Por Sérgio Santana*

Enquanto grande parte do mundo comemorava o Dia Internacional do Trabalho, a aeronave Bombardier Global Express prefixo TC-TSR operada pela empresa turca MNG Jet, baseada em Istambul, decolava do Aeroporto Internacional de Punta Cana, na República Dominicana, tendo a bordo apenas a sua tripulação, muito provavelmente de volta para a sua base.

Era a perna final de uma longa viagem que se iniciara às 12h41min do dia anterior, quando a aeronave decolou do Aeroporto Internacional de Vnukovo, em Moscou, capital da Federação Russa, com destino ao Aeroporto Internacional Simón Bolívar, em Caracas, Venezuela, onde chegou às 20h03min do mesmo dia 30 após um voo de 14h22min que atravessou a Linha Internacional da Data.

Entretanto, o TC-TSR permaneceu muito pouco tempo em solo venezuelano, de lá partindo às 21h12min com destino ao já mencionado Aeroporto Internacional de Punta Cana, onde chegou às 22h31min ainda do dia 30.

“O expresso da fuga que não aconteceu”

Empresas de voos charter não costumam empregar suas aeronaves em longas rotas apenas para que suas tripulações desfrutem brevemente de paraísos tropicais. E a ida do TC-TSR para Caracas e Punta Cana também não foi o caso.

A MNG Jet, embora sendo uma empresa privada de serviços aeronáuticos que incluem fretamento e manutenção de aeronaves, está sediada na Turquia, um dos países que apoiam o regime de Nicolás Maduro. Também não é a primeira vez que uma aeronave civil de uma nação apoiadora de Maduro chega à Venezuela em um voo de motivações suspeitas, como foi o caso do Boeing 777-200ER da empresa russa Nordwind mencionado aqui.

A curta permanência do Global Express turco na Venezuela reforça a veracidade das informações veiculadas por autoridades norte-americanas de que havia uma aeronave pronta para que Nicolás Maduro fugisse do país mas que foi persuadido a não fazê-lo, talvez por insistência do governo russo, que deslocou mercenários da companhia Wagner para o país há algum tempo, movimento também noticiado pelo Poder Aéreo aqui. O TC-TSR foi momentaneamente deslocado para Punta Cana na possibilidade de que o ditador venezuelano mudasse de planos.

E tal como ocorreu com o voo do Boeing, a sua ida para um provável exílio a bordo de uma aeronave civil com bandeira de outro país (ainda mais a Turquia, com quem o governo norte-americano tem tido sérias desavenças nos últimos tempos), dificultaria sobremaneira qualquer tentativa de apreendê-lo, com consequências imprevisíveis.

Caso Maduro resolvesse se exilar do país em uma saída negociada, sairia da Venezuela em grande estilo: na configuração adotada pela MNG Jets, o Global Express acomoda até 13 passageiros e dispõe de uma galley completa, incluindo uma pequena adega. A aeronave pode alcançar velocidade máxima de 934km/h e tem alcance de até 11.100km em uma altitude superior a 15.000 metros.

Contudo, Maduro resolveu ainda permanecer no comando da Venezuela e o voo do Global Express TC-TSR terminou por se converter no “expresso da fuga que não aconteceu”.


*Bacharel em Ciências Aeronáuticas (Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL), pesquisador do Núcleo de Estudos Sociedade, Segurança e Cidadania (NESC-UNISUL) e pós-graduando em Engenharia de Manutenção Aeronáutica (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/MG). Único colaborador brasileiro regular das publicações Air Forces Monthly, Combat Aircraft e Aviation News.

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