Aconteceu de novo: o ‘invisível’ F-22A Raptor foi flagrado na Síria…
Por Sérgio Santana*
É um fato: não existem verdades absolutas. A mais recente comprovação desta afirmação surgiu um dia atrás, quando começaram a correr pela internet imagens de um Lockheed Martin F-22A Raptor alegadamente detectado pelo sensor infravermelho de um Sukhoi Su-35S “Flanker-E” da Força Aeroespacial da Rússia então em operação sobre a Síria.
De acordo com as informações divulgadas pelo General Valery Gerasimov, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas da Rússia e primeiro vice-ministro da Defesa, em 13 de dezembro 2017 um piloto de Raptor certamente confiando na baixa visibilidade radar da sua aeronave estava em missão de ataque próximo a aviões militares russos no espaço aéreo sírio.
Entretanto, o F-22A foi forçado a suspender sua missão ao ser alertado de algum modo da presença do “Flanker-E”, que inicialmente, a julgar pelas fotos divulgadas, rastreou o adversário utilizando o seu detector de radiação infravermelha. E estava posicionado para obter uma vitória, caso tivesse recebido ordens neste sentido.
A fama de “aeronave invisível” do F-22A (palavras que na verdade definem nada mais que um avião concebido para ser detectado em um tempo que reduza capacidade efetiva de reação do adversário contra ele) contribui para que um evento como esse pareça mais um daqueles mitos tão populares em uma época em que qualquer pessoa pode manipular imagens com aplicativos. Entretanto, em outra ocasião (em fevereiro deste ano, durante um episódio ainda a ser por nós descrito) o Raptor foi seguido por outro Flanker, o que contrariaria o seu conceito. Por ora vamos, portanto, ao F-22A flagrado pelo detector de radiação infravermelha do Su-35S.
Inicialmente, deve ser lembrado que a geração de aeronaves “stealth”, da qual o Lockheed Martin F-22A Raptor faz parte, tem na capacidade de gerar baixa refletividade ao radar (então reduzindo a efetividade da reação de um provável inimigo) o ponto mais conhecido do sua definição. Entretanto, esta não é absoluta. No estágio tecnológico atual (e ainda por um bom tempo) não existe aeronave com índice de reflexão às ondas do radar igual a zero.
Entretanto, para complicar um pouco mais a situação de tais aeronaves, além da radiação eletromagnética (oriunda do radar), elas estão sujeitas a outro tipo de interferência à sua operacionalidade, ainda mais impossível de ser contornada: a radiação infravermelha.
Para a sua compreensão correta se faz necessário entender alguns fenômenos físicos.
Todos os dispositivos militares projetados para detecção de calor possuem como princípio a descoberta da radiação infravermelha no ano de 1800, quando o físico William Herschel fez atravessar a luz solar por um prisma de vidro, resultando no arco-íris, de cujas cores ele efetuou medição de temperatura, verificando aquecimento crescente conforme se aproximava a cor vermelha, a última do espectro. Contudo, Herschel notou que havia temperatura ainda mais elevada em uma zona após o vermelho, invisível ao olho humano, designando tal região de “infravermelha” pela frequência das suas ondas ser inferior às do próprio vermelho.
Em 1879, Josef Stefan comprovou através de experimentos que todos os corpos cuja temperatura esteja acima de 273 graus centígrados negativos emitem tal radiação, que está, conforme o comprimento das suas ondas (medido em “mícron”, a milésima parte de um milímetro) dividida em três porções: próxima, entre 0.7 e 5 mícron; média, entre 5 e 30 mícron; e distantes, entre 30 e 1000 mícron. Dessas zonas, contudo, somente aquelas cobrindo 3-5 mícron – com temperatura ao redor de 450°C – e 8-12 mícron, aquecida a cerca de 17°C, são utilizadas em detectores de calor, por serem totalmente imunes à ação da atmosfera.
Estas propriedades findaram, ao longo da História, por serem aproveitadas no dispositivo que modernamente se conhece pela sigla IRST, do inglês Infra-Red Search and Tracking, busca e rastreio infravermelho.
