Por Sérgio Santana*

Em maio de 1981, com a Guerra Fria entre Estados Unidos e a União Soviética (URSS) tendo entrado na sua última fase, que culminaria com a queda do Muro de Berlim em 1989 e o esfacelamento do império soviético dois anos depois, a liderança político-militar da URSS decidiu implementar a “Operatsiya RYaN”, ou “Operação RYaN”, sigla russa que significava “Raketno Yadernoe Napadenie” ou ataque de míssil nuclear.

Era a materialização da paranoia típica do período, neste caso específico unicamente baseada na retórica marcadamente anti-soviética do presidente Ronald Reagan, que assumira em janeiro daquele ano, levando a que a liderança soviética pensasse que um ataque nuclear estaria sendo preparado, mesmo sem indicações a respeito, fossem norte-americanas ou mesmo da OTAN.

A “Operação RYaN” consistia não apenas no aumento do nível de prontidão dos oficiais de inteligência estacionados nas embaixadas das potências ocidentais (a fim de que detectassem movimentações repentinas em hospitais e supermercados) mas também no acréscimo da quantidade desses profissionais, com mais algumas centenas deles tendo sido requisitados.

Contudo, como sabemos, o ataque nuclear da OTAN não aconteceu, esvaziando o sentido em manter uma estrutura que custava demais a um império que começava a ruir e a “Operatsiya RYaN” foi encerrada em abril de 1989.

Entretanto, trinta anos depois, agora em maio de 2019, o Diretor do Departamento para Não-Proliferação e Controle de Armas do Ministério da Defesa da Federação Russa, Vladimir Ermakov, em entrevista à agência de notícias RIA-Novosti, diz que o simples posicionamento de armas nucleares norte-americanas na Europa evidencia o caráter provocativo deste movimento e a intenção de serem usadas em um eventual conflito em solo europeu.

Obviamente, há um certo exagero nesta afirmativa.

Primeiro porque os equipamentos atualmente disponíveis às operações de espionagem estão muito mais avançados em comparação com os recursos utilizados nas movimentações que fizeram parte da “Operatsiya RYaN”.

Os preparativos para um ataque nuclear poderiam ser detectados muito mais facilmente hoje que em 1981, seja por meio de satélites (que hoje existem em maior número, incluindo os comerciais), aumento no tráfego de comunicações (incluindo as redes de aficionados) e mesmo através da “Humint”, a inteligência humana, com agentes de campo infiltrados em bases e círculos governamentais. E é bem provável que as declarações do diretor russo simbolizem que uma versão 2019 da “Operação RYaN” esteja em andamento.

Outra característica atual é que as ameaças aos objetivos russos naquele continente se limitam, ao contrário do que a liderança soviética buscava detectar (um ataque de mísseis nucleares baseados em solo europeu, o tipo de sistema de arma atualmente inexistente nos arsenais da OTAN), ao emprego de bombas nucleares táticas, que exigem a exposição da aeronave que as carrega à defesa antiaérea russa, conforme o Poder Aéreo descreveu aqui.

E, por fim, não é demais lembrar que muito provavelmente ao primeiro sinal da escalada de um estado de tensão que possa resultar no emprego das bombas nucleares da OTAN na Europa, o adversário russo tenderia a neutralizar as bases onde estão tais artefatos com mísseis de cruzeiro supersônicos, que hoje existem em maior variedade e letalidade que em 1981.


*Bacharel em Ciências Aeronáuticas (Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL), pesquisador do Núcleo de Estudos Sociedade, Segurança e Cidadania (NESC-UNISUL) e pós-graduando em Engenharia de Manutenção Aeronáutica (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/MG). Único colaborador brasileiro regular das publicações Air Forces Monthly, Combat Aircraft e Aviation News.

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