Tupolev Tu-160

Por Sérgio Santana

Há alguns dias foi divulgado que uma operação digna das melhores tramas de espionagem acabou por revelar os segredos tecnológicos incorporados à última versão do bombardeiro estratégico “Blackjack”, a Tupolev Tu-160M, que voou no final de janeiro de 2018.

Era necessário conhecer os detalhes da modernização da aeronave que nos anos mais recentes tem protagonizado voos de treinamento a longa distância, frequentemente desafiando várias forças aéreas da OTAN ao mesmo tempo, além de mobilizar unidades de Lockheed Martin F-22A “Raptor” baseadas no Alasca em alertas de defesa aérea.

Os principais organismos de espionagem do Ocidente, como a Agência Central de Inteligência norte-americana, CIA, e o serviço de Inteligência exterior britânico, o não menos famoso MI6, órgão de origem do mais famoso agente de espionagem fictício de todos os tempos, James Bond, estabeleceram uma operação conjunta, que também envolveu fontes russas diretamente relacionadas à aeronave.

Embora ainda não tenham sido divulgados detalhes acerca das suas identidades é sabido que elas coletaram dados sobre as novas capacidades do Tu-160M e os anotaram em papéis, o que leva a crer que sejam técnicos das diversas fábricas envolvidas no projeto e fabricação dos novos componentes. Mas ainda persistia o problema de como retirar o material para fora da Rússia sem provocar desconfiança ou retaliações, a exemplo de agentes mortos misteriosamente.

A resposta veio na viagem de dois bombardeiros “Blackjack” em dezembro de 2018 para a Venezuela, em meio às tensões entre Estados Unidos e Rússia na disputa pela hegemonia do país latino-americano, detalhada aqui pelo Poder Aéreo. E na forma de uma caixa contendo 125 envelopes do chá “Tsarska Korona”, muito popular no país a ponto de ser saboreado pelas tripulações da VKS russa em voos de longa distância, caso a aeronave em questão seja equipada para tal, como o Tu-160, que possui dispositivos para preparo de refeições. Os papéis com as informações foram escondidos dentro da embalagem de chá destinada a um dos bombardeiros, o que faz supor que militares também estejam envolvidos na trama, já que preparam as aeronaves para as missões.

O fato é que uma hora após terem chegado à Venezuela (depois de um voo com duração superior a 13 horas, no qual provocaram as defesa aéreas da OTAN) as aeronaves tiveram seus depósitos de resíduos esvaziados e a caixa de chá, ainda contendo alguns pacotes,  foi recuperada por um agente (cuja identidade também não foi revelada ainda) e levada para um oficial de inteligência da CIA então hospedado num hotel em Caracas.

Bombardeiro Tu-160 na Venezuela

Os dados foram compartilhados com países da aliança ocidental, prejudicando em grande parte um esforço de modernização com custos superiores a 100 bilhões de rublos, que inclui novas versões dos motores  Kuznetosov NK-32 e novos dispositivos como a incorporação do radar Novella NVI.70 (no lugar do Obzor-K); o sistema de navegação K-042KM (que abrange o navegador inercial BINS-SP-1, o dispositivo de navegação astronômica ANS-2009M e um computador de navegação); o radar de navegação DISS-021-70, o receptor de navegação por satélite A737DP, o piloto automático ABSU-200MT e a suíte de comunicação S-505-70; novo sistema de displays digitais e o pod Raduga APK-9E Tekon para uso com as bombas UPAB-1500.

Por fim, é digno de nota constatar que mesmo no século XXI as relações internacionais ainda testemunhem ações típicas dos tempos mais quentes da Guerra Fria, trazendo de volta o legado de mestres da espionagem como o engenheiro eletrônico Adolf Georgievich Tolkachev (1927-1986), um dos projetistas-chefe do Instituto de Pesquisa de Engenharia de Rádio, mais tarde conhecido como “Fazotron”.

Desiludido com a repressão soviética aos seus familiares, em janeiro de 1977, Tolkachev aproxima-se de altos funcionários do governo norte-americano em um posto de combustível em Moscou, reservado à diplomacia estrangeira, e depois de perguntar a um dos motoristas em espera se ele era americano, discretamente lança um bilhete para dentro do carro, dando início então ao que é considerada uma das mais abrangentes, benéficas ou danosas (para os soviéticos) operações de repasse de documentos secretos de todos os tempos.

Tolkachev, sob o codinome “CKSPHERE”, entregou absolutamente todos os detalhes técnicos dos sistemas de armas e aviônicos de missão de todas as aeronaves projetados pela empresa em que trabalhava, passando à história das ações de Inteligência como o “espião de um bilhão de dólares”, estimativa da quantia que seus documentos permitiram ser economizada em investimentos militares ocidentais.


*Bacharel em Ciências Aeronáuticas (Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL). Pesquisador do Núcleo de Estudos Sociedade, Segurança e Cidadania (UNISUL). Pós-graduando em Engenharia de Manutenção Aeronáutica (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/MG). Autor de livros sobre aeronaves de Inteligência/Vigilância/Reconhecimento. Único colaborador brasileiro regular das publicações Air Forces Monthly, Combat Aircraft e Aviation News.

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