E-7A Wedgetail da Real Força Aérea Australiana (RAAF)

 Por Sérgio Santana*

Recentemente, como noticiado aqui, a Força Aérea Real do Reino Unido (RAF) anunciou oficialmente que havia selecionado o Boeing E-737 como a sua nova plataforma de alerta antecipado e controle aerotransportado para substituir a frota de sete Boeing E-3D Sentry, que iniciaram o serviço ativo na década de 1990.

O que se segue é a tradução do texto que escrevi sobre a aeronave, publicado na edição de fevereiro deste ano da revista Combat Aircraft Monthly, adaptado com informações que não constam no mesmo.

As origens do E-737

A trajetória do futuro vetor de AEW&C da RAF está intimamente conectada à Real Força Aérea da Austrália (RAAF). Foi a RAAF quem identificou ainda na década de 1970 a necessidade de contar com uma aeronave para aquela função, tendo cogitado vários tipos, como o Grumman E-2 Hawkeye.

Contudo, a intenção só evoluiu em 1994, quando foi lançado o Projeto AIR 5077 Wedgetail (nome da maior espécie de ave de rapina da Austrália). O estudo de definição do projeto durou dois anos durante os quais uma extensa lista de requisitos foi colocada.

O Projeto AIR 5077 foi oficialmente aprovado em dezembro de 1997 e no mês seguinte o contrato inicial de atividade de projeto foi concedido a três licitantes: Boeing / Northrop Grumman, oferecendo o Boeing Business Jet (BBJ) equipado com o radar MESA (Multirole Electronic Scan Array); Lockheed Martin e Northrop Grumman propondo um Hercules C-130J-30 equipado com uma evolução do radar AN/APS-145 e o consórcio Raytheon / Elta/Airbus, que ofereceu o radar Elta EL/M-2075 montado no Airbus A310. A primeira opção foi declarada como a preferencial em julho de 1999.

O protótipo Boeing AEW&C (ainda não denominado E-7A ou Wedgetail), com o registro civil N378BC decolou pela primeira vez em 20 de maio de 2004. Em termos estruturais trata-se de uma versão do BBJ (que combina a fuselagem do B737-700 com asas reforçadas e trem de pouso do B737-800) com tanques de combustível adicionais no compartimento de bagagem.

Inicialmente, previa-se que os sete exemplares do Wedgetail seriam comprados e entregues entre 2005 e 2008. No entanto, o custo do projeto forçou a RAAF a reduzir seu planejamento para seis aeronaves. O primeiro E-7A foi aceito no serviço da RAAF em 5 de maio de 2010 com o Esquadrão Nº 2 na RAAFB Williamtown. O sexto exemplar foi entregue em 2 de maio de 2012.

Os sensores e a performance do E-737

O principal sensor do E-7A Wedgetail é o radar Northrop Grumman MESA (Multirole Electronic Scan Array, Arranjo de Varredura Eletrônica Multifuncional), revelado em 1988, e projetado para ser leve e minimizar o impacto na estrutura da aeronave.

A antena tem três aberturas: duas unidas pelas suas partes traseiras, que fornecem 120 graus de cobertura em azimute para cada lado da aeronave, e outra que proporciona 60 graus de cobertura à frente e à ré da aeronave, totalizando 360 graus de cobertura. Cada uma das aberturas incorpora capacidade IFF com 555km de alcance, que pode ser usada quando o radar está inativo. Isso significa que a abertura superior pode funcionar como um sensor IFF enquanto as laterais estão atuando como um radar energia e vice-versa.

O MESA pode estar operacionalmente pronto minutos após a decolagem, começando em 1.524 metros e com operação de potência total a 3.048 metros. Ele oferece vigilância em uma área superior a 880.000 quilômetros quadrados, à razão de mais de 77.000 quilômetros quadrados por segundo para uma varredura típica de 10 segundos.

Seus modos operacionais são Spot, Repetição de Pulso de Alta Freqüência, Repetição de Pulso de Baixa Freqüência (modo marítimo), Cobertura Uniforme, Setor de Estabilização no Solo, Setor Estabilizado na Plataforma e Revisitação de Alvos. O MESA é capaz de intercalar modos durante uma única varredura, detectando alvos aéreos e marítimos simultaneamente dentro do alcance de 217 milhas (350 km), que é duplicado quando o modo de Setor Dedicado está ativado. O MESA é capaz de detectar 3.000 alvos, rastrear simultaneamente 180 deles e gerenciar 24 interceptações aéreas.

