Aeronáutica coloca a venda oito dos seus doze Mirage 2000
Segundo edital, o lance mínimo é de US$ 2,5 mi
atualizado em 2/5/2016
O Comando da Aeronáutica, através a da sua Comissão Aeronáutica Brasileira na Europa (CABE) colocou à venda oito dos seus 12 caças Dassault Mirage 2000. Estas aeronaves foram oficialmente desativadas em dezembro de 2013.
No dia 20 de abril o Poder Aéreo havia anunciado o lançamento do edital 002/BACE/2016 que diz respeito ao processo de licitação para a venda de peças e equipamentos do programa F-2000. Por total falta de tempo, este editor acabou não montando a matéria sobre o edital 004/BACE/2016 referente à venda das respectivas aeronaves. Segue a matéria, começando por um pouco de história.
O ‘Gap Filler’
No dia 15 de julho de 2005, o presidente Luis Inácio Lula da Silva e o seu colega francês Jacques Chirac encontraram-se em Paris e assinaram um contrato para a transferência de 12 caças Dassault Mirage 2000 (dez “C” e dois “B”), provenientes dos estoques do Armée de l’Air (Força Aérea Francesa) para a Força Aérea Brasileira (FAB).
O contrato, no valor de 80 milhões de Euros (sendo 20 milhões relacionados ao pacote de suprimentos), incluía o treinamento das tripulações e o suporte técnico. As entregas foram feitas em três lotes distintos de quatro aeronaves cada, sendo os primeiros entregues em 2006, outros quatro em 2007 e os últimos em 2008.
O armamento incluído no pacote compreendia 10 mísseis Matra Super 530D (mais 4 de treinamento) e 22 Matra Magic 2 (mais 6 de treinamento), além de 3.750 cartuchos de 30mm, 288 chaffs e 64 flares. Apenas o custo do armamento foi de 6,8 milhões de euros. Como parte dos equipamentos de apoio foram recebidos 10 tanques externos de combustível ventrais de 1.300 l e seis de 2.000 l (nos pontos internos de cada asa).
As aeronaves passaram por um processo de inspeção antes da transferência para o Brasil. Sendo assim, na época da aquisição os Mirage 2000C/B possuíam mil horas de voo disponíveis. Esta marca foi atingida em 2011 e, para continuar a voá-los até o final de 2013 a FAB fez esforços enormes. Entre eles estava a extensão do contrato de suporte logístico (CLS) e encostar metade da frota no último ano de operação para que as demais pudessem voar.
O Mirage 2000 C/B foi a solução intermediária encontrada para substituir os velhos Mirage IIIBR até que o país recebesse o seu caça definitivo, que seria escolhido através do programa F-X2. Como o processo de definição do programa sofreu diversos atrasos os Mirage 2000 deram baixa antes que um novo caça entrasse em operação.
Primeiros Lotes
Os Mirage 2000 que foram transferidos para o Brasil eram aeronaves que pertenciam aos primeiros lotes produzidos pela Dassault e foram construídos entre 1984 e 1987. Para entender o que isso significa é preciso conhecer a evolução do programa.
O Mirage 2000C foi construído em cinco lotes principais (S1 a S5), e algumas subvariantes (como S4-1, S4-2 e S5-2C). Os primeiros 15 exemplares de produção pertenciam ao lote S1 e as 22 aeronaves subsequentes (da 16 até a 37) pertenciam aos lotes S2 e S3. A principal diferença entre estes lotes estava no estágio de evolução do radar.
Dentre os principais itens do Mirage 2000 o desenvolvimento do radar foi o que sofreu mais atrasos. Mesmo assim a Força Aérea Francesa resolveu colocar a aeronave em serviço e neste caso optou-se por um radar mais antigo, baseado no modelo Cyrano 5, que recebeu a designação “Radar Doppler Multfuncional” ou simplesmente RDM.
Além do radar RDM os caças desses três primeiros lotes receberam o motor turbofan SNECMA M53-5 de 19.400 libras de empuxo com pós combustor (ou 8.800 kg). Este era mais potente que o M53-2 empregado nos protótipos, mas não seria o motor definitivo do Mirage 2000C. Da 38º aeronave em diante (lotes S4 e S5) os Mirage 2000C passaram a sair de linha com o motor M53-P2. Além disso, o radar definitivo passou a ser o tão esperado RDI.
Portanto, dos 124 Mirage 2000C construídos para a Força Aérea Francesa, apenas 37 possuíam radar RDM (em diferentes estágios evolutivos) e motor M53-5. Para resolver questões logísticas e atualizar as aeronaves dos três primeiros lotes, todas elas foram elevadas ao padrão S3.
Quando a Força Aérea Francesa resolveu modificar 37 de seus Mirage 2000C (lotes S4 e S5) para o padrão 2000-5F, o radar RDI desses aviões foi substituído pelo modelo RDY e ao invés de descartar o radar antigo eles foram reaproveitados nos Mirage 2000C dos primeiros lotes. O processo de conversão ocorreu ao longo da segunda metade da década de 1990, conforme os radares eram retirados dos aviões a serem elevados para o padrão 2000-5F.
Em relação ao motor, nada foi feito e os 37 caças dos três lotes iniciais continuaram a voar com o M53-5 originalmente instalados.
Preservando os demais?
