O Su-57 ‘Frazor’ testou armas na Síria… e agora?
Sérgio Santana*
Em fevereiro deste ano, enquanto elaborava a segunda parte do texto “A outra guerra na Síria: os enfrentamentos velados entre o poder aéreo da OTAN e Rússia” publicado aqui no final de 2017, fui surpreendido pela noticia inesperada (e repleta de significados) de que duas aeronaves Sukhoi Su-57 “Frazor” foram flagradas em um vídeo que as exibia no teatro sírio de operações de combate, na chegada à Base Aérea de Khmeimim. Imediatamente iniciou-se uma corrida frenética em busca de confirmação da veracidade de tais imagens, o que logo foi obtido até mesmo por imagens via satélite.
Além do mistério que cercou a aparição de tais aeronaves (aparentemente envolvidas em intermináveis campanhas de ensaios limitadas aos céus russos) em si, também houve especulações acerca da finalidade de tal missão em céus sírios. Pouco tempo depois, durante uma entrevista coletiva concedida pelo Ministério da Defesa da Federação Russa, estas especulações tiveram fim com a exibição de um vídeo no qual um dos “Frazor” lançava um míssil de coloração vermelha, logo identificado como Kh-59 Mk2. O que esse teste significa? Quais as suas implicações? É o que será analisado no texto a seguir.
É um fato inegável que o resultado mais visível do programa russo para uma aeronave de caça de quinta geração, o Sukhoi Su-57 (codificado provisoriamente pela OTAN como “Frazor”), tem sido protagonista do que se assemelha a uma campanha interminável de avaliações limitadas aos céus russos, embora já tenha se exibido no festival aeroespacial de Moscou, mais conhecido como MAKS.
É verdade também que alguns dos seus seis exemplares de desenvolvimento também estiveram envolvidos em incidentes; o T-50-2 apresentou estol do compressor (quando o fluxo de ar não adere às palhetas de um dos compressores do motor, causando interrupção na sua alimentação para o motor como um todo, falha ainda mais crítica em um propulsor turboventilador como os do Su-57) no motor direito durante a decolagem em agosto de 2011, causando uma grande chama e fazendo-o abortar a decolagem. Quase três anos depois, em junho de 2014, o T-50-5 sofreu um incêndio na entrada de ar do mesmo lado.
Talvez por tudo isso, a súbita aparição de dois “Frazor” em céus sírios em meio às hostilidades que tem assolado aquele país desde 2011, gerou grande perplexidade.
Entretanto, dois fatos (bem como suas consequências) necessitam de reflexão: como os dois Su-57 chegaram à Síria? Como só foram visualizados sobrevoando o espaço aéreo sírio e depois já estacionados na Base Aérea de Khmeimim?
Com relação à primeira questão, não se tem notícia de que cargueiros Antonov An-124 Ruslan (“Condor”) tenham viajado naqueles dias para aquela base aérea (o que poderia indicar que os caças tivessem sido transportados parcialmente desmontados), o que deixa a possibilidade de que os “Frazor” tenham chegado ao seu destino voando após sucessivas sessões de reabastecimento aéreo, utilizando os poucos Ilyushin Il-78 “Midas” ora à disposição das Forças Aeroespaciais da Federação Russa, um recurso que muito provavelmente foi empregado em fevereiro de 2014, quando o protótipo T-50-2 (o primeiro a avaliar a capacidade de reabastecimento em voo dois anos antes) foi deslocado para o Centro Militar de Testes de Voo em Akhtubinsk, distante da sua fábrica em Komsolmosk-on-Amur pouco mais de 6.000km em linha reta.
Em um cálculo simples (mesmo porque se desconhece os detalhes do voo) e supondo que tenham partido da sua fábrica, os dois Su-57 voaram por quase 8.000 km até à base síria, mais que o dobro da distância máxima que o modelo é capaz de atingir, 3.500km; dado este que embora estimado – visto que as especificações oficiais ainda são secretas – tem sido divulgado na literatura de referência sobre o Su-57.
Outro fato, ainda mais intrigante, é como e por que os “Frazor” só foram flagrados quando estavam na Síria. Agências de Inteligência ocidentais detectaram o seu traslado e não o divulgaram, talvez tentando passar para o seu adversário russo a ideia de que não estavam monitorando as aeronaves? Algum tipo de interferência foi gerado pela Inteligência russa para acobertar o traslado? Ou o tipo realmente surpreendeu a todos?
