Malvinas 37 anos – Interceptadores soviéticos Tu-128 ‘Fiddler’ quase assumiram a defesa aérea argentina
Sérgio Santana*
Conforme mencionado recentemente no Poder Naval na sua campanha contra o Reino Unido pela posse das Ilhas Malvinas/Falklands a Argentina recebeu ajuda militar da então União Soviética na forma de dados de posicionamento da frota naval inimiga gerados por satélites e por aeronaves de reconhecimento naval de longo alcance.
Entretanto, conforme as hostilidades progrediam, a junta militar portenha comandada pelo General Leopoldo Galtieri (1926-2003) também recebeu por parte do governo soviético então liderada pelo Secretário Geral do Partido Comunista da União Soviética Yuri Andropov (1914-1984) uma oferta de defesa mais incisiva, na forma de nada mais nada menos que caças interceptadores que seriam baseados no continente argentino, a partir de onde se pretendia que decolassem em alertas de defesa aérea ou em patrulhas contra os caças British Aerospace Harrier GR.3 da Força Aérea Real e Sea Harrier FRS.1 da Arma Aérea da Frota, a aviação aeronaval do Reino Unido, bem como neutralizar os bombardeiros Avro Vulcan B.Mk2 em missões “Black Buck” de supressão da defesa aérea argentina.
De acordo com informações obtidas através de contatos deste autor com ex-pilotos da IA-PVO (a Aviação de Caça da Força de Defesa Aérea da Força Aérea soviética, subdivisão que deixou de existir em 1998), dentre as opções avaliadas estavam os modelos Mikoyan Gurevich MiG-21 “Fishbed”, MiG-23 “Flogger”, MiG-25 “Foxbat” e Tupolev Tu-128 “Fiddler”.
Como transportar as aeronaves da União Soviética até a Argentina?
Embora variassem de aeronaves de defesa aérea de ponto (como no caso do MiG-21) a aeronaves de defesa aérea de longo alcance (como o Tu-128) os modelos considerados apresentavam uma característica comum: não eram equipados com receptáculos de reabastecimento em voo, o que impedia um traslado sem escalas da União Soviética até a Argentina. Mesmo um voo com várias paradas técnicas seria impraticável dado o considerável número de aeronaves envolvidas (pelo menos um esquadrão, 12 aeronaves), o tempo necessário e a visibilidade que a operação despertaria, ainda mais num tempo de guerra. O mesmo raciocínio valia para caso a opção de traslado do reforço recaísse em voos de aeronaves de transporte pesado Antonov An-22 “Cock”, então o avião com maior capacidade de carga útil a serviço da VTA, o braço de transporte da Força Aérea da União Soviética.
Assim, decidiu-se que o melhor meio de transporte seria um navio cargueiro de bandeira soviética, no qual seriam embarcadas as aeronaves parcialmente desmontadas, junto com todo o material (incluindo vários radares e o sistema de controle interceptação “Vozdukh-1M”) e pessoal necessários ao seu emprego.
Entretanto, a ausência da capacidade de reabastecimento em voo dos modelos considerados e o reduzido tempo na área de operações dos MiG-21/-23/-25 (mesmo com tanques alijáveis de combustível, como no caso dos “Fishbed” e “Flogger”), fazendo-os cair nas mesmas limitações dos Dassault Mirage e IAI Nesher operados pela Força Aérea Argentina, fez com que a opção se reduzisse ao Tupolev Tu-128 “Fiddler”, que mesmo incapaz de receber combustível a partir de outra aeronave possuía alcance e autonomia de voo superiores aos dos demais interceptadores considerados.
Então cogitou-se de transportar para a Argentina os interceptadores de longo alcance Tupolev Tu-128 “Fiddler”, no que seria a primeira operação daquela aeronave fora das fronteiras soviéticas, embora pilotos soviéticos de caça já tivessem atuado em outros países durante conflitos anteriores, como nas guerras da Coréia e Vietnã.
O fim da pretensão soviética de fortalecer a defesa aérea argentina
Contudo, análises mais aprofundadas acabaram por desestimular o envio dos “Fiddler” para a Argentina: a largura das pistas das bases aéreas argentinas, por exemplo, não permitia a operação da escada de acesso da tripulação ao Tu-128; outro fator complicador foi a constatação de que mesmo após ter a sua seção posterior removida o “Fiddler” não poderia ser acomodado no compartimento de carga do navio.
Além disso, é inegável que ao contrário do apoio discreto que vinha sendo prestado até então, a atuação direta de forças soviéticas poderia resultar na entrada das forças norte-americanas e mesmo da OTAN no teatro de operações, fazendo com que o conflito escalasse para proporções globais e muito provavelmente envolvesse o emprego de armas nucleares (na figura de bombas WE-177, que aliás haviam sido transportadas para a zona de operações a bordo do porta-aviões HMS Invincible para uso pelos Sea Harrier GR.3, como demonstrado em documentação recentemente revelada).
Assim, a intenção soviética de reforçar a capacidade de defesa aérea argentina com os Tu-128 “Fiddler” não se concretizou e a aviação militar do país sofreu sérias perdas em um conflito deflagrado de modo precipitado, embora atualmente se tenha como certo (inclusive por autorizadas fontes do Reino Unido) de que a Argentina esteve muito perto de sair-se vitoriosa dele.
*Bacharel em Ciências Aeronáuticas (Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL). Pesquisador do Núcleo de Estudos Sociedade, Segurança e Cidadania (NESC-UNISUL). Pós-graduando em Engenharia de Manutenção Aeronáutica (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/MG). Autor de livros sobre aeronaves de Inteligência/Vigilância/Reconhecimento. Único colaborador brasileiro regular da Shephard Media, referência em Inteligência de Defesa.