabou restrita (até o momento) a 36 aviões, encomendados de “prateleira”. Ao mesmo tempo, o caça leve Tejas, desenvolvido e produzido localmente, tem um histórico de atrasos para entrada em operação. Assim, o foco indiano voltou-se a uma concorrência internacional privilegiando jatos monomotores, visando a compra de mais de uma centena de caças, incluindo produção local.
África – Botsuana tem demonstrado um grande interesse pelo Gripen, muito em função do que o país viu no seu vizinho, a África do Sul, operadora da aeronave. As conversas entre suecos e betchuanos vêm passando por idas e vindas ao longo de anos.
Eventualmente, muda-se o governo e as conversas esfriam. Em outros momentos ocorre uma aproximação maior. De qualquer forma, o Gripen continua sendo uma opção para Botsuana.
Sobre a versão do caça, Smith disse que a opção dos africanos, caso se materialize, seria pelo modelo C/D. Perguntei se estes poderiam ser caças de segunda mão atualmente em uso ou estocados pela Força Aérea Sueca. Smith foi enfático ao afirmar que eles querem caças novos de fábrica.
Américas – Tanto no Canadá como nos Estados Unidos, o Gripen está no páreo em duas disputas com objetivos diferentes. A concorrência canadense para 88 caças novos foi, recentemente, marcada pelas saídas da Dassault e do consórcio Eurofighter, e será decidida entre suecos (Gripen) e norte-americanos (F/A-18 Super Hornet e F-35). Ao contrário dos outros concorrentes europeus, os suecos pretendem permanecer na concorrência canadense até o fim.
Quanto aos Estados Unidos, a necessidade é de uma aeronave “agressora” que possa travar combates dissimilares com os seus caças de quinta geração (F-22 e F-35). Esta é uma concorrência interessante porque o cliente, neste caso, não gostaria de ter uma jato que operasse e que possuísse equipamentos exatamente iguais às aeronaves da OTAN. Em setembro de 2017 a Saab apresentou o seu Gripen “aggressor”, baseado na versão C.
Mais recentemente, a Colômbia abriu oficialmente um processo para a aquisição de 15 caças. Smith foi claro ao afirmar que os colombianos estão interessados na nova versão do Gripen (o modelo E). Mas não é só isso: eles querem o novo biposto também (Gripen F). O executivo da Saab disse que a proporção de aeronaves do tipo monoposto e biposto é informação classificada. Porém, uma fonte brasileira do Poder Aéreo informou que a Força Aérea Colombiana pretende adquirir quatro jatos da versão F.
Colômbia e Finlândia: oportunidades para o Brasil – Smith acredita que as chances do Gripen na Colômbia são grandes. O motivo é a relação que esse país andino possui com o Brasil e pelo fato da Força Aérea Brasileira ter escolhido o avião. Além disso, o esforço de venda dos suecos receberia um forte apoio brasileiro, uma vez que os modelos F que a Colômbia quer poderiam ser construídos no Brasil. Deve-se destacar que o mesmo vale para a concorrência finlandesa, cuja proposta inclui aeronaves de dois lugares.
Independentemente de aquisições da versão F, desenvolvida em conjunto por suecos e brasileiros, para o Brasil é muito importante que o Gripen seja escolhido por outras nações. Além de aumentar a frota de usuários, o que traz ganhos de escala e de logística, isso manteria as linhas de produção de diversos componentes abertas por mais tempo (o que pode incluir itens fornecidos por empresas brasileiras), assim como a própria linha de montagem principal do caça (em quantidade de aeronaves encomendadas), na Suécia.
E se o segundo lote brasileiro atrasar? A encomenda do Gripen por outros países seria um fator para mitigar, caso necessário, dificuldades que possam vir de uma postergação pelo Brasil, por algum tempo, da aquisição de um segundo lote do caça. Por um lado, postergar essa segunda encomenda brasileira seria ruim para a linha de montagem final do Gripen no Brasil, nas instalações da Embraer em Gavião Peixoto. Conforme o contrato atual, esta responderá pela montagem completa de pouco mais de 1/3 dos 36 jatos Gripen E/F já encomendados pelo país e, no caso de um segundo lote, logicamente sua ocupação seria muito ampliada. Eventuais encomendas de Gripen F pelos países mencionados poderiam ajudar nesse sentido.
Por outro lado, a indústria aeronáutica brasileira não está envolvida com o Gripen apenas em tarefas de desenvolvimento conjunto e montagem final, pois há componentes contratados aqui (por exemplo, partes da fuselagem e asas a cargo da Saab Aeronáutica Montagens e telas WAD pela AEL) Assim, conforme o caça seja adquirido por mais países, haveria oportunidades de contar com maior participação de componentes brasileiros numa cadeia de fornecimento ampliada.
O editor Guilherme Poggio viajou à Suécia a convite da Saab.