IAI Kfir biposto da Colômbia

IAI Kfir TC-12 biposto da Colômbia

Sérgio Santana*

Desde o agravamento da atual crise envolvendo Venezuela e Colômbia (e mesmo o Brasil), as aeronaves do país governado por Nicolás Maduro tem sido o foco de diversas matérias em websites especializados em Defesa. Mas quanto aos seus rivais diretos, os Israel Aerospace Industries Kfir, pouco ou nada tem sido escrito acerca da origem do seu emprego, armamento/equipamento e atualizações na Força Aérea Colombiana. O texto a seguir é uma versão levemente modificada do artigo que publiquei na edição de janeiro de 2019 da revista britânica “Aviation News”.

A origem do interesse colombiano pelo IAI Kfir

Uma compra planejada do IAI Kfir no início dos anos 1980 foi bloqueada por disputa geopolítica e o resultado das eleições presidenciais norte-americanas.  Jimmy Carter perdeu a votação de novembro de 1980 para Ronald Reagan, que vetou a transação logo após sua posse porque o jato usava o motor General Electric J79 e outros equipamentos, sob uma licença dos EUA.

Nos últimos dias de sua campanha para a reeleição, Carter tinha dado a luz verde a Israel pela venda de Kfirs para a Colômbia e a Venezuela. No entanto, não muito tempo depois, Reagan mudou de decisão e a aeronave israelense foi liberada para a América do Sul.

Em maio de 1981 foi anunciado que 12 Kfir C2s seriam vendidos ao Equador, que havia lutado brevemente com o Peru em uma disputa de fronteira entre janeiro e fevereiro daquele ano.

O governo israelense ofereceu aeronaves, pilotos e forças especiais para reforçar os contingentes equatorianos durante os combates contra os seus rivais peruanos.

A administração Reagan havia liberado o Kfir para exportação como um  modo de aliviar a tensão com Israel por causa do “Peace Sun”, um programa de várias fases para fornecer à Real Força Aérea Saudita o McDonnell Douglas (agora Boeing) F-15C/D em 1981.

Na Colômbia, a sua Força Aérea foi forçada a continuar contando com 14 caças monoplaces Dassault Mirage 5COA, dois treinadores Mirage 5COD e dois Mirage 5COR de reconhecimento 5COR, que foram recebidos entre janeiro de 1972 e novembro de 1973 e formavam a sua primeira linha quando o país se encontrou à beira de uma guerra na década seguinte.

IAI Kfir

Combates sobre o mar

As relações entre a Colômbia e a vizinha Venezuela ficaram tensas em 1987. Conflitos que datavam de 1969 sobre o delimitação da plataforma continental, compartilhada pelos dois países, ainda não haviam sido resolvidos e a tensão crescia.

Nas primeiras horas de 9 de agosto de 1987, a Armada de la República Colombiana enviou a corveta ARC Caldas FM-52, um dos quatro navios da classe Almirante Padilla, a uma parte disputada do Golfo da Venezuela.

A corveta foi rastreada por uma embarcação venezuelana adicionada de outros navios irmãos nos dois dias seguintes. Na manhã de 12 de agosto, um par de General Dynamics (agora Lockheed Martin) F-16A Fighting Falcon da força aérea venezuelana executou voos rasantes sobre a corveta, que recebeu apoio aéreo mais tarde naquele dia. Em 13 de agosto Mirages e F-16 se engajaram em combates mas não houve abates e a ARC Caldas FM-52 foi substituída pela corveta ARC Independiente FM-54.

Mas o incidente envolveu também forças terrestres. Tropas venezuelanas se deslocaram para a fronteira com a Colômbia enquanto os navios de ambas as nações apontaram suas armas uns contra os outros.

Intervenções diplomáticas de outros governos da região terminaram a crise em 18 de agosto. O Independiente se retirou ao seu porto de origem depois de a Venezuela ter avisado à Colômbia de que estava preparada para afundar o navio.

O desempenho dos Mirage 5 durante esse breve conflito foi considerado inferior ao do F-16A, obrigando a FAC a renovar seu pedido de Kfirs israelenses. O embargo dos EUA foi levantado em outubro de 1987 e seis meses depois, o congresso colombiano aprovou o acordo. Um contrato para 12 Israel Aircraft Industries (mais tarde Israel Aerospace Industries – IAI) Kfir C2 e um Kfir TC-7 (um TC2 atualizado para o padrão TC7) foi assinado em 6 de outubro de 1988. O acordo também cobriu a melhoria subsequente dos Kfirs dos Kfir monoplace – e todos os Mirages colombianos – para o padrão “C7”.

Desde o final de abril de 1989, os novos aviões (registrados de FAC 3040 ao 3051) começaram a chegar, com o FAC 3045 sendo o primeiro. O único TC7 (FAC 3003) foi entregue no ano seguinte.

