Programa AMX: da concepção à modernização
Ainda assim, isso não evitou que a aeronave demonstrasse as suas capacidades em operações simuladas ou em combates reais. Nos céus do Kosovo, da Líbia e do Afeganistão, nos exercícios sobre o deserto dos Estados Unidos, ou cruzando o Brasil de ponta a ponta, o AMX tem demonstrado o seu valor. Exatamente por este motivo, tanto a Força Aérea Italiana, onde o AMX é conhecido como “Ghibli”, quanto a Força Aérea Brasileira (FAB), que o denomina A-1, resolveram dar nova vida a esses jatos de ataque. Na Itália, foi entregue em 2012 o último AMX do programa de modernização italiano e, em 2013, a FAB recebeu seus primeiros exemplares do avião totalmente modernizado e revitalizado para mais vinte anos de atividades, agora sob a denominação A-1M. Mas antes de discorrermos sobre os programas de modernização, é fundamental conhecer a concepção do programa e o seu desenvolvimento.
Penetração a baixa altitude
Desde o final da década de 1950 os estrategistas do Bloco Ocidental acreditavam que a melhor forma das aeronaves de ataque da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) penetrarem em território hostil era em voos a baixa altitude. Nessa linha de pensamento, a tática contribuiria muito para compensar a superioridade numérica que as forças do Pacto de Varsóvia (liderado pela União Soviética) em breve deveriam adquirir no Teatro Europeu. Voando baixo e rápido, os caças-bombardeiros poderiam penetrar nas defesas inimigas e atacar alvos táticos e estratégicos.
Porém, o “avião ideal” para este perfil de missão ainda não existia e muitos países empregavam adaptações de caças interceptadores. Esta opção se mostrou estar longe do aceitável, pois voar baixo e rápido exigia projetos específicos.
Primeiramente, a densidade do ar a baixa altitude aumenta os esforços impostos à estrutura do avião, para a qual é necessário um projeto mais robusto. A sensibilidade à turbulência próxima do solo requer um desenho de asa cuja razão de aspecto (relação entre a corda média e a envergadura) seja a mais baixa possível. Isso contribui para um melhor conforto da tripulação, que receberá menos solavancos, impactando para melhorar o desempenho de suas tarefas. Também em baixa altitude os motores queimam mais combustível, reduzindo o alcance da aeronave, e esse consumo era algo muito importante a ser considerado. Por último, a manobrabilidade em baixa altitude é sinônimo de sobrevivência, seja para desviar de acidentes geográficos ou para escapar de defesas antiaéreas.
Missões AI, BAI, CAS
e a chegada do Tornado
O melhor exemplo de projeto de jato para penetração a baixa altitude, concebido ainda na década de 1960, era o Tornado, do consórcio industrial europeu Panavia. Faziam parte do consórcio Reino Unido, Alemanha, Holanda e Itália. A Holanda desligou-se ainda em 1969 e os outros três parceiros resolveram cancelar o modelo monoposto, designado Panavia 100. Restou então o biposto de ataque ao solo e penetração a baixa altitude, o Panavia 200, posteriormente batizado de Tornado. O programa Panavia Tornado tomou corpo no início da década de 1970, sendo que o primeiro protótipo ficou pronto no segundo semestre de 1973.
O projeto do Tornado visava missões de AI (Air Interdiction – interdição aérea em profundidade), tanto de caráter tático quanto estratégico, contra alvos terrestres de elevado valor situados bem dentro do território inimigo (“deep strike”), incluindo o que muitos autores definem como CAO (Counter Air Operations).
O jato também poderia ser empregado em missões táticas de BAI (Battlefield Air Interdiction – interdição aérea do campo de batalha), voltada a alvos terrestres logo atrás das linhas inimigas, embora este tipo de missão não exigisse uma aeronave tão complexa e de grande raio de ação, como era o Tornado. Missões CAS (Close Air Support – apoio aéreo aproximado) também não exigiam um jato com o seu desempenho.
As forças aéreas dos três países do programa Panavia Tornado possuíam filosofias semelhantes em relação às missões AI, mas divergiam sobre as BAI e CAS. Reino Unido e Itália defendiam a adoção de outro jato para estas duas missões. No entanto, desde a apresentação dos estudos da americana Northrop sobre o caça P-530 Cobra (posteriormente YF-17), os alemães convenceram-se de que não havia a necessidade de uma aeronave específica para missões BAI, concluindo que na Luftwaffe este papel seria assumido, em parte, pelo próprio Tornado. Já o Alpha Jet, para os alemães, poderia atuar como aeronave CAS.
Para o Reino Unido, o jato franco-britânico SEPECAT Jaguar poderia executar perfeitamente as missões BAI, ficando o Harrier encarregado das missões CAS. Embora a abordagem conceitual de ataque tático da Itália fosse próxima da visão britânica, para os italianos o Jaguar não era o avião correto para BAI. Nem tão pouco era interesse da Força Aérea Italiana (Aeronautica Militare Italiana – AMI) operar o Harrier. Os italianos necessitavam de outro tipo de aeronave para substituir no médio prazo os seus jatos Fiat G.91 nas missões CAS, além de uma nova aeronave para missões BAI.
A solução italiana
e o nascimento do AMX
A partir de 1973, a empresa estatal italiana Aeritalia, uma das consorciadas do programa Panavia, passou a avaliar alternativas para a substituição do G.91. Os estudos, designados 3-1x, baseavam-se em modificações do próprio G.91. Em junho de 1977, o Estado-Maior da AMI divulgou os requisitos básicos do que ficou conhecido como programa CBR.80 (Caccia Bombardiere Ricognitore per gli anni 80 – caça-bombardeiro e de reconhecimento dos anos 80). Basicamente, tratava-se de um jato de pequeno porte que pudesse atuar em missões de reconhecimento, interdição aérea do campo de batalha e apoio aéreo aproximado. Além disso, a aeronave deveria ter capacidade secundária para missões antinavio, de guerra eletrônica e de treinamento avançado.
A partir dos requisitos, a Aeritalia passou a trabalhar no modelo 3-2x/1x e seus derivados. Na mesma época, a empresa italiana Aeronautica Macchi (Aermacchi) desenvolvia seus próprios estudos para um jato de ataque leve, conhecido como MB.340, quando foi convidada a formar uma parceria com a Aeritalia no desenvolvimento do futuro CBR.80. Em abril de 1978, as duas empresas assinaram um acordo de cooperação para o desenvolvimento conjunto do projeto do futuro jato de ataque italiano, baseado no 3-20/13 da Aeritalia. A junção das iniciais de Aeritalia e Macchi, somadas à letra “X” que simbolizava o projeto (ou aeronave experimental), passaram a designar o programa, que não mais seria chamado de CBR.80, e sim de AMX.
O projeto detalhado deveria estar completo em 1979 e o protótipo voaria no final de 1982. Previa-se a aquisição de 180 unidades, com a primeira entrega em 1985 e a última em 1991. O desenvolvimento do programa como um todo ocorreria num curto período de tempo e deveria ter custos bastante baixos. Desde o início, o conceito “design-to-cost basis” foi adotado e o custo unitário estimado para cada aeronave seria de 2,1 milhões de libras esterlinas ou algo próximo de quatro milhões de dólares (valores de 1978).
Parte da tecnologia desenvolvida para o Tornado seria empregada no novo jato, economizando no desenvolvimento de certos sistemas. Mesmo assim, era desejável uma parceria com outro país como forma de garantir um número maior de encomendas e reduzir os custos. A busca por parceiros no programa do novo caça tático italiano não parecia fácil. Os países membros da OTAN não demonstraram interesse no projeto ou já tinham suas próprias alternativas. Era necessário buscar um parceiro fora da aliança militar.
Conversas com os suecos da Saab ocorreram entre 1977 e 1978. A Saab tinha uma proposta denominada B3LA, um projeto de avião biposto e monomotor para substituir não só o jato de treinamento Saab-105 (Sk 60 na Força Aérea da Suécia), mas também para executar missões típicas de um avião de ataque.
A proposta do caça sueco tinha muito em comum com o projeto italiano. As semelhanças entre os projetos ficam evidentes quando se comparam as concepções artísticas dos dois aviões. No entanto, mudanças políticas na Suécia no final de 1978 acabaram por cancelar o programa B3LA. Mesmo assim, a busca por um parceiro não estava encerrada.
O programa A-X da FAB
A aviação de caça da Força Aérea Brasileira passou por uma verdadeira revolução no início da década de 1970. Em 1971 o primeiro AT-26 Xavante (versão brasileira do treinador italiano Aermacchi MB.326G) montado pela Embraer fazia o seu voo inaugural, abrindo o caminho para um lote inicial de 112 jatos contratados em 1970 (número mais tarde ampliado para 166). Não era um caça, mas além de servir como último passo no treinamento de caçadores destinados a aviões de alto desempenho, tinha capacidade de ataque ao solo e deveria compor a segunda linha dos verdadeiros caças que estavam sendo adquiridos. Em 1972, chegava ao Brasil o primeiro de 16 interceptadores Dassault Mirage IIIEBR/DBR, contratados dois anos antes. A seguir, em 1973, a FAB selecionou o F-5E como seu caça de interdição e superioridade aérea, num total de 36 unidades (acrescidas de seis da versão de treinamento então disponível, o F-5B). Ou seja, em cerca de quatro anos a FAB firmou contratos para a aquisição de nada menos do que 170 jatos, sendo 58 supersônicos.
