O duplo sentido do voo humanitário da China para a Venezuela
Sérgio Santana*
Quando, após um voo de pouco mais de 21 horas proveniente da China, com escala na Espanha, o Boeing 747- 400 BDSF (um dos cinco modelos do seu tipo operados pela companhia chinesa Yangtze River Airlines, uma associada da Suparna Airlines para o transporte de carga aérea, as duas companhias integrando o grupo HNA, Hainan Airlines) matrículas B-2435 aterrissou no começo da tarde do último dia 29 de março no Aeroporto Internacional Simón Bolívar no Estado venezuelano de Maiquetia, continha uma carga e pelo menos dois significados.
Foi divulgado que aquele voo trouxe 75 toneladas de produtos médicos diversos para a rede hospitalar venezuelana. Assim como também foi divulgada uma imagem na qual aparecem oficiais chineses com uniformes das três forças armadas daquele país ao lado de um oficial venezuelano.
Há que lembre da recusa, tempos atrás, do governo de Nicolás Maduro em receber ajuda do mesmo tipo, também envolvendo militares de outros países. Mas esta doação do governo chinês traz uma mensagem não tão subliminar: em caso de necessidade, militares chineses podem chegar à Venezuela em voos civis, assim como ocorreu com a chegada de seus pares russos, comentada aqui. Afinal, antes que a tensão escale para um conflito aberto e seja declarada uma possível zona de exclusão aérea (sem que lembremos as dificuldades para tal) qual a desculpa a ser usada para que uma aeronave comercial seja interceptada e abatida?
Assim, o voo humanitário oriundo da China prova que é possível o transporte não apenas de soldados, mas também, caso a necessidade surja, de armamento, que pode ser acondicionado em até, na hipótese de o B747-400 BDSF (uma conversão realizada pela empresa israelense Bedek) ser utilizado, em 34 containers por voos que, a depender do peso transportado, podem transpor distâncias superiores a 14.000km.
Portanto, o que estamos testemunhando é a movimentação típica dos momentos mais quentes da Guerra Fria, quando lados antagônicos demonstravam do que eram capazes para defender seus interesses.
E o que pode ser mais interessante, tanto para os Estados Unidos quanto para os parceiros China/Rússia, que o acesso às maiores reservas de petróleo, muitas das quais ainda não foram suficientemente exploradas?
*Bacharel em Ciências Aeronáuticas (Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL). Pesquisador do Núcleo de Estudos Sociedade, Segurança e Cidadania (NESC-UNISUL). Pós-graduando em Engenharia de Manutenção Aeronáutica (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/MG). Autor de livros sobre aeronaves de Inteligência/Vigilância/Reconhecimento. Único colaborador brasileiro regular da Shephard Media, referência em Inteligência de Defesa.