Com pessoal da Força Aérea Equatoriana dando apoio para treinar pilotos e mecânicos, os Kfirs colombianos entraram em serviço com o Escuadrón 213 na Base Aérea Militar Germán Olano, em Palanquero, a sede da força de Mirage 5 da FAC.

IAI Kfir C12 da Colômbia, durante o exercício Red Flag em 2012

Atualizações

A atualização padrão C7 foi aplicada a apenas nove dos C2 adquiridos em 1987 (os FAC 3041, FAC 3050 e FAC 3051 não foram incluídos).

Eles receberam um novo motor, o J79-J1E, com 18.750 lb de impulso de pós-combustão, permitindo o peso máximo de decolagem a aumentar para 35,274lb (16,000kg). Dois pontos duros foram adicionados sob a fuselagem, para um total de nove, e um pod de guerra eletrônica Elta E/L-8202 foi montado no pilone interno da asa esquerda. Comandos do tipo HOTAS foram adicionados ao cockpit.

Todos os Kfirs mantiveram o radar Elta EL/M-2001B, que também havia sido instalado nos Mirage 5COAs da FAC em 1988. Os jatos israelenses também tinham um WDNS-391 (Sistema de Navegação e Disparo de Armas, para emprego de armas inteligentes) junto com um sistema Elbit 82 para gerenciamento dos suportes das armas; capacidade de vídeo; e um painel de exibição de controle de armamento. Um receptáculo de reabastecimento em voo também foi instalado.

Os jatos modernizados para o padrão C7 poderiam operar com o kit de bombas guiadas por laser (LGB) Griffin, fabricado pela Divisão de Mísseis MTB da IAI. Os primeiros 12 kits chegaram em fevereiro de 2001, com o IAI CLDS (Sistema de Designação Laser do Cockpit). Usando a Griffin, a trajetória de uma bomba Mk82 de 500 libras pode ser corrigida durante o planeio – e pode atingir um alvo marcado a laser.

Cockpit do Kfir C7
Cockpit do Kfir C12 (Block 60)
Jatos Kfir da Colômbia no exercício Red Flag, em 2012

Em ação

Os novos jatos passaram por um batismo de fogo entre 9 e 10 de dezembro de 1990, ao sul da capital, Bogotá, quando dois Kfirs se juntaram a Mirages, uma Cessna A-37 Dragonfly, a helicópteros Bell UH-1H, Bell 212, um Sikorsky UH-60 e Douglas AC-47 na “Operación Colômbia”, também conhecida como Operação Casa Verde.

Os Kfirs voaram missões de bombardeio contra objetivos estratégicos, incluindo «Bravo», um importante acampamento operado pelas FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). Os jatos usaram 186 bombas “burras” de 250 libras em 30 missões. As aeronaves israelenses permaneceram ativas em missões similares, em apoio a forças terrestres do exército, da polícia e dos fuzileiros navais contra as FARC perto de áreas povoadas.

No final de 2001, as conversações de paz entre representantes do governo e das FARC falharam e uma ofensiva em grande escala conhecida como “Operación Tanatos” (o deus da morte na mitologia grega) começou em fevereiro de  2002 contra alvos na zona desmilitariza no centro da Colômbia, uma área dominado pelos guerrilheiros. Envolveu mais de 30 aeronaves da ordem de batalha da FAC, incluindo os Kfirs, que atingiram instalações como pontes, laboratórios de produção de drogas, pistas e acampamentos.

Até 2007 Mirages e Kfirs voaram a uma média de três missões por semana, por esquadrão, para evitar a ocupação de cidades por insurgentes. Os pilotos voaram à noite para tentar evitar o fogo antiaéreo e foi necessário assegurar a identificação positiva de alvos para minimizar os danos colaterais antes que as as armas fossem lançadas – tudo isso em terreno montanhoso e de selva.

IAI Kfirs da Colômbia em voo

Os Kfirs continuaram a ser empregados em ofensivas semelhantes: no final de setembro de 2010, a “Operación Sodoma” matou o comandante das FARC Víctor Julio Suárez Rojas (apelidado de “Mono” Jojoy) durante um ataque contra a sede da organização próximo as Montanhas Macarena; a “Operación Osiris” em outubro de 2011 envolveu quatro Kfir C10 que atacaram a base móvel das FARC “Antonia Santos” em Sardinata, matando 11 guerrilheiros e ferindo 30.

Dois meses depois, a “Operación Demóstenes” – contra o Exército de Libertação Nacional, ELN, outra organização terrorista – em Morales, ao sul de Bolívar, matou um líder em um grupo conhecido como ‘La Negra Yesenia’. Em setembro de 2012 os Kfirs estiveram envolvidos na “Operación Selene”, em Hacarí visando o ELN.