Na tabela abaixo são descriminadas as aeronaves que fazem parte do processo de venda definitiva e estão listadas no Anexo I do edital. É interessante observar que apenas oito das 12 células adquiridas em 2005 foram colocadas a venda. Destaca-se o fato da FAB não ter perdido nenhuma das aeronaves adquiridas em 2005 em acidentes operacionais.
ORDEM | S/N | MATRÍCULA |
---|---|---|
01/08 | 78 | 4940 |
02/08 | 96 | 4941 |
03/08 | 140 | 4942 |
04/08 | 127 | 4943 |
05/08 | 15 | 4944 |
02/06 | 68 | 4945 |
07/08 | 13 | 4946 |
08/08 | 158 | 4947 |
Sendo assim sobraram outros quatro Mirage 2000 que não serão vendidos, incluindo dois monopostos (FAB 4948 e FAB 4949) e dois bipostos (FAB 4932 e FAB 4933). Seriam todos eles preservados? Esta é uma pergunta interessante.
Sabe-se que pelo menos um deles seguiu para o MUSAL (Museu Aeroespacial). Trata-se do FAB 4948, um Mirage 2000 monoposto, que realizou seu último voo em 31 de dezembro de 2013. Oficialmente o 4948 foi incorporado à coleção do MUSAL em 25 de abril de 2014.
O mais intrigante é o caso dos bipostos, pois um número reduzido de unidades foi fabricado (dos cerca de 600 Mirage 2000 construídos, perto de 10% foram bipostos) e poucas dessas aeronaves continuam voando.
Portanto, são aeronaves mais valiosas no mercado e um dos principais usuários de Mirage 2000 no mundo (a Índia) está com um número reduzido de bipostos.
Vale a pena modernizá-los?
Muitos leitores do Poder Aéreo costumam perguntar sobre a possibilidade de manter esses aviões na FAB após um processo de modernização. Do ponto de vista técnico a resposta é “sim”. As aeronaves poderiam continuar voando nas cores da FAB bastando que as mesmas fossem submetidas a revisões e reparos definidos pelo fabricante. Mas por que manter um avião tecnologicamente defasado em atividade? É importante lembrar que nem mesmo mísseis BVR esses aviões podem empregar, uma vez que os mísseis Matra Super 530D (único compatível com o modelo) não são mais fabricados e foram tirados de operação na Força Aérea Francesa – os atuais Mirage 2000C/B da França só empregam hoje mísseis ar-ar Magic 2, de curto alcance, e voam apenas em esquadrão de conversão operacional.
Deve-se lembrar que muitos dos Mirage 2000H (versão semelhante ao 2000C) da Índia possuem a mesma idade dos aviões que foram empregados pela FAB e a Força Aérea Indiana pretende empregá-los por pelo menos mais 20 anos.
No entanto, os Mirage 2000 da Índia sofrerão um extenso e profundo processo de modernização, elevando a capacidade dos mesmos para um padrão superior ao 2000-5 Mk 2 empregados pela Grécia ( entre os mais atuais do modelo, no mundo, até o momento).
É importante destacar também que a modernização dos Mirage 2000 indianos não será rápida nem tão pouco barata. O primeiro avião modernizado voou no final de 2013 e o programa deverá estar completo após nove anos.
Estima-se que para modernizar cerca de meia centena de caças serão gastos aproximadamente 4 bilhões de dólares (incluindo aqui a compra de novos armamentos e a construção de instalações no país para executar os trabalhos) ou cerca de 79 milhões de dólares por aeronave. Com este valor é possível adquirir um caça moderno novo em folha entregue diretamente das linhas de montagem do fabricante.
Tomando como base a proposta feita ao Peru para a modernização dos seus Mirage 2000P para um padrão semelhante (porém, ligeiramente mais simples) ao -5 Mk2, cerca de sete anos atrás, o custo ficaria próximo de 30 milhões de dólares por aeronave.
Vale dizer que esses 30 milhões por aeronave é ligeiramente inferior ao que custaria cada Mirage 2000 indiano modernizado se não fosse a transferência de tecnologia para o serviço na maior parte da frota a ser feito (e dominado) pela Índia na HAL, o que praticamente dobrou o custo unitário.
Porém, o que foi efetivamente contratado pelo Peru foi uma grande revisão nível parque das aeronaves (revisão VP5) que saiu por pouco mais de 10 milhões de dólares a aeronave.
Voar e treinar
Obviamente que somente o processo de modernização das aeronaves não garante a soberania do espaço aéreo. É preciso voar e treinar. Há relatos de que a hora de voo de um Mirage 2000 na FAB custava algo em torno de 15 a 20 mil dólares. Ou seja, o Mirage 2000 não é um caça de baixo custo e seriam necessários esforços consideráveis (do ponto de vista orçamentário) para que a FAB mantivesse esses aviões no ar diante de recursos cada vez mais escassos.
A verdade é que a resposta aos desafios futuros da defesa aérea do Brasil não estão no passado, mas sim no futuro. O momento agora e investir todos os recursos e os esforços no cumprimento do programa de implementação do caça Gripen E, aeronave escolhida dentro do programa F-X2 e que representará a espinha dorsal da aviação de caça da FAB. Até lá a defesa do espaço aéreo do Brasil deve se manter como pode.
Link para o edital completo – https://www.bace.org.uk/announcements_cabe.html