Por outro lado, aquela mesma época assistiu à degradação do equipamento de bombardeio e ataque da FAB. Resolvida a “questão da caça”, o então Ministério da Aeronáutica passou a se preocupar em reformular e modernizar suas aeronaves de ataque, reconhecimento e interdição. Estas eram funções executadas pelos B-26 Invader (renomeados A-26 a partir de 1970) operados pelo 1º/5º Grupo de Aviação (Natal/RN) e pelo 1º/10º Grupo de Aviação (Cumbica/SP), sendo que, neste último, também executava missões de reconhecimento. A substituição desses bimotores a pistão, projetados na Segunda Guerra Mundial, já era necessária devido à obsolescência e se tornou urgente após a descoberta de rachaduras nas longarinas das asas de boa parte da frota, em 1972.
O problema foi parcialmente contornado com a entrega de jatos AT-26 Xavante para determinadas unidades. Por exemplo, em 1976 o 1º/10º GAv trocou o Invader pelo Xavante, sendo transferido para a Base Aérea de Santa Maria no final de 1978. Também em Santa Maria, foi criado naquele mesmo ano o 3º/10º GAv, responsável por missões de interdição, apoio aéreo aproximado, ataque ao solo e ataque marítimo, compensando de certa forma a desativação temporária do 1º/5º GAV, que operou o Invader até 1973 (no final da década, foi reativado para realizar instrução em multimotores, equipado com C-95 Bandeirante).
O Xavante não era mais do que um jato de treinamento avançado capaz de executar missões de ataque leve e reconhecimento – tanto que, além de esquadrões com longa tradição de treinamento como o 1º/4º GAV, deveria inicialmente operar nos então denominados EMRA (Esquadrão Misto de Reconhecimento e Ataque). A FAB precisava de uma aeronave realmente dedicada a missões de ataque e com bom alcance e carga de bombas, como o Invader havia sido no passado, porém adaptada às exigências do campo de batalha do futuro que se projetava.
Assim surgiu o programa A-X, que buscava um avião de ataque capaz de executar missões de interdição do campo de batalha, reconhecimento e ataque marítimo. A ideia era buscar uma aeronave que, em desempenho, ficasse entre o F-5 e o Xavante. Nesse sentido, o Estado-Maior da Aeronáutica consultou a Embraer sobre a possibilidade de desenvolver um modelo monoposto do Xavante, com o propósito de elevar o envelope de emprego operacional da aeronave. Em resposta, a Embraer apresentou o seu projeto EMB-330 em setembro de 1974. Além de se parecer muito com o Xavante, o EMB-330 também guardava semelhanças com o MB.326K, o monoposto do MB.326 original, concebido antes mesmo que o Brasil assinasse o contrato de produção local do biposto. No entanto, o projeto não atendia aos requisitos básicos do Ministério da Aeronáutica (MAer), que buscava um avião mais sofisticado.
A Embraer continuou a estudar o assunto e a ideia evoluiu para o AX-I (denominação interna), surgido em agosto de 1975. O avião ainda guardava muitas das características do EMB-330, diferindo deste pelo enflechamento das asas e dos estabilizadores horizontais. Porém, como o EMB-330, o AX-I também não atendeu às exigências da FAB.
A etapa seguinte foi buscar cooperação com a proprietária do projeto original do MB.326, a Aermacchi, o que gerou, em fevereiro de 1976, um projeto completamente diferente dos anteriores, denominado pela Embraer de AX (às vezes referido como E/MB.340), e detalhado no documento EP-AX/065, daquele mês. Praticamente as únicas coisas que se conservaram foram os canhões DEFA de 30mm. O motor planejado passou a ser um turbofan (propunha-se o M-45H da Snecma/Rolls Royce) e as asas, enflechadas, passaram à parte superior da fuselagem. Com cauda em “T”, em vários aspectos o projeto lembrava o Saab 105.
O AX foi revisado em maio de 1977, recebendo melhorias e detalhes adicionais. O resultado final foi a publicação PT-AX/107, emitida em maio de 1977 e submetida à apreciação do Ministério da Aeronáutica. Tratava-se de um projeto bastante detalhado. Até mesmo a divisão de trabalho entre a Aermacchi e a Embraer estava definida: a empresa brasileira responderia por 1/3 do programa e dos custos, sendo responsável pelas seções das asas, empenagem e testes de fadiga da estrutura, enquanto a Aermacchi responderia pelos outros 2/3 e produziria a fuselagem, os sistemas de bordo, além de realizar os testes estáticos e com armamentos. Quatro protótipos seriam construídos (dois em cada país) a partir de 1978. O A-X (denominação da FAB, com hífen) aguardava apenas a “luz verde” do Ministério da Aeronáutica, mas não havia recursos para bancar o seu desenvolvimento, o que congelou o programa até o final de 1979, quando o brigadeiro Délio Jardim de Mattos assumiu o Ministério da Aeronáutica.
Antes que as conversações fossem retomadas com os italianos, um grupo de oficiais da FAB e especialistas da Embraer esteve no Reino Unido para avaliar a possibilidade de empregar a plataforma do jato British Aerospace (BAe) Hawk como a aeronave A-X. Os britânicos concordaram em modificar o avião para atingir as exigências da FAB, mas não estavam dispostos a dividir o trabalho de projeto com os brasileiros. No máximo, poderia haver uma negociação para produção licenciada.
A formação do consórcio com os italianos
A Aermacchi, que apoiava a Embraer nos estudos para o programa A-X da FAB e também colaborava com a Aeritalia no projeto AMX da Força Aérea Italiana, observou as semelhanças de ambos e sugeriu o início das conversações entre os dois países.
Após a reunião que o grupo de brasileiros teve com os representantes da BAe em Londres, a equipe seguiu para Roma, onde começaram as discussões sobre a possível participação do Brasil no programa AMX. As conversas foram retomadas no início de 1980, já com o propósito de se estabelecer as bases para um acordo de cooperação industrial.
Em março de 1980, a notícia veio a público. As autoridades aeronáuticas brasileiras anunciaram a decisão de participar do programa AMX com a assinatura da declaração de princípios na qual se reconhecia a conveniência recíproca das partes em realizarem o projeto em conjunto. Durante a Feira Aeroespacial de Farnborough (na Inglaterra) daquele ano, as três empresas anunciaram a assinatura do acordo de cooperação industrial (documento provisório), sendo que os detalhes técnicos e econômicos, bem como a participação de cada empresa no projeto, seriam estudados posteriormente.
Mas nem tudo eram flores. O relacionamento com a estatal Aeritalia, ao contrário da Aermacchi, foi tumultuado desde o início. Durante as negociações ficou clara a hostilidade dos italianos da Aeritalia, que era gerenciadora do programa, com relação aos brasileiros da Embraer. No final, o documento provisório não era favorável ao Brasil, e muito ainda deveria ser feito para que esse quadro mudasse.
O acordo governamental entre os dois países foi finalmente assinado em 27 de março de1981, praticamente um ano após a decisão brasileira de participar do programa. De um total de 266 exemplares a serem construídos, a Itália receberia 187 caças e o Brasil outros 79. As companhias italianas seriam responsáveis por 70,3% (sendo 46,7% para a Aeritalia e 23,6% para a Aermacchi) do programa, ficando a Embraer com 29,7%, valor este proporcional ao percentual de encomendas da FAB. Haveria três linhas de montagem (uma em casa empresa), mas os componentes seriam de fabricação exclusiva de cada uma delas (assim como o gerenciamento dos subcontratados). Coube à Embraer projetar e fabricar asas, tomadas de ar do motor, estabilizadores horizontais (somente para os protótipos), pilones subalares (“cabides de armas”) e tanques externos de combustível.
Em 1983 o projeto estava orçado em 600 milhões de dólares. Apenas para efeito comparativo, a Embraer gastou no desenvolvimento do EMB-120 Brasília, sozinha, 200 milhões de dólares. Por diversas razões, os custos do programa AMX foram subindo e, por volta de 1987, o Ministério da Aeronáutica já havia desembolsado perto de US$ 1,8 bilhão.
Definindo o projeto do AMX binacional
O AMX nasceu com uma função específica: executar ataque à superfície com penetração a baixa altitude. Por esse motivo, a aeronave foi “pensada” desde o começo para executar esta tarefa da melhor forma possível e por um custo relativamente baixo. Dentre as várias missões de ataque ao solo, a interdição aérea do campo de batalha por penetração a baixa altitude, em alta velocidade subsônica, exige características singulares. Um dos principais itens neste aspecto é o desenvolvimento das asas. Por esse motivo o Panavia Tornado, que possui um perfil de missão semelhante ao do AMX, foi projetado com asas de geometria variável, pois estas se adaptam ao melhor desempenho em qualquer regime de voo.
As asas de geometria variável foram até cogitadas no início do programa AMX (antes da Embraer entrar no consórcio), mas deixadas de lado porque não combinavam com a proposta de um avião de baixo peso, custo reduzido e pouca complexidade. Assim, buscou-se um projeto de asa com razão de aspecto que melhor atendesse ao regime de voo subsônico de alta velocidade em baixa altitude.