Em 2016, as FARC assinaram um acordo de paz com o governo colombiano. E pouco depois os Kfirs participaram da “Operación Corsário III”, no norte de região de Santander, quando dez guerrilheiros do ELN foram mortos, incluindo o suposto líder Danilo Picón Cuadros. Por fim, outra missão antiterrorista recente envolvendo os Kfirs foi um ataque em junho de 2018, no município de Fortul, quando 16 dissidentes das FARC foram mortos.

IAI Kfirs da Colômbia durante reabastecimento em voo

Mais Kfirs

Para permanecer em pé de igualdade com outras forças aéreas na região, que estavam sendo atualizadas com caças de quarta geração e avançado armamento, a FAC acrescentou à sua frota de 13 Kfirs em abril de 2008. O primeiro foi aceito em abril de 2009, com entregas terminando em dezembro de 2010.

As novas aeronaves receberam os números de série FAC 3052 a FAC 3061 (três Kfir C12 e sete C10s, todos monoplace) e de FAC 3004 a FAC 3006 (três Kfir TC12s). Eles se juntaram aos atualizados FAC 3003 (TC12), e FAC 3040 e FAC 3041, FAC 3043 a FAC 3045 e FAC 3047 a FAC 3051 (três C10s e sete C12s).

Assim como as LGB Griffin e o Míssil ar-ar Rafael Python 3, os novos Kfirs podem operar os pods eletro-óptico/infravermelho de reconhecimento tático Rafael RecceLite e designador laser Rafael Litening; bombas guiadas a laser/GPS /infravermelho Spice 1000 laser; GBU-12 Paveway e GBU-49 Paveway II, guiadas a laser; AI-MTB Grin; e mísseis ar-ar Rafael Python 5 e Derby.

Além de usar o WDNS-391, o gerenciamento destas armas ocorre através do radar multimodo EL/M-2032 (padrão no C7, mas substituído pelo radar AESA EL/M-2052, nove dos quais foram adquiridos); o sistema de pontaria montado  no capacete Elbit Systems DASH (Display And Sighting Helmet, substituído pelo modelo Targo); dois novos mostradores multifuncionais no cockpit; sistema de interferência SPS-45V6Elbit/Elisra; sistema de guerra eletrônica Elbit Systems AES-212 Emerald-1 (instalado nos C-10s); e enlace de dados Link 16. Note-se que os dados dos C10s podem ser transmitidos aos C12s.

IAI Kfir biposto da FAC

Perdas operacionais

A frota colombiana de Kfir sofreu várias perdas ao longo da sua história. A primeira, em 2 de maio de 1995, envolveu o C7 FAC 3042. Outro C7, FAC 3046, foi perdido em 4 de junho de 2003. Ele caiu cerca de 30km ao norte da Base Aérea Capitán Germán Olano

Em 20 de julho de 2009, o Kfir TC12 FAC 3004, pilotado pelo pessoal do IAI, saiu da pista no aeroporto Rafael Núñez em Cartagena.

Houve dois incidentes em 2010. Em 20 de setembro, o TC12 FAC 3005 estava em uma missão de reconhecimento e caiu em Santa Elena de Opón, a tripulação ejetou com segurança. E no dia 26 de novembro o Kfir C10, FAC 3050, sofreu uma falha técnica ao aterrissar em Puerto Salgar depois de testes de voo, e saiu da pista. O piloto abandonou a aeronave com segurança.

Em 27 de setembro de 2013, o TC12 FAC 3003 caiu perto da Base Aérea Capitán Germán Olano, durante uma missão de treinamento.

Houve dois incidentes em 2014. Em 18 de fevereiro, o TC12 FAC 3006 caiu em Norcasia (Caldas), matando um dos pilotos; o outro foi ejetado. Em 31 de dezembro falhas técnicas levaram à perda do controle do Kfir C12 FAC 3041 na fase de aproximação ao Comando Aéreo de Combate Nº 1 em Puerto Salgar. O piloto ejetou com segurança.

As perdas foram oficialmente atribuídas a falhas estruturais, hidráulicas e problemas elétricos, bem como a problemas com o motor durante as aterrissagens.

Apesar de tantas perdas, os Kfirs modernizados da Colômbia estão entre os caças mais letais da região. E os seus pilotos provaram suas habilidades no ambiente desafiador do exercício Red Flag em 2018, chegando a abater simuladamente vários bombardeiros da USAF.


*Bacharel em Ciências Aeronáuticas (Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL), pesquisador do Núcleo de Estudos Sociedade, Segurança e Cidadania (NESC-UNISUL) e pós-graduando em Engenharia de Manutenção Aeronáutica (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/MG). Único colaborador brasileiro regular das publicações Air Forces Monthly, Combat Aircraft e Aviation News.

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