Caça Saab Gripen: próximas etapas de desenvolvimento
Protótipo de nova geração leva ao renascimento do Gripen
Por David Donald
No dia 15 de junho de 2017, a Saab realizou o primeiro voo de seu caça Gripen E. O piloto de teste do avião de nova geração, Marcus Wandt, decolou da fábrica da Saab em Linköping, às 10h32, hora local, para um voo de 40 minutos durante o qual o controle de voo foi avaliado. Wandt inicialmente manteve o trem de pouso baixado, enquanto uma aproximação simulada e uma volta foram conduzidas, antes que o trem de pouso fosse levantado e o manuseio da aeronave fosse avaliado em modo de combate.
O voo de 15 de junho seguiu-se às provas anteriores de táxi de alta velocidade durante as quais foram alcançadas velocidades de mais de 100 nós. Wandt informou que, durante o primeiro voo, o sistema de controle de voo funcionou “como esperado”.
Sob o cronograma inicial de teste de voo, o Gripen E deveria fazer seu primeiro voo já no final do ano passado. A Saab enfatizou que o atraso de seis meses no primeiro voo do protótipo não se deveu a dificuldades técnicas. Em vez disso, a empresa decidiu revisar seu planejamento de testes e atrasar o início dos testes de voo até que a arquitetura inovadora da aviônica da aeronave tivesse sido totalmente qualificada. Usando um conceito conhecido como DIMA (distributed integrated modular avionics – aviônica modular integrada distribuída), a aviônica do Gripen E segrega as funções críticas do voo de aplicativos não críticos.
Refinar a arquitetura antes do voo deve acelerar o programa de testes, uma vez que novas funcionalidades podem ser adicionadas e testadas sem ter que ser re-qualificadas à medida que as iterações sucessivas da arquitetura básica são introduzidas. Com base nos padrões civis RTCA 1788/C, a arquitetura de aviônica DIMA permite que os desenvolvedores se concentrem em funções de software sem ter que levar em conta como elas podem afetar os sistemas da aeronave — da mesma forma que os desenvolvedores de aplicativos podem conectar funcionalidades aos smartphones. Isso não só agiliza o ritmo de desenvolvimento inicial, mas no futuro permitirá a rápida inserção de novas tecnologias e funcionalidades sem a necessidade de qualificar de novo os sistemas críticos de voo.
Evolução do Gripen E
Ao longo de sua vida, o sistema Gripen foi atualizado através de uma série de atualizações iterativas como parte do programa MS (material system). O primeiro Gripen E (aeronave 39-8) destina-se a testes do veículo aéreo e estruturais e está voando com uma versão do atual software MS20 do Gripen C/D, juntamente com a instrumentação de testes no cockpit. Por enquanto, muitos dos sistemas de missão previstos da aeronave estão sendo testados no demonstrador de tecnologia Gripen Demo (aeronave 39-7), mas as duas aeronaves subseqüentes (39-9 e 39-10) assumirão o trabalho de desenvolvimento do sistema.
As primeiras entregas de aeronaves de produção estão previstas para 2019. A aeronave inicial para a Suécia terá o software MS21 que fornece uma capacidade básica de combate ar-ar, mas, até o final de 2023, o primeiro verdadeiro esquadrão multifunção com a especificação completa do software MS22 está programado para se tornar operacional. A Força Aérea sueca planeja que todos os seis de seus esquadrões de combate operem 60 Gripen E com o MS22 até 2026.
Ainda há muitas decisões a tomar em relação ao Gripen E da Suécia, especialmente no que diz respeito ao cockpit. Uma agência que está desempenhando um papel importante é a unidade TU JAS (Gripen OT&E–operational test and evaluation) da Força Aérea Sueca na base aérea de Malmen, que representa o usuário final em discussões com o governo e a indústria.
Trabalhando com a Saab e a FMV (Swedish Defence Materiel Administration), a unidade TU JAS não só forneceu contribuição nos programas de teste e desenvolvimento, mas também está planejando o programa de treinamento e como a aeronave será colocada em serviço. Conceitos táticos como o uso de bases de guerra austeras estão sendo estudados, e também como empregar taticamente o Gripen C e o Gripen E. Os pilotos da unidade já investiram tempo para pilotar a plataforma de testes em terra do Gripen E como parte de um programa de avaliação operacional em andamento, com toda essa experiência sendo alimentada de volta ao processo de desenvolvimento para refinar a aeronave que será entregue a esquadrões operacionais. A TU JAS também está ajudando a definir o roteiro para o desenvolvimento do Gripen E, com o software MS23 já na fase de definição do projeto.
Abordagem dual
Embora o foco de atenção seja naturalmente no Gripen E/F, a Saab continua promovendo o atual Gripen C/D e, de fato, oferece ao mercado dois produtos de caça. No ano passado, o padrão MS20 tornou-se operacional com os C/Ds da Força Aérea Sueca, trazendo consigo a capacidade de lançar o míssil ar-ar de longo alcance MBDA Meteor, que agora está sendo empregado em exercícios. As capacidades extras de armas exigiram o desenvolvimento de novas táticas pela TU JAS. Tanto a República Checa quanto a Hungria se inscreveram para a atualização do MS20 para seus Gripen C/Ds.