Voar rápido era importante, mas não em regime supersônico. Para este, seria necessário o uso de pós-combustão, que por sua vez aumentava o consumo de combustível, reduzindo o alcance. Existiam outras desvantagens em voar supersônico em altitudes baixas, relacionadas ao raio de curva (que aumenta conforme a velocidade), pois a penetração a baixa altitude sobre o terreno exige constantes manobras no plano horizontal. Portanto, definiu-se que a melhor faixa seria aquela do voo subsônico de alta velocidade.
Quanto ao alcance da aeronave, os requisitos iniciais da Aeronautica Militare Italiana falavam em raio de ação de 335km com uma carga externa de 1.360kg em regime “lo-lo-lo” (voo baixo durante toda a missão). Para os italianos, estes valores estavam de acordo com o seu cenário, europeu. Em função das “distâncias continentais” do Brasil, no cenário de emprego da América do Sul, a FAB necessitava de um raio de ação maior, num perfil de missão diferenciado, do tipo “hi-lo-hi” (perna de ida e volta em altitude de cruzeiro e penetração e ataque a baixa altitude), permitindo economia de combustível na maior parte do voo. Os requisitos iniciais falavam de raio operacional de aproximadamente 900km, com tanques de combustível externos.
Não bastava, porém, somente voar rápido e muito baixo dentro de território hostil. Era necessário garantir a sobrevivência da aeronave, e este era um dos itens principais das especificações. Buscou-se então dar redundância para os sistemas principais, o que é exemplificado pelo sistema de controle de voo. Este associa atuação mecânica e assistida por computador (“fly-by-wire”), uma novidade na época. O rolamento (movimento ao longo do eixo longitudinal) da aeronave é controlado pelos spoilers (atuação elétrica) e ailerons (atuação hidráulica e manual). Já a arfagem (movimento ao longo do eixo transversal), é controlada pelos estabilizadores horizontais (elétricos) e seus pequenos profundores (hidráulicos e manuais). Geralmente, ambos os sistemas atuam de forma conjunta, mas também podem atuar de forma isolada dentro de determinados envelopes de voo, redundância que traz maior segurança. Até mesmo a perda de ambos os sistemas hidráulicos permite ao avião a capacidade “flight home” (retorno à base) pelo uso do controle manual. O sistema fly-by-wire possui dois canais separados (redundância, mais uma vez) e, quando os spoilers são acionados como freios aerodinâmicos, o fly-by-wire atua automaticamente nos estabilizadores horizontais.
Outros itens como o alerta radar (RWR – Radar Warning Reciever) e dispersores de chaff e flare aumentariam a capacidade de sobrevivência do avião em território hostil.
A estrutura da fuselagem foi quase toda projetada em alumínio aeronáutico, com pequenas partes em aço. O emprego de materiais compostos foi feito onde havia possibilidades, de forma a reduzir ao máximo o peso da aeronave e conferir durabilidade e resistência. Os painéis de acesso, parte da estrutura da cauda, spoilers, ailerons e duto de ar do motor foram feitos com RPF (Reinforced Plactic Fibre – fibra plástica reforçada).
As tomadas de ar do motor foram posicionadas na parte mais alta da fuselagem, na raiz das asas, reduzindo a chance de FOD (Foreign Object Damage – dano por objeto externo) por ingestão. O posicionamento otimizava voos de alta velocidade subsônica.
O trem de pouso é do tipo triciclo, com uma roda em cada perna. O trem do nariz recolhe para trás e pode ser direcionado (uma característica importante em aeródromos desprovidos de apoio de solo). A porta do trem do nariz se fecha novamente depois que a perna é estendida, evitando a entrada de objetos estranhos levantados pelo pneu. O trem de pouso principal aloja-se na parte inferior da fuselagem e recolhe para a frente.
O avião foi concebido para utilizar pistas semipreparadas de comprimento relativamente curto e com pouca infraestrutura. Para maior controle em baixas velocidades (fundamental para o pouso curto), as asas possuem slats em todo o bordo de ataque e os flaps são grandes e de fenda dupla. As asas também foram posicionadas no alto da fuselagem, para maior distância em relação ao solo no táxi, pouso e decolagem, o que permite cargas externas de maior volume nas estações alares.
A escolha de um propulsor confiável
Inicialmente, os estudos para a definição de um propulsor a jato abrangiam vários candidatos. Motores norte-americanos foram descartados, pois temia-se que os Estados Unidos pudessem embargar a venda para determinados clientes externos, independentemente do fato dos EUA ser país amigo da Itália e do Brasil. A Itália teve uma experiência deste tipo, quando não pôde vender aviões de transporte G222 (que utilizavam motores norte-americanos GE T-64) para a Líbia, país com o qual os Estados Unidos tinham restrições. O mais cotado para o AMX era o europeu RB.199, utilizado pelo Tornado e produzido com participação da Itália. Apesar de ser moderno, carecia de empuxo sem pós-combustor e sua confiabilidade ainda não tinha sido comprovada.
O Spey da Rolls Royce era um pouco maior e mais pesado, porém, tinha potência adequada sem uso de pós-combustão, baixo custo, confiabilidade comprovada e consumo específico próximo ao do RB.199. Sua assinatura térmica era pequena, embora produzisse assinatura visual (fumaça) tanto quanto outros motores de sua época. O Spey foi selecionado no final de 1978, na época em que a associação com os suecos foi descartada. Com a definição do Spey, a ser produzido sob licença (ver mais à frente a divisão da produção) na Itália, o AMX cresceu um pouco em tamanho e peso. Os estudos de integração avião/motor ficaram prontos em junho de 1980, quando o AMX já assumia seu desenho final. A produção na Itália beneficiaria especialmente o setor de motores aeronáuticos da Alfa Romeo, uma vez que a produção do J79 para o F-104 Starfighter estava se encerrando e a participação no programa do RB.199 para o Tornado era restrita a 20%.
Visando a operação em aeródromos afastados e de pouca estrutura, o AMX foi desenhado para receber uma unidade de potência auxiliar (APU) para dar partida no motor sem recursos extras em solo. A Fiat Aviazione já havia desenvolvido a APU Agro, destinada ao programa ACA (Agile Combat Aircraft). Foi aceita pelo consórcio a proposta de uma variante dessa APU, a Fiat Agro FA 150, para instalação na parte inferior da fuselagem, atrás do trem de pouso principal direito.
Aviônicos e espaço para crescimento
Para um avião do seu porte, o AMX foi concebido para oferecer considerável espaço interno para aviônicos, o que foi muito útil durante os futuros programas de modernização (discutidos mais adiante). Também desde o início, a filosofia do projeto visava facilidade e rapidez para substituição de aviônicos e sistemas de bordo, do tipo LRU (Line Replaceable Unit), permitindo resolver panes em minutos, aumentando assim a disponibilidade da aeronave. Era exatamente nos aviônicos (além do canhão, também discutido mais à frente) que residia a principal diferença entre o modelo básico italiano e o brasileiro. Enquanto o AMX da Aeronautica Militare possuía diversos equipamentos padrão OTAN, a FAB selecionou equipamentos de navegação típicos da aviação civil brasileira, como ILS e ADF.
A integração dos aviônicos da cabine foi projetada desde o início para ser digital, utilizando um barramento de comunicação baseado no MIL-1553B da USAF (Força Aérea dos EUA). O AMX foi um dos primeiros jatos militares do mundo a ter um sistema integrado digitalmente. Na época (1981) o padrão MIL-1553B ainda era novidade (foi definido em 1973), equipando somente caças americanos como F-16, F-20 e F-18. Nem mesmo o Tornado tinha algo parecido. A Aeritalia desenvolveu a arquitetura do sistema, acompanhada de perto pela Embraer.
Com esse barramento de comunicação, as informações dos diversos aviônicos são transmitidas para dois computadores responsáveis pelo sistema de navegação, que conta com um equipamento inercial e um de ataque. Todas estas informações podem ser disponibilizadas para o piloto no HUD (Head-Up Display – visor ao nível dos olhos) e no HHD (Head-Down Display – tela no painel), e o auxílio do computador permite ao piloto executar ataques precisos à distância, bastando colocar o alvo na mira projetada pelo HUD, utilizando os modos de ataque CCIP/CCRP (Continously Calculated Impact Point/Continously Calculated Release Point – ponto de impacto continuamente calculado/ponto de lançamento continuamente calculado).
Para atuar no cenário europeu, o AMX teria que sobreviver num ambiente dominado pela guerra eletrônica. Por esse motivo e, mais uma vez, para garantir a sobrevivência da aeronave, ela foi equipada com uma suíte de ECM (Electronic Counter Measures – contramedidas eletrônicas) bastante moderna para a época. Foram escolhidos dois sistemas desenvolvidos pela Elettronica S.p.A. da Itália, o interferidor (“jammer”) ELT/553 e o receptor de alerta-radar ELT/156(X).
