Sobre as possibilidades de emprego do míssil ar-ar Matra Super 530F apreendido na Itália
Sérgio Santana*
Conforme já noticiado pelo Poder Aéreo, um míssil ar-ar francês de médio alcance Matra Super 530F foi apreendido na Itália há alguns dias, como resultado de uma investigação sobre guerrilheiros italianos atuando na região ucraniana de Donbass, investigação essa que capturou imagens e diálogos acerca de um míssil francês a ser negociado com um país até agora não mencionado.
Foi revelado que o artefato em questão é um dos 40 exemplares de Super 530F20 adquiridos pela Força Aérea do Emirado do Catar, através de um acordo assinado em 10 de outubro de 1980, para armar seus 14 caças Dassault Mirage F-1EDA e que faz parte de um conjunto de armas vendido para a Espanha (incluindo os próprios Mirage F-1) em 1994. Por sua vez, o governo espanhol, que em 2013 retirou de serviço ativo aquelas aeronaves, explicou que extraiu a ogiva dos referidos mísseis e leiloou alguns dos seus exemplares para colecionadores.
Verificou-se que o míssil, encontrado ainda no seu estojo protetor contra choques e oscilações de pressão e temperatura, tem o número de série 5284 e pertence ao lote 83, destinado ao Catar. Também foi percebido que o míssil apreendido, embora seja um modelo ativo, não continha a sua ogiva, o que corrobora as afirmações espanholas.
Pois bem.
À primeira vista, as possibilidades de emprego de uma arma desse tipo parecem se limitar ao seu disparo por um Mirage F-1, já que dependem da energia emitida pelo radar monopulso Thomson-CSF Cyrano IV a bordo do caça contra um alvo e da sua reflexão neste para que siga uma trajetória que finalize com a neutralização do objetivo.
Contudo, ainda que a inexistência da posse do conjunto Mirage F-1/Cyrano IV por parte de um pretenso grupo terrorista sacrifique a precisão do míssil, é possível que o artefato seja utilizado como um foguete, contra, por exemplo, uma aeronave em procedimento de aterrissagem (lembremos aqui, que não por acaso, o Super 530F20 foi encontrado em um armazém próximo ao aeroporto de Voghera-Rivanazzano Terme).
Um ato desta natureza, depende apenas e tão somente que o sistema de propulsão da arma seja acionado. No caso específico, tal sistema é integrado por um motor SNPE Angèle movido a combustível sólido de dois estágios: um com duração de dois segundos, que acelera a arma, seguido de outro, com duração de quatro segundos para a sustentação do seu voo. Em conjunto, as mais de 36.000 libras de empuxo geradas (superiores a 16.000kg) permitem um tempo de voo de seis segundos, durante os quais o artefato que mede 3.54m e pesa 250kg, é acelerado a até ao máximo de Mach 4.6 (4.880km/h).
Mesmo que no exemplar do Super 530F20 apreendido a ogiva de 31 kg fabricada pela Thomson Brandt ativada por espoleta de proximidade eletromagnética esteja ausente, a energia de impacto de um corpo com aquele valores de massa e velocidade (mesmo considerando apenas a metade da velocidade máxima possível) por si só já seria suficiente para causar grandes danos a uma aeronave que se encontre em velocidade decrescente como quando em configuração de pouso e de maneira inescapável, visto que esta é uma ameaça que a tripulação de um voo civil não espera normalmente.
Ressalte-se que aqui não há nenhuma sugestão de emprego desta arma tal como encontrada, apenas a exploração das possibilidades de que isto possa acontecer.
*Bacharel em Ciências Aeronáuticas (Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL). Pesquisador do Núcleo de Estudos Sociedade, Segurança e Cidadania (NESC-UNISUL). Pós-graduando em Engenharia de Manutenção Aeronáutica (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/MG). Autor de livros sobre aeronaves de Inteligência/Vigilância/Reconhecimento. Único colaborador brasileiro regular da Shephard Media, referência em Inteligência de Defesa.