A Embraer e o que esperar da estratégia de desenvolvimento econômico brasileiro
Por Thiago Caliari*
Diversos estudos têm mostrado que o processo de desenvolvimento econômico de uma nação passa por uma mudança considerável na estrutura produtiva de sua economia, com aumento da participação de setores econômicos que possuem maior produtividade, notadamente a indústria de transformação e atividades de serviços complexos (que servem como apoio a essa própria indústria). Estudos dos pesquisadores Ricardo Haussman (Harvard) e César Hidalgo (MIT) sobre a Complexidade Econômica dos países (além de demais estudos derivados a partir desses trabalhos) mostram a relação de maneira direta, e a observação dos processos de catching-up produtivo, científico e tecnológico passam por uma agenda bem estabelecida de internalização de competências direcionadas pelos estados nacionais.
É nesse sentido que não vislumbraremos estados nacionais que conseguiram realizar o processo de desenvolvimento econômico aceitando passivamente a venda de suas empresas transnacionais. Não espere que a Coreia do Sul aceite a perda do controle da Samsung, Kia, LG, Hyundai, ou o Japão da Toyota, Honda, Mitsubishi ou Nissan, só para citar algumas. É por isso também que o processo de acumulação de capacidades que a China vem promovendo seja pautado na internalização de conhecimento e habilidades com o aumento do número de grandes empresas nacionais operando a nível mundial. E olha que aqui só estamos falando de países com industrialização recente.
Nesse interim, poucos casos setoriais no Brasil poderiam ser destacados como uma política industrial satisfatória, sendo a indústria aeronáutica decididamente um desses, talvez ainda o mais famoso.
Porém, diferente de países com complexos industriais aeronáuticos consolidados, no Brasil a dependência da indústria aeronáutica em torno da Embraer é muito grande. Comparando dados da Pesquisa Industrial Anual (PIA) do IBGE e da própria empresa, a Embraer respondeu em 2015 por aproximadamente 84% do emprego direto total na indústria aeronáutica brasileira (17.007 empregados no Brasil em um total de 20.242 empregos em toda a indústria aeronáutica), e esse valor não tem variado muito nos últimos anos.
Em uma eventual aquisição, não esperamos que no curto prazo esse quantum de empregos sofra modificações contundentes. As especificidades nos relacionamentos intra-empresas e possíveis acordos trabalhistas tenderiam a manter uma certa estabilidade. O problema deve ser visto em um nível mais estratégico: a capacidade do Estado operar em conjunção com a Embraer em busca de criar novas capacitações de empresas nacionais fornecedoras de soluções.
Hoje temos uma grande montadora de aviões de porte regional no topo da cadeia produtiva aeronáutica, mas um vão de empresas com capacidade de fornecimento de soluções e elementos de elevado conteúdo tecnológico. O que se encontra é um grande grupo de empresas de baixo nível tecnológico, que opera ofertando soluções padronizadas, demandadas por essas empresas com maior capacitação e pela própria montadora final.
Aceitar a aquisição da Embraer é delegar as definições estratégicas para uma empresa que não tende a se preocupar em operar conjuntamente com o governo brasileiro na busca de maior capacitação dessas empresas nacionais.Estudos realizados no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) têm mostrado que as políticas de offset (compra de produtos tecnológicos com contrapartida na transferência tecnológica) da Força Aérea Brasileira são importantes para incremento de capacidades inovativas de empresas nacionais. Em contrapartida, quando a relação é matriz-subsidiária, há menor transferência de tecnologia e maior capacitação em produção.
Dadas essas informações, falar em privatizar a Embraer é praticamente falar na privatização de todo um complexo industrial nacional, considerando a dependência desse complexo às ações e estratégias definidas pela empresa líder desse sistema. Ainda, é esperar que a nova estratégia nada tenha a ver com uma política nacional; será possivelmente um processo de redução de custos produtivos e comerciais.
Esse é um assunto que deve ser visto a nível de política industrial e soberania nacional. É certo o papel que a Embraer tem desempenhado desde sua fundação em conjunção à FAB, e a capacitação alcançada pela empresa nesses programas definiu sua trajetória de sucesso para operação em escala mundial. Foi – e continua sendo – um relacionamento público-privado com benefício mútuo, que foi mudando ao longo do tempo a depender das mudanças competitivas e produtivas a nível mundial.
Parcerias comerciais e produtivas devem ser vistas como benéficas e necessárias, considerando os novos padrões competitivos. Porém, a possível permissividade na venda de um ativo nacional estratégico mostra muito sobre o que se acredita sobre desenvolvimento econômico, que vai em sentido linearmente contrário ao praticado por países líderes mundiais.
*Thiago Caliari é Professor do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA)
FONTE: jornalggn.com.br