Tecnologias imaturas contribuíram para o atraso do Programa JSF
Antes do projeto da Lockheed Martin ser escolhido, o Pentágono foi alertado sobre tecnologias que apresentavam riscos para o prosseguimento do programa.
Recomendação para adiamento da fase seguinte foi ignorada e as consequências afetam o programa até hoje.
por Guilherme Poggio
O método em questão avalia o nível evolutivo de determinada tecnologia a ser empregada num outro sistema. Inicialmente a tecnologia era classificada em uma das sete categorias denominadas “nível de prontidão tecnológico” (TRL – technology readiness levels). Este posteriormente acabou evoluindo para nove categorias.
O método classifica a tecnologia desde o seu nível mais primitivo (estudos teóricos de conceitos básicos), passando por demonstrações laboratoriais e terminando com a validação da mesma integrada ao produto final. Ou seja, quanto maior for o TRL, mais madura estará a tecnologia (ver detalhes das descrições dos níveis na tabela abaixo – clique para ampliar).
Quando o Programa JSF foi lançado o Pentágono (Departamento de Defesa dos EUA), órgão responsável pelo gerenciamento do programa, ainda não usava esta ferramenta para avaliação de seus projetos. Porém, a Força Aérea dos EUA (USAF), através do Laboratório de Pesquisa da Base Aérea de Wright-Patterson (estado de Ohio), já havia adotado o método da NASA, adaptando-o para sistemas de armas.
Em 1999 o GAO (O (Government Accountability Office), órgão de apoio do Congresso dos EUA (algo semelhante à Controladoria Geral a União aqui no Brasil), avaliou como boas práticas poderiam melhorar a incorporação de novas tecnologias nos programas de desenvolvimento de sistemas de armas. Uma das ferramentas empregadas pelo GAO foi exatamente a classificação TRL conforme modificações feitas pela USAF.
Através dos estudos efetuados pelo GAO foi possível avaliar e comparar alguns programas civis e militares e identificar e justificar sucessos e fracassos. No geral, o GAO concluiu que o emprego de tecnologias pouco desenvolvidas pelo Pentágono aumentava o risco dos programas.
No ano seguinte o GAO desenvolveu trabalho semelhante, porém voltado exclusivamente para o programa JSF. É importante destacar que naquela época o Programa JSF ainda estava na sua fase CPD (Concept Demonstration Program), ou seja, a Lockheed Martin e a Boeing competiam entre si para ver qual dos dois projetos (X-35 e X-32 respectivamente) seria escolhido.
Cabe aqui fazer um parêntese, pois a fase CPD já era uma aberração em relação ao tradicional processo de ciclo de aquisição de sistemas de combate do Pentágono até aquela data (ver figura abaixo). A fase CPD fundia a fase de CE (Concept Exploration) com a fase PDRR (Program Definition and Risk Reduction). Desta maneira os requisitos finais de desempenho, decididos ainda no início do processo, eram deixados para o fim da fase. Segundo os defensores da ideia este movimento permitia uma flexibilidade maior em relação a custos e compromissos de desempenho.
O GAO solicitou então que o escritório do programa JSF identificasse oito áreas onde a tecnologia era crítica para que o programa atingisse objetivos relacionados a custo, cronograma, desempenho e objetivos. Essas áreas eram: gerenciamento de prognósticos, controle integrado de propulsão e voo, subsistemas, sistema de apoio integrado, núcleo do processador integrado, radar, processo de fabricação, integração de sistemas de missão (ver detalhes das descrições dessas tecnologias na tabela abaixo – clique para ampliar)
Das oito áreas críticas, nenhuma delas atingia o nível TRL7, estágio onde haveria risco aceitável para que o projeto entrasse na fase seguinte, Desenvolvimento de Engenharia e Produção (EMD – Engineering and Manufacturing Development). Seis delas estavam em níveis inferiores a TRL6, nível este considerado necessário para o programa entrar na fase CDP (sendo que o JSF entrou nesta fase em 1996). Somente através dessa análise já era possível dizer que o programa do JSF poderia enfrentar sérios riscos em função da falta de maturidade tecnológica (ver imagem abaixo). Diante desta conclusão o GAO recomendou que o Secretário de Defesa adiasse o início da fase EMD do Programa JSF até que determinadas tecnologias atingissem a maturidade necessária.
A primeira reação do Pentágono frente a este relatório do GAO foi afirmar que o método TRL era equivalente ao método dos “modelos de Willoughby”, este último largamente empregado pelo Pentágono. No entanto, ambos servem a diferentes propósitos e o emprego de um não elimina o do outro. Os “modelos de Willoughby” são ferramentas para gerenciar riscos de programas, e não identificá-los. Já o método TRL se provou eficiente na identificação de riscos. Em outras palavras, eles deveriam ser usados em conjunto e sequencialmente.
Anos depois o Pentágono acabou por adotar o método TRL, mas o projeto da Lockheed Martin já havia sido declarado vencedor e o programa JSF estava a todo vapor dentro da fase seguinte, a EMD. Esta fase, que começou assim que o X-35 da Lockheed Martin foi declarado vencedor (23 de outubro de 2001) e deveria durar inicialmente oito anos, passou para dez anos logo em seguida e até o momento (março de 2017) não foi concluída.
Hoje como sabemos o Pentágono não soube gerenciar os riscos de determinadas tecnologias necessárias para o bom andamento do programa. Muitos dos atrasos atuais possuem raízes em decisões equivocadas tomadas no passado e não somente em indesejadas surpresas que inesperadamente surgiram ao longo do desenvolvimento da aeronave.