A Itália adotou o radar FIAR Pointer, uma modificação do equipamento israelense Elta EL/M-2001B construído sob licença pela FIAR italiana. Trata-se de um radar de telemetria de banda I/J bastante compacto e leve (50kg) que fornece apenas o alcance do alvo, sendo que, no modo ar-ar, a detecção é visual. O sistema adquire e rastreia automaticamente quaisquer alvos que aparecerem no HUD, cabendo ao piloto selecionar os de interesse. O modo ar-solo é bastante parecido, com aquisição automática e informações apresentadas no HUD repassadas para o computador de bordo, que calcula os parâmetros de lançamento. A versão da FAB deveria receber um radar de concepção nacional, porém este só foi viabilizado na atual modernização (e por isso é um assunto tratado à frente).
Armamento variado
O projeto inicial do AMX previa, como armamento interno, somente um canhão tipo gatling GE M61A1 de 20mm com 350 projeteis. Havia restrições para a venda dessa arma para países não pertencentes à OTAN ou aliados “não preferenciais”, como era o caso do Brasil. Mas é importante ressaltar que, desde a época do projeto EMB-330, a FAB havia optado por canhões franceses da chamada família DEFA 550 (o modelo 552 equipava os caças Mirage IIIE da FAB). O DEFA 554, adotado pelo AMX brasileiro, emprega o mesmo cartucho de modelos anteriores (30x113B, cuja velocidade de boca é de 700m/s), mas incorporou melhorias no sistema de carregamento das câmaras, elevando a cadência de 1.300tpm (tiros por minuto) para 1.800tpm, com opção para uma cadência de 1.100tpm (mais indicada para alvos terrestres).
Como o avião era projetado para ataque, deu-se pouca importância ao armamento ar-ar. Mesmo assim, o AMX podia executar sua própria defesa com o canhão (ou canhões, conforme a versão) e/ou com um par de mísseis de curto alcance guiados por infravermelho. Os mísseis também poderiam ser empregados em ataques de oportunidade a outras aeronaves em voo, como aviões de transporte e helicópteros.
Os mísseis mais cotados eram da família AIM-9 Sidewinder. A FAB utilizava o modelo “B”, mais antigo, e a Itália possuía o “H”. Como o consórcio dominava o código-fonte, qualquer outro míssil compatível poderia ser integrado no futuro, o que se planejava fazer, no Brasil, com o MAA-1 Piranha.
Mesmo sendo um jato de ataque de dimensões modestas, a capacidade de transportar cargas externas é bastante respeitável, com um máximo de 3.800kg distribuídos por cinco cabides (dois sob cada asa e um suporte central sob a fuselagem, além dos trilhos nas pontas das asas). Os suportes internos das asas foram projetados para um máximo de 907kg e os externos para até 454kg. Na estação da fuselagem, pode-se adaptar um cabide duplo (lado a lado) capaz de transportar até 907kg.
O AMX italiano chegou a fazer testes com mísseis antinavio Exocet franceses. Porém, na Itália, missões antinavio eram atribuições do Tornado (embora os jatos AMX do 13º Gruppo treinassem a missão sem o emprego de armas), mas a FAB sempre indicou que o ataque a alvos no mar era uma das tarefas dos seus AMX, ainda que esses mísseis não fossem adquiridos.
Em função do barramento digital e do domínio do código-fonte pelo consórcio, qualquer armamento inteligente padrão OTAN pode ser integrado ao AMX. A Força Aérea Italiana optou bem cedo pela integração de bombas guiadas com kits israelenses da Elbit Opher. Posteriormente, também integrou bombas guiadas a laser do tipo GBU (inicialmente apontadas por outros caças e posteriormente por casulos Thales CLPD, integrados durante a modernização italiana).
O programa de ensaios
e o primeiro protótipo
Todo o programa de ensaios de voo foi desenvolvido e coordenado por uma equipe única, que trabalharia com seis protótipos e três locais de testes (Caselle e Venegono, na Itália, e São José dos Campos / SP, no Brasil). Testes de qualificação do sistema de armas seriam conduzidos nas instalações da Aeritalia na Base Aérea de Decimomannu (ilha da Sardenha, no Mediterrâneo) e a medição dos parâmetros da trajetória dos armamentos ocorreria no campo de testes Salto di Quirra. O programa de ensaios era estimado em 1.400 horas de voo, e esperava-se sua conclusão até o final de 1987.
Em 12 de fevereiro de 1984, o primeiro protótipo do AMX (A01/MM X594) deixou as instalações da Aeritalia, em Turim. O voo inaugural estava programado para 2 de maio, mas foi mudado para o dia 15, que amanheceu nublado e chuvoso, com nuvens carregadas e teto baixo. Isso não impediu que Manlio Quarantelli, piloto-chefe de testes da Aeritalia, realizasse o primeiro voo de ensaios do AMX. Durante 48 minutos foram executadas manobras de verificação dos parâmetros básicos de comportamento em baixas velocidades, capacidade de manobra a baixa altitude e calibração dos instrumentos de bordo.
No dia 1º de junho daquele ano, aquele protótipo realizou seu quinto e último voo, também com Quarantelli no comando. O AMX decolou por volta das 10h da manhã, mas voou por apenas um minuto e meio. O avião fazia algumas demonstrações para observadores estrangeiros no aeródromo de Caselle e, após realizar o primeiro toque na pista e acelerar para ganhar altitude, o motor perdeu potência muito próximo do solo. O piloto ainda tentou executar um pouso forçado numa área rural próxima ao aeródromo, mas acabou ejetando-se no solo e seu assento Martin-Baker bateu na copa das árvores. Quarantelli não resistiu aos ferimentos, falecendo dias depois. A aeronave incendiou-se, ficando destruída.
Poucos meses após o fato, o então presidente da Embraer, Ozires Silva, afirmou em entrevista que uma falha num dos componentes do motor foi a causa principal da queda da aeronave. A pane foi causada, porém, pela redução de admissão de ar (causada pelo ângulo de ataque) associada à baixa taxa de RPM, o que levou a Rolls Royce a executar algumas modificações no Spey. Como o segundo protótipo do AMX só voaria no final do ano, o consórcio não pôde expor o jato na Feira Aeroespacial de Farnborough de 1984, ficando em desvantagem em relação ao Hawk monoposto, que estava lá.
Apesar do acidente, o programa seguiu em frente. O segundo protótipo deixou o hangar da Aermacchi em 5 de agosto de 1984 e rolou pela pista pela primeira vez no dia 27. Pilotado por Egídio Nappi, piloto-chefe da Aeritalia, o A02/MM X595 decolou pela primeira vez às 12h28 (hora italiana) de 19 de novembro, realizando uma série de manobras sobre o aeródromo por cerca de 70 minutos. No ano seguinte foi a vez do terceiro protótipo (MM X596) voar, sendo utilizado para o desenvolvimento de aviônicos e testes com armamentos.
Os protótipos brasileiros
A montagem do primeiro protótipo brasileiro começou em 1984, logo após o envio de três conjuntos de asas e tomadas de ar fabricadas pela Embraer para os protótipos italianos. Em novembro daquele ano, a Embraer recebeu a fuselagem da Itália e, no início de 1985, preparava-se para instalar os primeiros sistemas de bordo e integrar as asas. O tempo era curto, pois a empresa pretendia apresentar o “seu” AMX na semana da asa daquele ano. O motor Spey foi integrado à fuselagem em agosto e, depois disso, foram feitos ajustes eletrônicos finais no protótipo.
Designado YA-1 (na FAB o indicativo “X” é usado para aeronave de ensaio e o indicativo “Y” para aeronave protótipo) e ostentando a matrícula FAB 4200, o primeiro protótipo brasileiro do AMX e quarto do consórcio fez o seu voo inaugural às 15h47 de 16 de outubro de 1985. O voo não apresentou problemas e o avião foi preparado para a sua apresentação oficial, programada para seis dias depois. E assim, no dia 22 de outubro de 1985, o primeiro protótipo brasileiro do AMX foi oficialmente apresentado às autoridades, delegações estrangeiras e imprensa de todo o mundo. O presidente da República, José Sarney, afirmou em seu discurso que aquele era “um momento histórico para o Brasil”, pois demonstrava “a nossa capacidade de dominar tecnologias de ponta, especialmente (um avião) tão sofisticado como o AMX”.
Quando o primeiro protótipo do AMX brasileiro decolou, muitos dos ensaios em voo da aeronave já haviam sido conduzidos pelos quatro protótipos (um deles perdido em acidente, como mencionado) italianos. Boa parte dos ensaios brasileiros diziam respeito às diferenças que o modelo nacional possuía em relação ao italiano – dentre elas, os sistemas de radionavegação, de reconhecimento fotográfico e os armamentos.
Como vimos, a suíte de radionavegação escolhida para o AMX nacional baseava-se em equipamentos comumente empregados no Brasil como ADF, VOR/ILS e DME. Já o modelo italiano utilizava TACAN (Tactical Air Navegation System). Quanto ao armamento, entre maio e junho de 1986 o primeiro protótipo brasileiro realizou ensaios com canhões e bombas de queda livre na ilha de Alcatrazes, litoral do estado de São Paulo. Ainda em junho, o segundo protótipo brasileiro (FAB 4201) ficou pronto, embora só tenha voado em 16 de dezembro.