Com relação ao seu desempenho e contrariamente ao entendimento comum, a saída de um propulsor a jato não representa a única fonte do calor a ser detectado por um IRST. O volume de radiação IR deixado pela trajetória de uma aeronave de asa fixa – denominado sua “assinatura” infravermelha – é a soma das emissões de calor assim geradas: pelas partes de temperatura mais elevada (seções quentes do motor e o seu bocal de exaustão, cujo calor aumenta consideravelmente com a utilização de pós-combustores, comuns em aviões de caça e ataque); pelo nível de fumaça; a quantidade de aquecimento resultante do atrito da aeronave com o ar (seguida do consequente vapor, especialmente oriunda da seção frontal da mesma e de suas asas) e pelas radiações do céu, do sol e mesmo da superfície terrestre refletidas na aeronave. Já nos helicópteros, além dos dutos exaustores do motor, as principais fontes de calor são as demais partes quentes do mesmo – como as palhetas das turbinas – a cauda, aquecida pelos gases oriundos do propulsor e, por fim, a própria fumaça. Dentre os tipos de propulsor, os turbojatos geram mais calor, seguidos dos turbo ventiladores (ou “turbofans”, cuja economia de combustível quase generalizou o seu uso na Aviação Militar) e dos turboélices.
Outros fatores determinam a detecção de uma aeronave através do IRST, a exemplo da posição deste em relação ao seu “alvo” (quando “visto” frontalmente e pelas laterais, os níveis de fumaça e de temperatura emanados pela estrutura contribuem sobremaneira para “denunciar” a sua presença, ao passo que, quando detectados por trás, a maior fonte de radiação IR tornam-se as partes quentes do motor) e da altitude e condições meteorológicas em que este se encontra: à baixa altura e na presença de nuvens, quando existem altas concentrações de vapor d’água e gás carbônico, a transmissão de radiação IR é muito afetada, o contrário do que ocorre a grandes altitudes, acima dos 10.000 metros.
Contudo, existem determinadas condições de altitude e velocidade que resultam em zonas nas quais há pouca probabilidade de a quantidade de calor gerada por uma aeronave denunciar sua presença. Um estudo do Departamento de Engenharia Aeroespacial do Instituto Indiano de Tecnologia, publicado em 2007, afirmava que para um propulsor turbofan em potência militar seca – situação em que um crescente número de aeronaves de caça alcança velocidade supersônica sem utilizar pós-combustores, capacidade denominada supercruzeiro – tais zonas situam-se entre 1.800 metros e 2.400 metros de altitude (com a aeronave voando a até Mach 1.4, equivalente a 1.713 km/h) e entre 4.500 e 4.700 metros, aqui com o vetor atingindo velocidade pouco superior a 1.836 km/h, equivalente a cerca de Mach 1.5.
Fora de tais condições, a possibilidade de uma aeronave ser denunciada pela sua assinatura térmica cresce exponencialmente.
E esta possibilidade é ainda maior diante de IRSTs de última geração, como o OLS-35, que equipa o Su-35S. Dentre as suas características mais marcantes estão a capacidade de reconhecimento visual do alvo, operação em uma ampla gama de altitudes e condições meteorológicas e mesmo tipos de solo contra os quais uma aeronave esteja posicionada, de maneira que o alvo se destaca do seu cenário de fundo. O dispositivo, conectado ao sistema de pontaria do Flanker-E, apresenta alcances de detecção entre 35 e 90km, se a aeronave for detectada do seu quadrante dianteiro ou traseiro, respectivamente.
Considerando que a geração de calor numa aeronave possui diversas origens, fica evidente que artifícios como misturar a saída dos gases quentes com correntes de ar frio ou direcioná-las para fora da esteira aerodinâmica da trajetória da aeronave são ainda menos eficientes que os complicados designs dos caças stealth e seus revestimentos (a exemplo do “Topcoat” do F-22A Raptor) que visam respectivamente a refletir as ondas eletromagnéticas em várias direções e a absorvê-las, de modo que apenas uma fração da quantidade originalmente emitida retorne ao radar adversário.
*Bacharel em Ciências Aeronáuticas (Universidade do Sul de Santa Catarina-UNISUL, na qual é um dos pesquisadores do Núcleo de Estudos Sociedade, Segurança e Cidadania-NESC); Pós-graduando em Engenharia de Manutenção de Aeronaves (PUC-MG). Autor de “Embraer 145ISR – Programa, Versões, Operadores e Emprego” (C&R Editorial, 2012), coautor de “Beyond the Horizon – The History of AEW&C Aircraft” (Harpia Publishing, 2014) e de “E-8 JSTARS, Boeing-Northrop Grumman’s Joint Surveillance Target Attack Radar System (Schiffer Publishing, 2019). Único colaborador brasileiro com artigos regularmente publicados nas prestigiosas “Air Forces Monthly” e “Combat Aircraft Monthly”.