Além das melhorias introduzidas pelo MS20, a Saab continua a explorar desenvolvimentos adicionais para os C/D e E/F em termos de armas, sensores e opções de autoproteção. No início deste ano, a empresa recebeu um contrato para iniciar o desenvolvimento de uma nova geração de seu míssil antinavio RBS 15 para entrar em serviço no meio da década de 2020 no Gripen E. A nova versão oferecerá um alcance muito mais longo do que a arma atual, e muitos outros aprimoramentos.
Enquanto o Gripen E/F é visto como satisfazendo os requisitos de forças aéreas que procuram aeronaves de alto desempenho para realizar tipos avançados de missão, o Gripen C/D destina-se mais a forças aéreas pequenas que exigem caças modernos multimissão, mas que ainda enfrentam restrições orçamentárias consideráveis. Os baixos custos de aquisição e operação dos C/D são vistos como discriminadores fortes neste segmento de mercado, em que os aviões novos enfrentam a concorrência de aeronaves de segunda mão de baixo custo.
Além disso, a Saab está destacando a rapidez com que o novo Gripen C/D pode ser entregue, prometendo um “turnaround” de 18 meses desde a assinatura do contrato até a entrega. Para ajudar a cumprir essa promessa e dar à empresa alguma vantagem competitiva, a Saab iniciou a fabricação de alguns itens de longo prazo para a futura produção de C/D. Embora isso seja muito inferior à construção de aeronaves “white tail”, a empresa “começou o trabalho essencial para reduzir os prazos de entrega” para esses modelos.
Perspectivas de mercado os Gripen C/D e E/F
Esse investimento pode estar bem colocado, pois os C/Ds de nova fabricação são os que representam as melhores oportunidades de curto prazo para as vendas do Gripen, principalmente em três países. A Eslováquia tem uma necessidade urgente de substituir seus MiG-29 russos e vem conversando com a Saab desde 2015, com um novo pedido no último outono. A Saab propôs um pacote completo, incluindo o treinamento de pilotos e técnicos, e destaca a interoperabilidade da OTAN e a boa experiência do Gripen com o vizinho da Eslováquia, a República Tcheca. O Gripen C/D está competindo na Eslováquia com os Lockheed Martin F-16s portugueses usados e os Eurofighter Typhoon Tranche 1 excedentes.
Se o Gripen for selecionada na Eslováquia, fortalecerá a presença da aeronave na Europa Central e aumentará a possibilidade de estabelecer uma instalação de manutenção na região. Uma nação que poderia se beneficiar é a Bulgária, que também está buscando urgentemente um substituto do MiG-29. Um RFP (pedido de propostas) foi emitido em dezembro do ano passado, ao que a Saab respondeu com um pacote de Gripen C/D completo. A Força Aérea Búlgara anunciou em abril que o Gripen era sua escolha preferida.
Um terceiro prospecto forte de curto prazo é a Botswana, onde as discussões estão em andamento após uma resposta do governo sueco a um RFP emitido em dezembro. No Botswana, o Gripen está competindo contra o KAI FA-50 para uma aeronave que substitua os velhos Northrop F-5s. Se selecionado, a Saab proporcionaria treinamento mais suporte logístico inicial e manutenção para a força aérea do país africano.
Para o Gripen E/F, existem duas grandes oportunidades na Europa. A Finlândia, vizinha da Suécia e parceira de defesa cada vez mais próxima, tem um requisito para entre 48 e 60 aeronaves que substituam sua frota de Boeing F-18 Hornet. O programa está no estágio de RFI (pedido de informação) e o Gripen E é visto como ideal para o tipo de missões avançadas que a Força Aérea Finlandesa está buscando realizar. As sinergias de operar o mesmo tipo de aeronave que a Suécia em uma rede de defesa cada vez mais integrada também fazem parte da atração do Gripen E.
A Bélgica está no estágio de RFP para 30 a 40 aeronaves e o Gripen E está sendo licitado contra o Super Hornet, Rafale, Typhoon e Lockheed Martin F-35. A Suíça é outra perspectiva: enquanto o Gripen foi previamente selecionado pela Força Aérea Suíça — antes que um referendo público rejeitasse a proposta de compra de novos caças — o requisito ainda permanece e está se tornando cada vez mais urgente. Provavelmente é apenas uma questão de tempo antes de a Força Aérea Suíça embarcar em um novo programa de compras, e que provavelmente vai englobar mais do que os 22 aviões da aquisição anterior cancelada.