Programa Industrial Complementar: desenvolvimento, nacionalização e transferência de tecnologia
Para o apoio do projeto AMX no Brasil, o Ministério da Aeronáutica e a Embraer lançaram em 1983 o PIC – Programa Industrial Complementar, que buscava capacitar certo número de empresas nacionais na fabricação de peças e componentes para o jato. O Ministério da Aeronáutica investiu 50 milhões de dólares (valores da época) no programa, visando a nacionalização de um terço do valor da aeronave. Essa capacitação viria com a transferência de tecnologia dos fornecedores estrangeiros para as indústrias nacionais. As empresas selecionadas teriam acompanhamento técnico da Embraer (gerenciadora do programa no Brasil) para assegurar entregas nos prazos estipulados e dentro das especificações.
O licenciamento para o consórcio fabricar o motor Spey envolveu 80% de seus componentes, com os restantes 20% fornecidos diretamente pela Rolls Royce da Inglaterra. Do montante licenciado, coube ao Brasil a produção de 30% dos componentes do motor para todas as aeronaves do programa. Isto representava a produção de mais de 900 itens. Os demais itens, que representavam a maior parte, seriam produzidos na Itália pela Fiat Alfa-Romeo, e cada país teria sua própria linha de montagem final.
A produção dos componentes brasileiros coube à Celma (Companhia Eletro-Mecânica). Sediada em Petrópolis (RJ), a empresa nasceu nas mãos da Panair e passou para o Ministério da Aeronáutica em 1964. Quando recebeu a responsabilidade de nacionalizar componentes do Spey, seus dois acionistas principais eram o Ministério da Aeronáutica, com 87% do capital e o grupo norte-americano United Technologies, com 12%.
A MRR – Motores Rolls Royce – subsidiária da Rolls Royce no Brasil e instalada no país desde 1958, foi subcontratada pela Celma para a fabricação de 417 componentes do Spey, incluindo o sistema de injeção de combustível, tubos especiais para o sistema de combustível, carcaça intermediária do compressor, carcaça da caixa de engrenagens e sistema antigelo. As instalações da MRR em São Bernardo do Campo (estado de São Paulo) foram ampliadas e um novo prédio com 1.800m2 de área foi construído somente para dar respaldo ao programa AMX e seu motor Spey. A expectativa era de contratar até uma centena de novos empregados.
Quanto aos equipamentos e componentes eletrônicos do AMX, boa parte ficou a cargo da empresa gaúcha Aeroeletrônica Indústria de Componentes Aviônicos Ltda. Criada em 1981 pelo grupo Aeromot, a Aeroeletrônica cooperava com a Embraer em projetos como o EMB-312 Tucano e o EMB-120 Brasília. A partir de 1981, o grupo investiu 12 milhões de dólares (valores de 1983) na ampliação e na capacitação para atender à Embraer, especialmente o projeto AMX. A Aeroeletrônica produziu e desenvolveu quatro componentes próprios e nacionalizou outros nove.
Entre outras empresas instaladas no país e que produziram (com transferência de tecnologia) ou desenvolveram componentes para o AMX estava a Elebra Eletrônica S.A., responsável pelos ADC (air data computer – computador de dados de voo) e unidades de controle do flap/slat. A Goodyear do Brasil desenvolveu os pneus da versão brasileira e também participaram do programa AMX a Engetrônica (pertencente ao grupo Engesa) e a ABC Sistemas.
A Pirelli fabricou os tanques de combustível internos do AMX brasileiro, com tecnologia fornecida pela sua matriz italiana. Por falar nisso, há uma diferença entre a capacidade interna dos tanques de fuselagem das aeronaves brasileiras e das italianas (os tanques internos das asas são iguais), devido às necessidades diferentes de raio de combate explicadas na página 59. Com isso, a capacidade interna total de combustível (soma dos tanques de fuselagem com os das asas) do monoposto brasileiro é de 3.510 litros, comparados aos 3.275 litros do italiano, enquanto que no biposto da FAB esse valor é de 2.654 litros, frente aos 2.624 litros do biposto da AMI.
Programa de reabastecimento
em voo
Mesmo com o alcance considerável da aeronave, a FAB sempre desejou que o AMX tivesse uma sonda de reabastecimento em voo (REVO). Tendo como base a sonda do caça F-5, que introduziu essa capacidade na FAB, a Embraer passou a projetar e desenvolver esse equipamento para o AMX, que foi instalado no segundo protótipo.
O sistema foi testado em voo em 1989 com o auxílio da FAB, que forneceu as aeronaves reabastecedoras. Foram oito voos de teste, sete deles com o KC-130 (um deles noturno) e um com o KC-137. Ao todo, foram feitos 90 acoplamentos, embora apenas oito com real transferência de combustível. Os testes foram importantes para resolver pequenas interferências que apareceram junto ao tubo de pitot.
O reabastecimento deveria ser completado em não mais do que quatro minutos, com a transferência de quatro mil quilos de combustível. As altitudes variaram de 4.000 a 30.000 pés, em velocidades variáveis, com o AMX aproximando-se a uma velocidade 3 a 5 nós mais rápida do que a aeronave abastecedora até a sonda acoplar-se na válvula da cesta. Para o REVO noturno, havia a necessidade de iluminação frontal até uma distância de 50 pés, em ângulo de 20º.
O começo da produção, os lotes,
os cortes e o biposto
Em 1987, Brasil e Itália fixaram oficialmente os critérios para a produção seriada do AMX, num memorando assinado pelos chefes do Estado-Maior da Aeronáutica dos dois países, major-brigadeiro do ar Lélio Viana Lobo e brigadeiro Luciano Meloni. Todos os 79 caças da FAB seriam montados na Embraer em São José dos Campos. Já na Itália, a Aeritalia montaria 125 exemplares em Turim, deixando as outras 62 unidades para a Aermacchi montar em Varese. O custo total de todas estas aeronaves foi avaliado em 4,5 bilhões de dólares (valores de 1987).
Todas os 266 exemplares de produção seriam fabricados em lotes e cada um desses lotes dependia de autorização prévia dos governos. O primeiro lote era pequeno, composto por apenas 30 aeronaves e poderia até mesmo ser chamado de pré-série. Pouco tempo depois, em 1988, o segundo lote foi autorizado, trazendo alterações em alguns dos componentes dos aviões em relação ao predecessor.
No entanto, a lamentável situação macroeconômica do Brasil naquela época foi determinante para que as encomendas não se realizassem como planejado. Houve um lapso de tempo de quase quatro anos até que o terceiro lote fosse autorizado. Esse período foi extremamente danoso para o programa sob vários aspectos, incluindo as linhas de produção e montagem que ficaram ociosas (a Embraer tinha capacidade para produzir com tranquilidade cinco conjuntos de asas e tomadas de ar por mês). Apenas como exemplo, em 1995 somente um AMX foi entregue à FAB. No entanto, outros aspectos afetaram o programa, como a falta de clientes externos (ver tópico mais adiante) e a reorientação do papel militar da Itália na Europa, seguidos de cortes nos orçamentos de defesa.
No final, ambos os países reduziram o número total de aeronaves de produção, com o cancelamento do quarto lote: das 266 inicialmente previstas, somente 192 foram efetivamente produzidas, 136 para a Itália e 56 para o Brasil, fora os protótipos. Considerando o tempo em que a linha de produção ficou aberta (entre o início da montagem do primeiro exemplar e a conclusão do último AMX), a Embraer produziu uma média ligeiramente superior a quatro aeronaves por ano para a FAB.
Ainda antes da oficialização dos números iniciais de produção, o consórcio já vinha estudando o biposto do AMX. Inicialmente, acreditava-se que a adaptação dos novos pilotos poderia ser feita somente com simuladores. Com o tempo, as duas forças aéreas entenderam que o risco era demasiado e decidiram projetar a versão de conversão operacional, de duplo comando.
A Embraer divulgou estes estudos em 1986 e o desenvolvimento ocorreu no ano seguinte, sendo que a Força Aérea Italiana encomendaria 51 unidades e a FAB outros 15 exemplares. Para evitar problemas orçamentários, o número de bipostos da FAB faria parte da encomenda total de 79 exemplares (antes dos cortes – veja números finais dos bipostos no quadro da página 74). O primeiro biposto foi apresentado na Itália, nas instalações da Aeritalia em Caselle, em 25 de janeiro de 1990. Três aeronaves para ensaios foram construídas inicialmente, duas na Itália e uma no Brasil (todas incorporadas pelas respectivas forças aéreas). O biposto manteve as dimensões básicas do monoposto, mas a cabina ampliada aumentou em 331kg o peso vazio operacional. O espaço para o segundo assento forçou a retirada da seção frontal do tanque de combustível da fuselagem.
A entrada em operação na Itália
O primeiro AMX de produção (MM.7091) foi recebido pela Força Aérea Italiana em abril de 1989. Este e outros dos primeiros exemplares, antes de seguirem para um esquadrão de linha de frente daquela força, foram enviados para uma unidade de ensaios em voo (Reparto Sperimentale di Volo – RSV) e para uma recém-criada seção de adestramento e padronização, a SAS-AMX (Sezione Addestramento e Standardizzazione AMX), onde pilotos de G.91 eram convertidos para o novo avião.
