’41 Vermelho’: o AWACS expulso a tiros sobre o Mar do Japão
Por Sérgio Santana*
Às 09h01 da manhã do dia 23 (horário de Seul, 21h01m no horário de Brasília) a aeronave de alerta antecipado e controle aerotransportado Beriev A-50U “Mainstay-B”, com numeração de serviço “41 Vermelho”, operada pela Força Aeroespacial da Federação Russa penetrou na Zona de Identificação e Defesa Aérea da Coreia (KADIZ, Korean Air Defense and Identification Zone), na qual permaneceu por 8 minutos.
Este tempo foi suficiente para o acionamento de caças Boeing F-15K e Lockheed Martin F-16K, que seguindo os protocolos de interceptação lançaram oito cartuchos de flare e dispararam 80 projéteis de 20mm como advertência.
O “Vermelho 41” saiu do espaço aéreo sul-coreanos às 9h12m locais e deixou a KADIZ três minutos depois.
Às 9h33m locais a mesma aeronave voltou à KADIZ e novamente adentrou no espaço aéreo sul-coreano, no qual permaneceu por 4 minutos, provocando uma reação ainda mais forte da aviação de caça adversária: 10 cartuchos de flare e nada menos que 280 tiros de 20mm foram disparados, todos na tentativa de convencer a sua tripulação a mudar a direção daquele voo, embora o AEW&C russo só deixasse a KADIZ às 9h56m daquela manhã.
Uma vez concluído o seu estudo sobre as reações da defesa aérea sul-coreana, o “41 Vermelho” iniciou o seu caminho de volta para o seu local de origem, a 2457ª Base Aérea em Ivanovo, a nordeste de Moscou.
O episódio no Mar do Japão guarda claras semelhanças com o ocorrido no espaço aéreo de uma das Regiões de Informação de Voo da Venezuela no fim da semana passada, embora no caso das aeronaves sul-coreanas e russas as advertências tenham evoluído para disparos de canhão.
Mas ao contrário da crença comum, o EP-3E Aries II da Marinha norte-americana não é usado em missões anti-narcóticos (a Alfândega dos EUA opera as suas próprias versões do Orion adaptadas para este fim e estacionadas em bases bem mais próximas que a do Aries II) sendo empregado em missões altamente especializadas, planejadas e raras, como as voadas pelo “41 Vermelho”.
O A-50U em questão é a mais recente versão da aeronave Beriev A-50 (em essência um cargueiro Ilyushin Il-76 “Candid” modificado pela empresa Beriev para missões de alerta antecipado e controle), que voou pela primeira vez em dezembro de 1978, como um substituto do Tu-126 “Moss”, um modelo também projetado para operações de AEW&C, que reunia as asas e motores do bombardeiro Tu-95 “Bear” e a fuselagem do avião comercial Tu-114 “Cleat”, outro derivado do “Bear”.
Um primeiro A-50U (“47 Vermelho”) foi entregue à então Força Aérea Russa em outubro de 2011 para testes operacionais e a entrada oficial de serviço foi declarada em janeiro de 2012. Essa versão do versão do “Mainstay”, apresenta aviônicos digitais, computadores mais potentes para processamento de dados mais rápido, melhorias no radar e capacidade de rastreamento (especialmente no hemisfério traseiro), melhor comunicação e equipamentos de navegação, modernizado estações de trabalho com mostradores LCDs substituindo displays analógicos, e novas áreas de descanso da tripulação, que inclui uma galley e lavatório.
Com a introdução de equipamentos mais leves, aumentou-se também a capacidade de combustível, bem como a autonomia, que pode ser estendida por reabastecimento em voo.
O terceiro A-50U (“53 Vermelho “) foi devolvido à Força Aérea Russa em Taganrog em março de 2014.
Comparado ao A-50 padrão, o A-50U possui como sensor principal o novo radar tridimensional pulso-Doppler Vega Shmel-2. Atuando na frequência de 4GHz, o dispositivo possui alcance máximo de 400km, com varredura de 360 graus, sendo equipado com modo passivo para detectar fontes de contramedidas eletrônicas ECM sem vulnerabilidade induzida pela transmissão. Outros dos seus modos incluem Indicador Digital de Alvos Móveis, Indicador de Alvos Móveis Terrestres e Marítimo. O Shmel-2 pode detectar 150 alvos e controlar 15 interceptações simultâneas via link de dados.
O outro sensor do “Mainstay-B” (como a OTAN codificou o A-50U) é o Sistema de Direcionamento e Alerta Radar (RHAWS, Radar Homing And Warning System) S-3M “Sirena-2”, que é um sistema de alerta de radar de 360 graus projetado para alertar o piloto da iluminação de um radar hostil através de sinais visuais e de áudio. O Sirena-2 (um equipamento padrão em aeronaves de ataque Sukhoi Su-7/17/20/22 “Fitter” e alguns modelos do interceptador MiG-25 “Foxbat”) também fornece algumas informações direcionais sobre um possível ataque, atuando na faixa de frequência de 6,0 a 21,0 GHz, com intervalos no espectro entre 8,3-41,7 e 10,9-11,9 GHz, o que lhe permite detectar e gravar as emissões de uma ampla variedade de radares, incluindo os de defesa aérea, como é o caso da situação no espaço aéreo sul-coreano.
Em conjunto com o radar “Shmel-2” o “Sirena-2” a tripulação de missão do A-50U (composta por um coordenador tático, três oficiais de interceptação aérea, três técnicos de Inteligência Eletrônica e três técnicos de manutenção/comunicação) pode formar um quadro tático completo do adversário, já que os dispositivos registram tempo em que os interceptadores decolam e se aproximam, além da localização e a frequência dos radares empregados na coordenação da ação.
Enfim, tal como no caso da missão de inteligência executada pelo Lockheed EP-3E Aries II em uma das Zonas de Informação de Voo da Venezuela na semana passada e comentada pelo Poder Aéreo, o “41 Vermelho” transformou-se em uma outra isca que, necessariamente, precisava ser mordida pela defesa aérea sul-coreana.
*Bacharel em Ciências Aeronáuticas (Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL). Pesquisador do Núcleo de Estudos Sociedade, Segurança e Cidadania (NESC-UNISUL). Pós-graduando em Engenharia de Manutenção Aeronáutica (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/MG). Autor de livros sobre aeronaves de Inteligência/Vigilância/Reconhecimento. Único colaborador brasileiro regular da Shephard Media, referência em Inteligência de Defesa.