‘Skyking, Skyking, não responda’. Ou como o ataque de B-52 ao Irã foi abortado
Por Sérgio Santana*
A saída dos Estados Unidos do acordo nuclear com o Irã e algumas potências europeias têm causado, como já se viu outras vezes, uma escalada de tensões entres os envolvidos.
O mais recente destes movimentos foi o cancelamento repentino, por ordem do presidente norte-americano Donald Trump, de um ataque aéreo então a caminho de alguns alvos em território iraniano.
A missão, que seria uma resposta ao abate no Estreito de Hormuz de um veículo aéreo não-tripulado Northrop Grumman RQ-4 Global Hawk por parte de forças iranianas, seria executada por bombardeiros estratégicos Boeing B-52H Stratofortress operadas pelo 20º Esquadrão Expedicionário de Bombardeiros “Buccaneers”, quatro dos quais saíram da Base Aérea de Barksdale, no estado de Louisiana, durante o mês de maio para a Base Aérea de Al Udeid no Catar, bem como por caças F/A-18 dos quatro esquadrões de caça e ataque da Ala Aérea de Porta-Aviões 7 (Carrier Air Wing 7, CVW-7), embarcada no porta-aviões USS Abraham Lincoln (CVN 72): VFA-25 “Fist of the Fleet”; VFA-86 “Sidewinders”; VFA-103 “Jolly Rogers” e VFA-143 “Pukin’ Dogs”. Sob a proteção do seu grupo de batalha, o CVN-72 foi deslocado para a área de operações ao mesmo tempo dos B-52.
Ocorre que, de acordo com as próprias palavras do mandatário norte-americano, foi perguntado a um dos oficiais encarregados do ataque quantos cidadãos iranianos morreriam na missão, recebendo como resposta: “cerca de 150, senhor”; quantidade que o presidente Trump avaliou como desproporcional, ainda mais considerando que o ataque iraniano não eliminara vidas norte-americanas. A sua reação foi abortar o ataque, minutos antes que tivesse início.
Para que tal ordem surtisse efeito, o “POTUS” (President Of The United States, designação pela qual é frequentemente identificado pelo Serviço Secreto) lançou mão do “Sistema de Comunicações Globais de Alta Frequência”.
Também conhecido pelas iniciais HF-GCS (High Frequency Global Communications System) o sistema tem origem norte-americana, apesar de ser utilizado por outros países e atua emitindo vários tipos de mensagens nas frequências 4724.00 kHz, 6739.00 kHz, 8992.00 kHz, 11175.00 kHz, 13200.00 kHz, 15016.00 kHz e 6712.00 kHz (exclusiva da base aérea britânica RAF Croughton).
Para que exista uma cobertura eficaz o HF-GCS norte-americano conta com uma abrangente rede de estações sediadas em localidades estratégicas: Base Aérea de Andersen, na Ilha de Guam, no Oceano Pacífico; Base Aérea de Andrews, em Maryland, Estados Unidos; Ilha da Ascensão, no Oceano Atlântico; Base Aérea de Croughton, Reino Unido; Base Naval de Diego Garcia Naval, no Oceano Índico; Base Aérea de Elmendorf, no Alaska; Base Aérea de Hickam, no Havaí; Base Aeronaval de Keflavik, Islândia; Base Aérea de Lajes, no arquipélago dos Açores; McClellan, na Califórnia; Base Aérea de Offutt, em Nebraska; Salinas, em Puerto Rico; Base Naval de Sigonella, Itália; Base Aérea de Yokota, no Japão; Campo de Teste Leste da Força Aérea, na Flórida; e, por fim, no local que é conhecido simplesmente pela sigla “MPA”, cuja localização é desconhecida.
Nos Estados Unidos, o HF-GCS apoia as operações de combate e as necessidades operacionais da Agência de Comunicações da Casa Branca; dos Comandantes do Estado-Maior Conjunto; do Comando de Mobilidade Aérea; do Comando de Combate Aéreo; da Agência de Inteligência da Força Aérea; do Comando de Material da Força Aérea; do Comando Espacial da Força Aérea; das Forças Aéreas dos Estados Unidos na Europa e no Pacífico; e, finalmente, do Serviço Meteorológico.
Os tipos de mensagem do HF-GCS norte-americano
O HF-GCS nos Estados Unidos pode veicular mensagens destinadas a variados empregos: Mensagens de Ação de Emergência, que podem ser usadas, por exemplo, para dar início à sequência de disparo dos mísseis balísticos intercontinentais Boeing LGM-30 “Minuteman III”; Mensagens de Direção de Força, para fornecer diretivas de emprego a centros de comando e elementos de força para o controle de forças nucleares estratégicas e não-estratégicas; e, finalmente, as Mensagens Skyking.
Também conhecidas como “Transmissões Foxtrot”, são mensagens de prioridade mais alta e são enviadas em um formato diferente das Mensagens de Ação de Emergência. Devido ao seu status prioritário, não é incomum que mensagens “Skyking” interrompam uma Mensagem de Ação de Emergência em andamento. “Skyking” é o código-rádio coletivo para o envio de mensagens a todas as aeronaves e operadores de mísseis estratégicos do Plano Único de Operação Integrada (SIOP, projetado para destruir alvos estratégicos estrangeiros, do qual bombardeiros B-52H e Northrop Grumman B-2A Spirit fazem parte), que também são responsáveis pelo deslocamento operacional de bombardeiros estratégicos, aeronaves de reconhecimento e várias aeronaves de apoio.
Uma mensagem Skyking começa com o leitor falando “Skyking Skyking não responda”, seguido por uma palavra-código, depois dois números para o horário da hora e termina com uma sequência de autenticação de duas letras. A mensagem é então repetida. Há uma palavra-código para cada situação, incluído para a decisão de abortar a missão. Quando uma mensagem Skyking é enviada, o (s) avião (s) receptor (es) transmitem utilizando o código-rádio coletivo “Skybird” – confirmando que recebeu a mensagem Skyking e a reconheceu.
Desta forma, a força de ataque teve abortada (por ora) a sua missão em direção ao Irã.
*Bacharel em Ciências Aeronáuticas (Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL). Pesquisador do Núcleo de Estudos Sociedade, Segurança e Cidadania (NESC-UNISUL). Pós-graduando em Engenharia de Manutenção Aeronáutica (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/MG). Autor de livros sobre aeronaves de Inteligência/Vigilância/Reconhecimento. Único colaborador brasileiro regular da Shephard Media, referência em Inteligência de Defesa.