O 103º Gruppo (baseado em Istrana) tornou-se a primeira unidade de AMX operacional da Aeronautica Militare. Depois, vieram o 132º Gruppo e o 28º Gruppo (inicialmente baseados em Verona-Villafranca e posteriormente transferidos para Istrana), equipados até então com a versão de reconhecimento do Starfighter (RF-104G). A quarta unidade italiana a receber o AMX foi o 14º Gruppo (baseado em Rivolto) e a quinta (e última) foi o 13º Gruppo, a partir de novembro de 1994. Em julho de 1995, a SAS-AMX deu lugar a uma unidade de conversão operacional específica, o 101º Gruppo de Amendola. Mesmo assim, os outros esquadrões possuíam um ou dois exemplares bipostos cada um.
Ainda naquela segunda metade da década de 1990, a Força Aérea Italiana começou a reduzir o número de AMX operacionais, devido a cortes no orçamento. O 28º Gruppo foi dissolvido em 1997 e o 14º Gruppo em 2002, colocando em estoque perto de meia centena de aviões. A reestruturação das unidades prosseguiu em 2012, quando foi concluída a modernização dos AMX italianos (ver detalhes mais à frente) originando três esquadrões equipados com o monoposto e um de treinamento e conversão operacional, que voa o biposto.
O AMX italiano em combate
Quando a Guerra do Golfo começou, no início de 1991, a Força Aérea Italiana enviou um destacamento de AMX do 132º Gruppo para a Turquia (que faz fronteira com o norte do Iraque), mas as aeronaves não participaram do conflito. A Itália foi para o combate com os jatos Tornado, e tanto os seus quanto os do Reino Unido foram duramente castigados pelas defesas antiaéreas durante as missões de ataque com penetração à baixa altitude, justamente a especialidade das aeronaves.
Durante a Operação “Deny Flight” sobre a Bósnia, em 1995 (época dos conflitos resultantes da separação da antiga Iugoslávia), os AMX italianos foram colocados em alerta, com revezamento entre os esquadrões. As missões esperadas eram de apoio aéreo aproximado, controle e reconhecimento aéreo, com coordenação por jatos E-3 AWACS da OTAN, mas não houve acionamentos.
Em 1999, os AMX italianos foram convocados mais uma vez para atuar sobre a antiga Iugoslávia, agora sobre a região do Kosovo, participando efetivamente da Operação “Allied Force”. Os jatos lançaram bombas de emprego geral com kit israelense Orpher (guiado por infravermelho) e obtiveram sucesso considerável nas missões.
A partir de 7 de novembro de 2009, quatro jatos AMX italianos passaram a participar de surtidas sobre o Afeganistão, inicialmente em missões de reconhecimento com o pod “Reccelite” e armados apenas com canhões, devido às regras de engajamento. Em 2012, um ano após a integração do pod “Litening” de aquisição de alvos, passaram a ser divulgados informes sobre o uso desses jatos (mantidos por revezamento de todas as unidades italianas de AMX) em missões CAS no Afeganistão, com emprego de bombas guiadas a laser Lizard, de 500 libras.
Em 2011, os AMX da Força Aérea Italiana foram chamados para um novo conflito, com jatos do 32º Stormo voando sobre a Líbia na Operação “Unified Protector” em missões de bombardeio e de reconhecimento, utilizando os sensores de altíssima resolução do sistema “Reccelite”. Entre 22 de jullho e 31 de outubro daquele ano, os jatos cumpriram aproximadamente 500 horas de voo em combate.
A entrada em operação no Brasil
A introdução do AMX na FAB, sob as designações A-1A (monoposto) e A-1B (biposto), trouxe muitas novidades no campo operacional, impacto que já era sentido dentro da cabine. Foi a primeira aeronave da FAB com conceito HOTAS (Hands on Throttle and Stick – mãos na manete e no manche) e com projeção de informações de voo e de alvos no HUD. Entre outras novidades, estavam o HDD, o alerta radar, dispersores de chaff e flare, cálculos computacionais para ataque ao solo (CCIP/CCRP) e os controles fly-by-wire.
Para assimilar todas estas mudanças foi criado um novo esquadrão, cuja missão inicial era implantar o A-1 operacionalmente na força e, posteriormente, transmitir os conhecimentos para as demais unidades que o empregariam. Assim nasceu na Base Aérea de Santa Cruz (RJ), em fevereiro de 1988, o Nu-A1, núcleo da primeira unidade aérea para emprego da aeronave. Em novembro daquele ano, o Nu-A1 foi substituído pelo Núcleo do Primeiro Esquadrão do Décimo Sexto Grupo de Aviação (Nu-1º/16º GAv).
O momento longamente aguardado finalmente ocorreu em 1989. No dia 17 de outubro daquele ano era realizada na BASC a cerimônia oficial de recebimento do primeiro A-1 operacional da FAB. Os jatos de ataque A-1 receberam matrículas que se iniciam com o milhar “5” que, historicamente, era empregado pelas aeronaves de bombardeio como o B-25 e o B-26/A-26. Assim, o primeiro A-1 da Força Aérea foi designado “FAB 5500”.
O Nu-1º/16º GAv finalmente tornou-se esquadrão em 7 de novembro de 1990, recebendo o nome de “Esquadrão Adelphi” (o nome deriva de uma marca de cigarros regularmente consumida pelo pessoal do 1º Grupo de Aviação de Caça, durante a Segunda Guerra Mundial). Em 1994, o esquadrão já tinha maturidade suficiente para participar de um exercício internacional de respeito, que foi a Operação Tigre I, realizada na ilha de Porto Rico. Na bagagem, os aviões trouxeram dois abates simulados e muita precisão nas missões de ataque ao solo. Quatro anos depois, seis jatos A-1 seguiram para o deserto de Nevada (EUA) para o exercício multinacional “Red Flag” e tiveram um excelente desempenho.
Enquanto o Adelphi se adestrava para o “Red Flag”, mais ao sul do Brasil a Base Aérea de Santa Maria (RS) se preparava para operar com o novo avião. Em janeiro de 1998, os dois primeiros A-1 do “Esquadrão Centauro” (3º/10º GAv) pousavam em Santa Maria, seguidos pouco mais de um ano depois pelos A-1 / RA-1 (designação para missões de reconhecimento) do “Esquadrão Poker” (1º/10º GAv). A decisão de equipar os dois esquadrões no Sul veio ainda em 1993 e as unidades acabaram recebendo jatos A-1 do segundo e do terceiro lotes de produção.
Graças ao apoio e à experiência prévia do 1º/16º GAv, as duas unidades de Santa Maria tiveram uma adaptação mais simples e rápida à aeronave. Um ano após o recebimento do primeiro A-1, o Centauro já era declarado um esquadrão operacional no novo jato. Embora o reabastecimento em voo não fosse exatamente uma novidade para os esquadrões de Santa Maria (o único Xavante da FAB dotado de sonda de reabastecimento pertencia ao 1º/10º GAv), o A-1 permitiu que as missões desse tipo fossem mais corriqueiras. As missões de longa duração começaram em 2000 e, três anos depois, o esquadrão já estava devidamente apto a executar a mais longa das missões até então. Em agosto de 2003, dois A-1 partiram de Santa Maria e foram até a fronteira norte do Brasil com a Guiana Francesa, finalmente pousando em Natal. Ao todo foram dez horas, cinco minutos e onze segundos de voo, um recorde nacional para a Aviação de Caça. Três meses depois, quatro jatos do esquadrão destruiriam uma pista de pouso clandestina próxima à fronteira com a Colômbia.
O último esquadrão a ser equipado com o A-1 foi o 1º/10º GAv “Esquadrão Poker”. Além de missões de ataque, interdição e apoio aéreo, o esquadrão tem como missão principal o reconhecimento tático. Durante anos, a unidade utilizou dois sistemas para coleta de dados: o Pallet III e o casulo Gespi, mas o esquadrão deverá receber modernos casulos (pods) de reconhecimento após o programa de modernização da aeronave (detalhado adiante).
Do otimismo com o mercado externo à quase venda para a Venezuela
Ainda no início da década de 1980, época em que a chamada “Guerra Fria” voltava a esquentar, estudos do consórcio AMX apontavam para um mercado capaz de absorver até dois mil jatos de ataque. A maior parte desse mercado era de atuais operadores de A-4Sk yhawk, A-7 Corsair II, Fiat G.91 e aviões de ataque semelhantes, sem recursos para comprar caças de nova geração ou que preferiam jatos mais simples, para missões secundárias. Esperava-se que o AMX pudesse conquistar perto de 25% desse mercado.
Porém, entre aqueles estudos e o início da produção do AMX, o mundo passou por uma grande e inesperada mudança geopolítica. Subitamente, a queda do Muro de Berlim e a dissolução da União Soviética puseram fim à Guerra Fria, o que reduziu em muito a necessidade de jatos de ataque. Orçamentos de defesa foram reduzidos e muitas nações cortaram aeronaves do inventário, inundando o mercado com caças usados, ainda relativamente novos, por valores baixos.
Por seu lado, o AMX não era mais o avião de baixo custo de aquisição que seus projetistas imaginaram. Seu preço no final do século XX rivalizava com o de jatos mais poderosos e com novas capacidades multimissão, como o F-16. A parte brasileira do consórcio também não contava, na época, com mecanismos eficientes de financiamento de exportações militares. A soma destes fatores atrapalhava bastante a possibilidade de exportar o AMX. Mesmo assim, interesse houve, e muito.