Supondo que a última hipótese seja verdadeira, isso depõe contra uma verdade recorrente quando o assunto é a capacidade furtiva do Su-57. Geralmente se diz que ele é menos “stealth” que o Lockheed Martin F-22A “Raptor”; entretanto é prudente lembrar que o “Frazor” começou a ser desenvolvido quando o F-22A já estava operacional (não é difícil crer que esforços russos de Inteligência sobre esta aeronave tenham sido aproveitados no “Frazor”, da mesma que é de conhecimento público que o governo chinês lançou mão do mesmo artifício quando do desenvolvimento do Shenyang J-31 “Falcon Hawk”, baseado no Lockheed Martin F-35 “Lightning II”) e que, seguindo todo um histórico, todas as vezes em que uma aeronave soviética/russa surgiu após um rival norte-americano, este se revelou tecnicamente inferior. A superioridade aerodinâmica do Mikoyan-Gurevich MiG-29 “Fulcrum” sobre o General Dynamics (hoje Lockheed Martin) F-16 “Fighting Falcon”, aeronave contra a qual foi projetada, é um caso clássico.
Analisando-se a estrutura do Su-57 percebe-se, entretanto, que a corrente de opinião que o classifica como “menos furtivo que o F-22” ignora os recursos “stealth” incorporados ao “Frazor” tais como: bloqueadores de radar reduzindo a reflexão gerada pelas aletas de guia da entrada do motor, instalados nos dutos da entrada de ar; limitação dos ângulos de inclinação das asas e dos bordos de ataque e fuga dos estabilizadores horizontais; emprego de um único ângulo de inclinação nas laterais da fuselagem, das entradas de ar e deriva; revestimento em aberturas laterais nas entradas de ar e na fuselagem superior com malha cujo índice de reflexão é menor que um quarto do comprimento de onda dos radares potencialmente adversários; deflexão das antenas do radar N036 em relação ao plano vertical da aeronave, assim diminuindo a reflexão de da radiação adversária; uso de seletividade na cobertura dos cinco radares (ou seja, o bloqueio de outras frequências além das utilizadas nestes dispositivos); e, por fim, o emprego de antenas embutidas na fuselagem (com a própria deriva alojando uma antena de comunicações), evitando protuberâncias.
Certamente tudo isto contribuiu para que, mesmo hipoteticamente, os dois “Frazor” cruzassem quase 8.000km imperceptivelmente da Rússia até a Síria.
O tipo do míssil lançado pelo Su-57 é outro fator que desperta curiosidade. O míssil Kh-59MK2 visto no vídeo apresentado na entrevista coletiva promovida pelo MD russo é uma variante modificada do Kh-59MK2 “Ovod-M” produzido pela KTRV e custeado pela Aviação Naval chinesa para os seus Su-30MK2 “Flanker-G” tendo sido codificado pela OTAN como AS-18 “Kazoo”. Contudo, o artefato lançado pelo “Frazor” não foi somente adaptado segundo os conceitos de furtividade, apresentando um design futurista, mas também encurtado para ser acomodado nos dois compartimentos de armas do Su-57, que medem 4.4 x 0.9 metros.
Assim o Kh-59MK2 teve seu comprimento diminuído de 5.7 metros para 4.2 metros. A arma apresenta peso de 770kg, é propulsada por um motor turbojato, guiada por três sistemas (inercial, GPS/GLONASS, que proporciona orientação de meio-curso, e TV, para guiagem terminal, tudo para que a margem de erro não supere os três metros. Mais de um perfil de alvo (a ser atingido com uma variedade de ogivas, entre elas uma de penetração de 310kg) pode ser carregado no seu sistema, possibilitando flexibilidade de emprego, com a arma voando a 50 metros de altura. O alcance publicado é de 290km e a velocidade máxima de 1.000km/h, com a altitude de lançamento variando entre 200 e 11.000m.
A real implicação desse teste é que ele apresenta a capacidade de o Su-57 lançar um míssil de cruzeiro de curto alcance a partir do seu compartimento de armas, de modo a não comprometer a sua furtividade, após voar por longas distâncias. Até o momento em que esta avaliação foi publicamente admitida, o outro único míssil da mesma categoria capaz de ser lançado sob as mesmas condições era o israelense Delilah, capaz de ser acondicionado no compartimento de armas do Lockheed Martin F-35A, denominado “Adir” pelas Forças Armadas de Israel e que por sinal foi recentemente empregado nas operações contra contingentes adversários em território sírio.
*Bacharel em Ciências Aeronáuticas (UNISUL); Pós-graduando em Engenharia de Manutenção de Aeronaves (PUC-MG). Autor de “Embraer 145ISR – Programa, Versões, Operadores e Emprego” (C&R Editorial, 2012) e coautor de “Beyond the Horizon – The History of AEW&C Aircraft” (Harpia Publishing, 2014), além de único colaborador brasileiro com artigos regularmente publicados nas prestigiosas “Air Forces Monthly” e “Combat Aircraft Monthly”.