Por Sérgio Santana*

Em meio às celebrações dos oito anos do primeiro voo da aeronave chinesa de caça Chengdu J-20 “Wēilóng” (conhecido também como “Mighty Dragon” ou “Dragão Poderoso), lembrado aqui e dos recentes comentários de analistas chineses segundo os quais a aeronave será superior ao Lockheed Martin F-35 Lightning II após a exploração do seu potencial de crescimento, o que gerou considerável volume de manifestações nas redes sociais e sites especializados, é adequado trazer à tona a origem da tecnologia chinesa de furtividade empregada nas suas aeronaves.

Tal como tem sido comum na história do desenvolvimento dos sistemas de armas, a espionagem também desempenhou neste caso uma função fundamental, a exemplo do que já havia ocorrido pelas ações de Adolf Tolkachev (1927-1986), engenheiro eletrônico soviético que a partir de janeiro de 1977 aproximou-se de altos funcionários do governo norte-americano em um posto de combustível em Moscou, reservado à diplomacia estrangeira.

Depois de perguntar ao um dos motoristas em espera se ele era americano, discretamente lançou um bilhete para dentro do carro, dando início então o que é considerada uma das mais abrangentes, benéficas ou danosas (para os soviéticos) operações de repasse de documentos secretos de todos os tempos, já que Tolkachev, sob o codinome “CKSPHERE”, entregou absolutamente todos os detalhes técnicos dos sistemas de armas e aviônicos de missão de todas as aeronaves projetados pela empresa em que trabalhava, o Instituto de Pesquisa de Engenharia de Radio, mais tarde conhecido como “Fazotron”.

Tolkachev foi denunciado, preso, julgado, condenado e executado nove anos depois, mas entrou para a história das operações de inteligência como “O Espião de Um Bilhão de Dólares”, sendo este o valor estimado dos documentos que repassou, muitos ainda sob segredo.

No caso chinês, o responsável é outro diplomado em ciências exatas, o engenheiro de projetos Noshir Sheriarji Gowadia, nascido em 1944 em Mumbai na India, mas que emigrou para os Estados Unidos, tendo obtido a cidadania norte-americana.

Gowardia trabalhou para a Northrop entre 1968 a 1986 e foi o principal projetista dos sistemas de propulsão do primeiro bombardeiro furtivo da História, o Northrop B-2A Spirit, tendo também concebido os sistemas de supressão de radiação infravermelha do Spirit, responsáveis por protegê-lo contra mísseis guiados por calor.

Na década seguinte, ele passou a trabalhar no Laboratório Nacional de Los Alamos, no Novo México, um dos campos responsáveis pela pesquisa em tecnologias críticas nos Estados Unidos, inclusive no setor nuclear.

Em 1999, ao deixar a Northrop ele fundou a companhia de consultoria N.S. Gowadia, Inc. e passou a ministrar cursos para interessados estrangeiros em um segundo país não especificado, que incluía informações secretas, às quais ele obteve acesso enquanto trabalhava para a Northrop e como subcontratado para Los Alamos.

Chengdu J-20

Três anos depois Gowadia enviou por fax uma proposta para desenvolver tecnologia de supressão de infravermelho em aeronaves militares para um representante em um país estrangeiro não especificado. E entre 2003 a 2005, Noshir Gowadia fez seis viagens à China, conspirando para ocultar algumas de suas visitas, fazendo com que os agentes de fronteira deixassem o selo de imigração do passaporte. A cidade de seu interesse era Chengdu, sede do Chengdu Aircraft Industry Group que desenvolveu o Chengdu J-20.

Obviamente esta movimentação não poderia passar despercebida e ainda em 2005, no mês de outubro, a sua sorte começou a virar: Gowadia foi acusado de revelar segredos de supressão de infravermelho do B-2A aos representantes de oito governos estrangeiros. Outros crimes federais incluem o repasse deliberado de informações de defesa nacional a pessoas não autorizadas.

A acusação se baseava em vários documentos secretos copiados de quando ainda trabalhava na Northrop em Los Alamos, encontrados em sua casa milionária no Hawai. Na impossibilidade de refutar o óbvio ele confessou compartilhar informações confidenciais “tanto verbalmente quanto em documentos, apresentações de computador, cartas e outros métodos, para estabelecer a credibilidade tecnológica com os clientes potenciais para negócios futuros.” Gowadia também foi acusado de ajudar a projetar tecnologia furtiva para mísseis chineses e com lavagem de dinheiro através de contas em paraísos fiscais e movimentadas por “laranjas”.

Bombardeiro stealth B-2 Spirit

Entretanto, os danos provocados pelos documentos vazados já não poderiam revertidos, porque a China já havia começado a desenvolver aeronaves furtivas, a exemplo do já mencionado J-20 que voou pela primeira vez em janeiro de 2011, mesmo mês que Gowadia foi condenado a 32 anos de prisão, atualmente sendo cumpridos na prisão de segurança máxima Florence, no estado do Colorado, de onde ele só deve ser liberado em setembro de 2033.

Portanto, a tecnologia furtiva atualmente empregada nas aeronaves chinesas derivou diretamente do desenvolvimento encampado pelas indústrias norte-americanas, reconhecidas líderes no setor, o que contribui para que caças como o J-20 não estejam, para dizer o mínimo, tão aquém dos seus rivais diretos como a grande maioria dos analistas e entusiastas gostam de pensar.

*Bacharel em Ciências Aeronáuticas (Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL), pesquisador do Núcleo de Estudos Sociedade, Segurança e Cidadania (NESC-UNISUL) e pós-graduando em Engenharia de Manutenção Aeronáutica (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/MG). Único colaborador brasileiro regular das publicações Air Forces Monthly, Combat Aircraft e Aviation News.

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