Ainda em 1985, quando o programa estava no início da fase de ensaios, circularam notícias na imprensa brasileira sobre o interesse do Chile em comprar o AMX. Naquela época, o Chile sofria um embargo de armas que dificultava manter seu aparato militar, especialmente seus F-5E, cujos sobressalentes tiveram fornecimento cortado. Ao mesmo tempo, o país precisava substituir seus velhos jatos Hunter de ataque ao solo. No início de 1986, foi noticiado que uma negociação envolveria a venda de caças AMX e treinadores turboélice EMB-312 Tucano ao Chile e a compra, pelo Brasil, de treinadores primários T-35 Píllan da ENAER para substituir os T-25 Universal da Academia da Força Aérea (AFA). Porém, não se ouviu mais comentários a respeito.
A grande ofensiva comercial do consórcio AMX para promover internacionalmente a aeronave ocorreu em 1986, quando foram publicados diversos anúncios na imprensa especializada mundial, realçando as qualidades do jato. Também houve intensa participação do AMX na Feira Aeroespacial de Farnborough daquele ano. E, um pouco antes de Farnborough, o ministro-chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, almirante José Maria do Amaral, revelou que o Iraque estava interessado em diversos armamentos brasileiros, incluindo o AMX.
Naquele ano, outro cliente em potencial que demonstrou interesse foi a Argentina. Porém, o fato do propulsor ser de origem britânica levou a conversações com representantes do Governo Britânico, que não abriram mão da manutenção do embargo militar à Argentina, em vigor desde a Guerra das Falklands/Malvinas. O consórcio passou a estudar modificações necessárias para equipar o AMX com uma alternativa de motor, com o americano GE F404 (em versão sem pós-combustor) entre os mais cotados. Entanto, qualquer adaptação demandaria custos e não havia quem os bancasse.
Durante a Feira de Le Bourget (França) de 1991, o responsável pelo setor de relações públicas da Embraer, Luciano Bertolo, confirmou uma venda de 30 a 40 jatos AMX à Tailândia. Em fevereiro do ano seguinte, o contrato foi cancelado por falta de recursos.
Em 1997, a Força Aérea das Filipinas iniciou um grande programa de modernização de sua frota, que incluía a aquisição de um esquadrão de aviões de ataque. Foi noticiado que, entre os concorrentes, estavam o BAe Hawk e o AMX. A crise financeira asiática de 1997 acertou em cheio a economia das Filipinas e muitos dos programas anunciados não decolaram. Nem o AMX nem o Hawk foram escolhidos.
O AMX também foi sondado por Malásia, Brunei, Índia, Turquia, Grécia, Egito, África do Sul, México, Equador, Peru e Venezuela. Esta última está entre as sondagens mais recentes e que mais chegaram perto de um contrato efetivo.
O interesse da Venezuela pelo AMX era antigo. Na primeira metade da década de 1980, o país encomendou 30 turboélices EMB-312 Tucano com a Embraer. Na cerimônia de entrega dos primeiros exemplares, em julho de 1986, o brigadeiro Justo Evaristo Saavedra, da Força Aérea Venezuelana (FAV), informou havia “grande interesse em avaliar o AMX”, que “preencheria uma lacuna no sistema de defesa venezuelano”.
Levou cerca de dez anos para o interesse ressurgir com mais força. Na estrutura de treinamento de pilotos da FAV, oficiais que concluíam a instrução no Tucano e eram selecionados para a aviação de combate seguiam para novas etapas em jatos de origem norte-americana, os Rockwell T-2D Buckeye e os VF/NF-5 A e B (estes comprados do Canadá e da Holanda). Os T-2D já acumulavam 25 anos de operação e necessitavam de substituição em breve. Já os VF/NF-5, apesar de uma modernização recente, também precisariam ser substituídos mais à frente. Os estudos para adquirir novos jatos começaram em 1997, focados em três concorrentes: BAe Hawk, Aero L-159 e AMX-T.
As avaliações foram feitas em 1998 e, em outubro de 1999 (o ano de desativação dos T-2D), a FAV divulgou o resultado: o AMX-T era o vencedor. Em 18 de dezembro, a Embraer anunciou a assinatura do contrato de 12 jatos AMX-T para a FAV.
Esperava-se que a montagem das aeronaves para a Venezuela ocorresse em conjunto com a produção de um quarto lote para a FAB. Até o ano de 2000, a Força Aérea já havia recebido 55 aviões e os 24 restantes (totalizando as 79 aeronaves previstas no acordo original de produção) do quarto lote dependiam de uma autorização posterior. Esse lote permitiria formar um esquadrão em Campo Grande ou mesmo no Nordeste do País. No entanto, nem o quarto lote da FAB foi autorizado nem a encomenda venezuelana se efetivou, com este último fracasso de exportação creditado, conforme algumas fontes, a embargos de componentes de origem americana (problema surgido após a tomada do poder na Venezuela por Hugo Chávez, em 1999). Cerca de dez anos depois, a Venezuela encomendou 18 jatos treinadores Hongdu K-8W chineses, aposentando os derradeiros VF/NF-5 em 2011.
As necessidades de modernizar
o AMX, na Itália e no Brasil
Ainda durante a produção do terceiro lote de AMX, a Força Aérea Italiana passou a discutir a possibilidade de modernizar o avião. A ideia inicial era padronizar os aviões dos três lotes conforme a configuração do lote mais recente e adicionar novas tecnologias que não estavam disponíveis na época de congelamento do projeto. Essa necessidade ficou mais evidente após a participação de AMX italianos em operações nos Bálcãs, em 1999.
O objetivo italiano era dotar o avião de uma verdadeira capacidade todo tempo, numa modernização que priorizaria o sistema de navegação e a incorporação de artefatos guiados por sinal de satélite, além de painel compatível com óculos de visão noturna (NVG – Night Vision Goggles). Desejava-se também instalar um sistema de enlace de dados (data link) e substituir a tela multifunção monocromática da cabina (o HDD) por uma colorida com função mapa digital.
Padronizar os três lotes também era um desejo da FAB, pois no início deste século essa divisão representava um pesadelo logístico e operacional, principalmente em relação às aeronaves do primeiro lote. Além disso, por mais que o A-1 tenha permitido um salto tecnológico para a FAB, as limitações orçamentárias não permitiram a entrada em operação com toda a sua potencialidade. O programa de modernização era o melhor caminho para transformar o A-1 no avião de ataque que seus idealizadores imaginaram.
O problema é que a abordagem brasileira quanto à modernização e atualização do avião era diferente da italiana. Em 2002, a Itália já havia definido o substituto do AMX, o F-35. Naquela época, previa-se que o novo caça entraria em operação por volta de 2015-2018. Portanto, a Força Aérea Italiana definiu um programa de atualização para manter o AMX em atividade até o final da segunda década deste século.
A FAB, porém, pretendia executar uma modernização mais ampla, visando manter o A-1 em operação pelo menos até 2030. Além disso, era intenção adotar o máximo possível de aviônicos já selecionados para os programas ALX (aeronave leve de ataque, que levou ao turboélice A-29 Super Tucano) e F-5BR (programa de modernização que originou os caças F-5EM / FM).
Com necessidades tão diferentes, não foi possível executar um programa ítalo-brasileiro de modernização e atualização. Mais simples e mais urgente, a modernização italiana saiu na frente. Conhecido pela sigla ACOL (Aggiornamento delle Capacità Operative e Logistiche – melhoria da capacidade operativa e logística), o programa italiano envolveu 52 aeronaves (42 monopostos e 10 bipostos) e foi avaliado em US$ 390 milhões, em valores de 2005, mesmo ano em que o primeiro protótipo do AMX ACOL voou, em setembro. As entregas começaram em 2006 e concluídas em 2012.
Modernização à brasileira
Quando o programa de modernização tomou forma, a FAB contava com 53 A-1 em seu inventário, sendo dez bipostos e quarenta e três monopostos (posteriormente, um monoposto foi perdido em acidente, no final de 2012). Esperava-se que a FAB modernizasse todos os seus A-1, assim como havia ocorrido no programa do F-5BR.
Porém, para a surpresa de muitos, a FAB informou que modernizaria somente 43 células. A verdade é que, ao longo da história do A-1 no Brasil, a FAB nunca pôde dispor de todos os seus exemplares, mesmo descontando-se uma porcentagem que se revezava nas revisões nível parque no PAMA-GL (Parque de Material Aeronáutico do Galeão, principal apoiador dos jatos A-1). Por diversas razões, um número variável de aeronaves, que em certos momentos superou uma dezena de exemplares, permanecia indisponível, preservado na Base Aérea de Santa Cruz.
O programa de modernização do A-1 começou em 2003, com a contratação da Embraer como empresa principal e gerenciadora do programa. Houve demora para efetivar o contrato, levando a uma renegociação em 2008. Mesmo assim, em 30 de maio de 2007 pousava nas instalações da Embraer em Gavião Peixoto (SP) o primeiro A-1A para testes e avaliações, a aeronave FAB 5530, do segundo lote. Posteriormente, outra aeronave do mesmo lote (FAB 5526) se juntou ao programa de testes.
