Rota turbulenta do Rafale para a Índia agora passa pelo Ministério da Justiça
Ministério da Justiça indiano recomendou ao Ministério da Defesa reconsiderar certas cláusulas do acordo para compra do caça francês Rafale, que iriam contra o interesse da Índia
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Mais um fator de turbulência se colocou na rota de aproximação para a Índia de um contrato de compra do caça francês Rafale. Desta vez, é o Ministério da Justiça (Ministry of Law and Justice) da Índia, tido como o ramo mais antigo do governo indiano por traçar sua origem em ato de 1833 do Parlamento Britânico, levantar questões sobre o acordo em negociação para compra de 36 exemplares “de prateleira” do jato fabricado pela Dassault.
Segundo o jornal Economic Times, o Ministério da Justiça alertou o governo indiano de que certas cláusulas do esboço de acordo governo a governo assinado para viabilizar a compra dos caças, quando da visita do presidente francês François Hollande em 25 de janeiro para as celebrações do “Republic Day da Índia, não são do interesse do país. A instituição aconselhou o Ministério da Defesa a reconsiderar certas cláusulas do acordo para sua finalização.
Índia quer garantia do governo francês – Entre as cláusulas, estão uma relacionada a eventual violação material por parte de empresas francesas no cumprimento de suas obrigações quanto ao protocolo de suprimento. No caso dessa violação ocorrer, o acordo governo a governo assinado diz que os indianos primeiro deveriam tomar ações legais contra esses fornecedores, mas não poderia envolver o governo francês.
O Ministério da Justiça sugere que a cláusula de responsabilidade, a ser acionada no caso de qualquer deficiência no cumprimento do acordo pelas empresas, deveria ser mais rigorosa e incluir o governo francês.
Arbitragem e outros problemas – O esboço do acordo assinado também elege a Suíça como foro para arbitragens em caso de disputas comerciais, mas o ministério opinou que esses procedimentos deveriam ser realizados na Índia.
O acordo governo a governo para viabilizar a compra do Rafale foi assinado em 25 de janeiro junto com outros 14 pactos entre a Índia e a França, após extensas conversações entre o primeiro ministro indiano Narendra Modi e o presidente francês Hollande. Ainda segundo o Economic Times ao invés do contrato de compra dos caças só foi assinado o acordo governo a governo, na ocasião da visita do mandatário da França, devido a questões financeiras.
Um longo processo – As negociações para assinatura do contrato de compra do Rafale, fabricado pela Dassault Aviation, se arrastam desde abril de 2015, quando o primeiro ministro Modi visitou a França e anunciou o interesse da Índia em comprar 36 exemplares em “condição de voo” (flyaway condition, expressão que é aparentada à chamada compra “de prateleira” ou “off the shelf” – embora o significado técnico não seja exatamente o mesmo, são expressões que indicam uma compra direta, em condições mais próximas ao equipamento em produção pelo fabricante, sem grandes customizações e visando uma entrega mais rápida por aproveitar o padrão que está na linha de montagem).
Essa compra “de prateleira” contrasta com a proposta inicial do programa MMRCA (avião de combate multitarefa de porte médio), que era de aquisição de 126 caças, dos quais 108 seriam produzidos na Índia com gradativa transferência de tecnologia, no qual a oferta do Dassault Rafale foi anunciada em janeiro de 2012 como vencedora frente a outras cinco concorrentes num longo processo de seleção, no qual o competidor da fase final foi o Eurofighter Typhoon. Entre 2012 e 2015, o processo de negociação do Rafale no escopo do MMRCA se arrastou por questões financeiras e de garantias do processo de transferência de tecnologia e de produção (que ficaria a cargo da estatal indiana HAL). E mesmo com a mudança para uma compra direta de 1/4 do total pretendido, as negociações para o caça finalmente ser comprado pela Índia continuaram a se mostrar problemáticas, primeiro pelo preço, e agora também na questão das responsabilidades.
Gato escaldado com água russa tem medo de colônia francesa – Reportagem do jornal Business Standard detalhou um pouco mais essa questão das responsabilidades e traçou suas origens na compra feita junto à Rússia, em 2004, de 40 caças Sukhoi Su-30MKI adicionais. Na ocasião, o gabinete indiano isentou a Rússia de fornecer garantias bancárias para cobrir obrigações de desempenho e de entregas para os novos aviões, por insistência dos russos, que alegaram ter a Rússia uma relação estratégica com a Índia, além da comprovada performance do Su-30MKI. Porém, nos anos seguintes, os indianos se arrependeram, pois o jato russo consistentemente desapontou a Força Aérea Indiana com taxas de disponibilidade inferiores a 50%.
Por isso, segundo o Business Standard, haveria a insistência agora de incluir não apenas a Dassault, mas o governo francês, na responsabilidade por eventuais problemas no desempenho e nas entregas do Rafale para a Índia. Este seria o desejo não só do Ministério da Justiça, mas também da Defesa, mas os franceses (assim como fizeram antes os russos) estariam acenando apenas com uma “carta de conforto”, um termo derrogatório para um compromisso escrito, porém comercialmente inexequível, de seu governo para trabalhar em prol do cumprimento das cláusulas do contrato.
Custo estaria relacionado às exigências de garantias governamentais – O valor do pacote de compra dos 36 caças continua sendo um problema para finalizar o acordo. O Business Standard informou que o pretendido pela Dassault está na faixa de 11 a 12 bilhões de euros, custo considerado exorbitante pelo Ministério da Defesa, que pretende baixá-lo para não mais de 9 bilhões.
Fontes do jornal, ligadas ao assunto, especulam que os Indianos estariam tentando reduzir os custos da Dassault com a transferência das garantias desta para o governo francês. Isso porque uma garantia bancária custaria entre 3 e 4% do valor do contrato para a Dassault, enquanto uma garantia governamental não teria custo.
Entrada menos salgada – O valor do pagamento previsto para ocorrer no ato da assinatura do contrato também seria uma questão pendente. Os procedimentos de compra de materiais de defesa da Índia prescrevem um pagamento à vista de 15%. Em seguida, viriam os pagamentos de 70% do contrato em sintonia com os marcos de entrega, restando 15% para pagar durante o período de garantia, para cobrir eventuais defeitos.
Porém, o que se tem visto no Ministério da Defesa é pagamentos de até 25% do valor do contrato na assinatura, deixando de lado também a exigência de 15% após as entregas (garantia), e especula-se que o ministério agora estaria tentando ser mais estrito com os procedimentos de compra estabelecidos no caso da compra do Rafale.
FOTOS: Dassault, Economic Times e Força Aérea Francesa
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