Wedgetail AEW&C

Outros sensores incluem 4 equipamentos MAWS (Missile Approach Warning System) Northrop Grumman AN/AAR-54, três sistemas de medidas de apoio eletrônico BAE Austrália/Elta Systems ALR-2001, o sistema de contramedidas Northrop Grumman AN / AAQ-24 (V) Nemesis, dispensadores de despistadores AN/ALE-47 e alertas laser Elisra LWS-20.

O sistema de comunicação é composto por 10 rádios VHF/UHF Rockwell Collins AN/ARC-210 e 3 rádios HF AN/ARC-220 do mesmo fabricante. A aeronave está equipada com sistemas de enlace de dados padrões Link 11 e Link 16, permitindo a operação em rede com as diversas aeronaves aliadas dentro do campo de batalha.

Entrando-se na aeronave, a partir do cockpit, há seis displays de voo de tela plana e uma suíte de navegação Rockwell Collins Series 90, além de um monitor tático de 6.25 polegadas para os dois pilotos. No compartimento de missão, há um lavatório à esquerda, seguido de dez estações de trabalho (cada uma com um monitor de 21 polegadas), seis à esquerda e quatro à direita, com o comandante de missão sentando-se perto do cockpit. Na sequência há mais gabinetes de equipamentos, uma galley, área de descanso da tripulação com oito assentos e mais gabinetes de equipamentos.

Os dois turbofans CFM56-7B27A possibilitam que o Wedgetail tenha uma velocidade máxima de 870km/h e velocidade de cruzeiro de 760km/h, teto de serviço de 12.496m e alcance de 6.482km, que pode ser estendido com reabastecimento em voo. O batismo de fogo do E-7A aconteceu em 2014 na “Operação Okra”, a contribuição australiana na luta contra o Estado Islâmico.

Em janeiro de 2015, um dos Wedgetail da RAAF permaneceu na zona de combate por 16 horas e 18 minutos, com duas sessões de reabastecimento a partir de uma aeronave KC-30A, no que se tornou a mais demorada missão de comando e controle realizada por aquela força aérea.

O Wedgetail para a RAF

A aquisição do Wedgetail para a RAF permitirá que a força não somente recupere a sua capacidade de alerta antecipado e comando/controle aerotransportados, hoje grandemente prejudicada pela baixíssima disponibilidade dos sete Boeing E-3D (ironicamente batizados com o equivalente em inglês dos nomes dos “Sete Anões” do conto infantil da Branca de Neve.

Dos sete, apenas um ou dois estão operacionais, depois de afetados por decisões políticas equivocadas e incidentes em rotinas de manutenção), mas até mesmo a supere, visto que o futuro vetor é bem mais avançado que o anterior, seja na capacidade de detecção de alvos (3.000 contra 600, embora seja inferior na capacidade de vetorar aeronaves, com o E-3D podendo gerenciar até 60 interceptações) ou por ser um sistema de varredura eletrônica ativa.

O radar Westinghouse AN/APY-2 do E-3D possui varredura eletrônica apenas em elevação, não em azimute, o que resulta na incapacidade de acompanhar lateralmente alvos rápidos, além de ser virtualmente cego para objetos se deslocando exatamente abaixo dele, uma área que aumenta com a altitude).

Outros fatores a favor do Wedgetail são a miniaturização dos seus sistemas, que possibilitam redução das tripulações e a capacidade de autodefesa ativa, inexistente no Sentry.

O Wedgetail, sobretudo, é de operação bem mais econômica que o E-3D, que já apresenta dificuldades de ser mantido em alguns sistemas, não mais fabricados, mas que foram substituídos em outras frotas similares por meio de custosos programas de atualização, a exemplo do que acontece com os E-3 da USAF e da OTAN.

A RAF será a terceira operadora do Wedgetail, junto com a Turquia e Coréia do Sul, e como ocorreu nas forças aéreas destes países, os seus exemplares desta aeronave incorporarão modificações nos equipamentos de missão a serem instaladas por empresas locais, tal como já foi anunciado.


*Bacharel em Ciências Aeronáuticas (Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL), pesquisador do Núcleo de Estudos Sociedade, Segurança e Cidadania (NESC-UNISUL) e pós-graduando em Engenharia de Manutenção Aeronáutica (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/MG). Único colaborador brasileiro regular das publicações Air Forces Monthly, Combat Aircraft e Aviation News.

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