Em 19 de junho de 2012, ocorreu o primeiro voo de um A-1M (FAB 5526), dando início à campanha de ensaios em voo. O primeiro exemplar de produção do A-1M (FAB 5520) foi entregue à FAB em três de setembro de 2013, e essa aeronave estreou num exercício multinacional, o Cruzex Flight 2013, em novembro.
A nova aviônica
Além de uma revitalização estrutural, com a incorporação de itens que buscam o aumento da vida em fadiga para mais 20 anos de operações, o grande destaque do processo de modernização do A-1 é a nova aviônica.
O painel é completamente remodelado e os antigos instrumentos analógicos são substituídos por três mostradores multifuncionais semelhantes aos empregados pelo F-5M e o A-29. São duas telas de 6×8 polegadas e uma de 5×5 polegadas, além do UFCP (Up-Front Control Panel – painel superior frontal de controle) logo abaixo do HUD, igualmente trocado. Os equipamentos de comunicação e navegação também estão em processo de modernização. Todos estes novos elementos da cabine são compatíveis com NVG de terceira geração. Além disso, os pilotos de A-1M passam a contar com HMD (Helmet Mounted Display – visor montado no capacete) como seus colegas de F-5M.
Além das mudanças internas na cabine, os A-1M da FAB estão incorporando novos sensores e substituindo os antigos. Neste último caso está o RWR, que foi atualizado e melhorado. Também foi decidido incorporar um moderno sistema de alerta de aproximação de mísseis PAWS-2 da Elisra, integrado ao sistema de dispensadores de
chaff e flare, que teve a capacidade aumentada.
Outro importante sensor incorporado pelo A-1M é o sistema de navegação por infravermelho (NAV-FLIR). Ao contrário de muitas aeronaves que necessitam transportar tal equipamento em um casulo externo, o A-1M incorporou o aparelho na parte superior do nariz do avião. As informações podem ser projetadas no HUD.
Um elemento crucial da modernização do A-1, do ponto de vista operacional, é incorporação de um OBOGS (On Board Oxygen Generating System – sistema autônomo de geração de oxigênio). Este substitui as tradicionais esferas pressurizadas que contém oxigênio no estado líquido, transportadas no interior da fuselagem dianteira, para fornecê-lo no estado gasoso ao piloto, em altas altitudes. No entanto, as esferas são capazes de prover apenas algumas horas de oxigênio, afetando as missões de longa duração de caráter estratégico (para economizar oxigênio o caça deve voar parte do tempo em baixas altitudes, onde o consumo de combustível é maior), além de representarem mais um item de logística complicada. Com o OBOGS, o A-1M elimina essa limitação operacional.
Finalmente, o radar
Desde a sua concepção, o AMX brasileiro foi projetado para receber um radar multímodo de procedência nacional denominado SCP-01 Scipio (homenagem ao general romano Publius Cornelius Scipio), ao contrário do AMX italiano, que recebeu um radar relativamente simples, do qual já tratamos. A história do desenvolvimento do SCP-01 começou em 1987, quando a empresa brasileira Tecnasa Eletrônica Profissional S.A., em associação com a italiana SMA-Segnalamento Marittimo ed Aereo, foi contratada pelo Ministério da Aeronáutica para esse fim.
Durante a década de 1990, o programa se arrastou por falta de verbas e o projeto foi transferido para a Tectelcom Aeroespacial, que também não conseguiu concluí-lo. Diante disso, a FAB passou o gerenciamento para a Galileo Avionica S.p.A. (posteriormente SELEX Galileo e atual SELEX ES), que está no programa desde o início, e firmou contrato com a brasileira Mectron, em 2000. A campanha de ensaios em voo com o protótipo B1 do radar, iniciada em 2002, durou três anos. Ao final, após algumas modificações, o protótipo B3 foi homologado.
O SCP-01 é um radar multimodo compacto que emprega diferentes formas de onda (pulsos e frequência de repetição de pulsos – PRF), padrões de busca da antena e algoritmos de processamento. A função principal é a detecção, rastreio e medidas de ângulos, distâncias e velocidades de alvos, com ênfase nos modos ar-superfície (telemetria, busca ar-mar e mapeamento do terreno), e capacidade ar-ar limitada.
Com mais de 20 anos de desenvolvimento, o radar teve que ser atualizado ao longo do tempo, mas a divisão de tarefas se manteve. À empresa nacional coube o desenvolvimento da antena, servomecanismo, receptor/excitador/processamento analógico, painel de controle e estrutura mecânica, enquanto a italiana ficou responsável pelo transmissor e processamento digital do sinal. Um dos maiores trabalhos da Mectron foi o reprojeto do servomecanismo da antena, o que acabou melhorando a performance do radar e elevando seu índice de nacionalização. A instalação do radar implicou na colocação de um radome maior, porém sem alteração no comprimento da aeronave.
Manutenção do motor, revolução dos armamentos
A motorização do AMX sempre foi objeto de controvérsias. Houve estudos para a substituição do Spey pelo F404, como vimos, e até mesmo pelo EJ200 do Eurofighter. No entanto, a FAB está satisfeita com o motor, considerado robusto e confiável, e suas ações quanto ao assunto visam garantir uma linha de suprimentos suficiente para manter o Spey em operação por mais 20 anos.
Se o motor não mudou, o mesmo não pode ser dito do sistema de armas. Mesmo antes do início da modernização do A-1, a FAB já vinha avaliando incorporar novas armas, principalmente as “inteligentes”. Nos últimos anos, foram ensaiados diversos novos armamentos para o A-1, como a bomba guiada a laser Lizard II (um novo lote de 120 kits foi adquirido pela FAB recentemente) associada ao casulo designador Litening, bombas de emprego geral com kit nacional de guiagem por satélite SMKB 82 (ver matéria exclusiva na revista Forças de Defesa nº7) e o míssil antirradiação nacional MAR-1.
Após a modernização, o A-1 da FAB poderá empregar não só estas armas, como também mísseis ar-superfície (ASM Air-to Surface Missile) integrados ao radar SCP-01. Caso seja do interesse da FAB, o A-1M poderá integrar e operar mísseis antinavio como o Harpoon (que também foi cogitado para o P-3AM) ou mesmo o Penguin, recentemente incorporado pela Marinha do Brasil.
Além de novos armamentos, o A-1M poderá empregar diversos casulos como o de interferência eletromagnética Skyshield da israelense Rafael, capaz de tranformar o avião numa verdadeira plataforma de guerra eletrônica. Associado ao míssil MAR-1, o Skyshield permitiria atuar em missões de supressão de defesas antiaéreas (SEAD – Suppression of Enemy Air Defenses). Caso todos esses sistemas e armamentos sejam integrados, o A-1 modernizado se transformará, sem sombra de dúvida, na aeronave da Força Aérea com maior diversidade de armas no atual inventário.
O programa de entrega do A-1M para FAB estava definido, até o início de 2013, da seguinte maneira: ainda em 2013 seriam recebidas oito aeronaves (o que não parece atingível), seguidas de mais dez no ano seguinte. Vinte e dois seriam entregues em 2015 e 2016, onze em cada ano. As últimas três unidades ficariam para 2017. Além dos 43 A-1M, a FAB também receberá três simuladores de voo modernizados.
Conclusão: foi um bom negócio?
Estima-se que o custo total do programa AMX tenha atingido cerca de US$ 2,5 bilhões só para o Brasil. É praticamente certo que, se a FAB optasse pela aquisição de um jato de ataque ou caça “de prateleira” no exterior (veja quadro que compara com os custos “fly-away” do F-16 na página 80), gastaria uma quantia muito menor ou conseguiria comprar mais aeronaves. Mas a grande pergunta que deve ser feita é: sem o programa AMX, o Brasil teria a terceira maior indústria aeronáutica do planeta?
Foi graças ao programa AMX que a Embraer adquiriu conhecimentos nas áreas de integração de sistemas com emprego de barramentos digitais, domínio de códigos-fonte, controles fly-by-wire, trens de pouso e outras tecnologias fundamentais. A empresa também aprendeu a trabalhar em consórcios internacionais, dividir tarefas, custos e negociar participações.
Além do salto operacional que a FAB deu com a introdução do A-1 (e que só não foi maior devido às restrições orçamentárias que não permitiram integrar mais sistemas e armas), a Força Aérea também aprendeu a gerenciar um programa complexo, fruto de um acordo binacional. Foi graças ao AMX que a FAB reviu todo o procedimento de aquisição de novas aeronaves, identificando exatamente o que quer e como quer. A condução do programa ALX / A-29 foi um exemplo do aprendizado obtido com o AMX, assim como o processo de seleção técnica do F-X2, apesar deste ainda aguardar uma definição política. [N.A. quando o texto foi publicado pela primeira vez o Programa F-X2 ainda não havia sido concluído]
Ainda sobre a questão operacional, quando os A-1 deixaram a linha de produção da Embraer na década de 1990 eles eram aeronaves incompletas e mais simples que os seus similares italianos. Com a modernização, a FAB finalmente terá o avião de ataque com as capacidades que sempre desejou, incorporando também os avanços de todos esses anos. Os A-1M que hoje estão saindo das instalações de Gavião Peixoto viraram o jogo e, agora, quem deve morrer de inveja são os pilotos italianos de AMX. Pelo menos enquanto não chega a hora de pilotarem o F-35.
*Artigo publicado originalmente na revista Forças de Defesa número 9