Provavelmente, a perspectiva mais empolgante para o Gripen, no entanto, está na Índia, que está buscando um substituto para o MiG-21 que possa ser construído no país. O Ministério da Defesa indiano especificou um projeto de um único motor, o que efetivamente deixa o Gripen lutando contra o F-16. Em apoio à sua proposta, a Saab destacou o sucesso da transferência de tecnologia associada ao programa Gripen brasileiro, além de sugerir a parte que a Índia poderia desempenhar no desenvolvimento, como o do próprio radar de combate AESA de nitreto de gálio da Saab.
Em outros lugares do mundo, a Saab está observando atentamente os acontecimentos no Canadá, onde o governo Trudeau sinalizou a intenção de comprar o Boeing Super Hornet como caça interino enquanto adiava uma decisão definitiva sobre o que deveria substituir a sua antiga frota de Hornet. No entanto, a compra do Super Hornet ainda não foi contratada e recentemente passou por um minucioso escrutínio. Para a Saab, uma compra intermediária pode ser vista como uma oportunidade nas mãos do Gripen E/F, uma vez que uma decisão adiada poderia adequar melhor a escala de tempo de entrega.
Outras perspectivas para o Gripen incluem a Colômbia, que está procurando substituir os IAI Kfirs; a Malásia, que vem avaliando Gripen, Typhoon, Rafale e Super Hornet há alguns anos; e as Filipinas, que tem um requisito para um caça multifunção. A Indonésia também tem um requisito para uma substituição dos F-5, para o qual Typhoon, Gripen e F-16 estão oferecendo como uma alternativa ao Sukhoi Su-35. A Saab sugeriu que poderia instalar uma linha de montagem nas instalações de Bandung da PTDI como parte de sua proposta, que também poderia incluir aeronaves AEW em um pacote semelhante ao entregue à Tailândia. (Nota do Tradutor: a Indonésia anunciou em agosto que vai comprar 11 caças Sukhoi no valor de US$ 1,14 bilhão da Rússia em troca de produtos indonésios).
Gripens brasileiros
O Brasil encomendou 36 caças Gripen E/F e sua indústria aeroespacial está desempenhando um papel fundamental na aeronave de nova geração. A Embraer lidera o consórcio brasileiro e os principais componentes da aeronave, como seções de fuselagem dianteira e traseira, caixa de asa, cauda e freio aerodinâmico serão fabricadas na instalação Saab Aeronáutica Montagens (SAM) em São Bernardo do Campo. Um centro de montagem final está sendo completado em Gavião Peixoto – SP, onde a GDDN (Gripen Design and Development Network) foi inaugurada em novembro passado. Outras empresas brasileiras envolvidas incluem AEL Sistemas, Akaer, Atech, Atmos, DCTA e Inbra Aerospace.
As atividades de desenvolvimento que estão sendo realizadas no Brasil estão centradas em torno do Gripen F biposto, para o qual uma equipe conjunta da Saab-Embraer foi formada na GDDN. O Brasil também é responsável pelo Gripen marítimo proposto para operar em porta-aviões, para o qual um estudo de viabilidade faz parte do programa de compensação tecnológica.
Grande parte do desenvolvimento do cockpit está sendo realizado no Brasil, com a subsidiária da Elbit AEL Sistemas liderando o esforço. O Brasil especificou um layout do cockpit com uma única tela ampla WAD e uma versão de mira montada no capacete Elbit Targo. A Suécia ainda não decidiu se vai para a tela ampla ou emprega um cockpit semelhante ao encontrado no Gripen C/D, com três monitores grandes multifunções em cores.
Para atender ao cronograma de entrega especificado, a montagem do primeiro Gripen para o Brasil será realizada na Suécia, mas essa atividade será transferida para Gavião Peixoto para que mais de 20 das 36 aeronaves sejam montadas no país. Na verdade, o primeiro avião de produção da linha de Linköping é para o Brasil. Programado para entrar na montagem final no final de 2017, e para voar em 2019, permanecerá na Suécia em campanha de testes por alguns meses.
A instalação de Gavião Peixoto também realizará atividades de teste de voo em um centro que espelhará o que é feito em Linköping. Os planos para um programa de teste brasileiro de entre 500 e 900 voos já estão sendo reunidos, com voos programados para começar no Brasil em 2020.
Relatando o programa, o brigadeiro Bonotto, presidente da Comissão Coordenadora do Programa Aeronave de Combate (COPAC) do Brasil, observou: “Estamos no prazo previsto. Embora tenhamos uma crise financeira no Brasil, a Gripen é nossa prioridade. Durante 20 anos, esperamos por um novo caça, e agora estamos muito perto”.
O Brasil declarou um requisito para mais aeronaves seguindo o lote inicial de 36, tendo sido mencionado cerca de 100 unidades. “Nós temos um número em mente, mas depois de ter visto as capacidades da aeronave, esse número pode mudar”, disse Bonotto, referindo-se ao considerável salto de capacidade entre o Gripen E/F e as aeronaves que vai substituir. “É difícil [avaliar] com aviões antigos, como o F-5 e o AMX se os trocaremos um por um. É por isso que não temos a resposta agora”.
FONTE: AINonline / Tradução e adaptação do Poder Aéreo