Ciência no Brasil vive pior crise em 20 anos
O cenário é o “pior dos últimos 20 anos”, segundo a presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Helena Nader. Sem dinheiro em caixa, agências de fomento estão cancelando editais e atrasando o pagamento de milhares de projetos.
A raiz do problema está no FNDCT, um grande portfólio de fundos setoriais que há décadas é a principal fonte de recursos de fomento à pesquisa no País. A partir de 2014, com a mudança nas regras de distribuição de royalties do petróleo, os recursos do pré-sal que alimentavam o Fundo Setorial do Petróleo (CT-Petro) passaram a fluir para o Fundo Social, que não é parte do FNDCT e não é dedicado à ciência. Com isso, o valor arrecadado pelo CT-Petro despencou de R$ 1,4 bilhão em 2013 para R$ 140 milhões em 2014 – e não deve chegar a R$ 30 milhões neste ano.
A arrecadação total do FNDCT, consequentemente, caiu de R$ 4,5 bilhões em 2013 para R$ 3,2 bilhões em 2014; e mais de R$ 1 bilhão desse valor foi reservado para o Ciência sem Fronteiras – algo que deve repetir-se neste ano. O quadro é agravado pela alta do dólar e pela recessão, que reduz a arrecadação de impostos e impacta o orçamento das fundações de amparo à pesquisa dos Estados.
“A situação é mesmo muito dura. Os editais de pesquisa têm ficado a seco”, diz Glaucius Oliva, pesquisador do Instituto de Física de São Carlos (IFSC-USP) e ex-presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
O orçamento do CNPq para este ano prevê um repasse de R$ 1,22 bilhão do FNDCT, mas só um quarto disso (R$ 330 milhões) foi recebido até agora. O conselho está retardando o pagamento de editais aprovados no ano passado e cancelando ou adiando a abertura de novas chamadas. Apenas 6 editais foram abertos neste ano, comparado a 51 em 2014 e 91 em 2013.
A chamada para criação dos novos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs), de R$ 641 milhões, até agora não foi concluída, apesar do prazo para submissão de projetos ter-se encerrado um ano atrás. A tradicional Chamada Universal, aberta a todas as áreas de pesquisa, não deverá ser lançada neste ano, visto que o CNPq está tendo dificuldades para executar a chamada do ano passado, de R$ 200 milhões. Só R$ 50 milhões foram pagos até agora para mais de 5,5 mil projetos contemplados no edital.
“A prioridade é pagar aquilo que já foi julgado, antes de lançar coisas novas, sem lastro”, diz Oliva, que deixou a presidência do CNPq em fevereiro.
Fila de espera. A neurocientista Suzana Herculano-Houzel, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é uma dos milhares de cientistas aguardando pagamento. Ela teve um projeto de R$ 50 mil aprovado no Universal de 2014, mas só recebeu R$ 6,5 mil até agora. “O jeito é tirar dinheiro do próprio bolso para manter o laboratório funcionando”, diz. “Eu já me devo uns R$ 15 mil.”
Elibio Rech, da Embrapa, também está na fila, aguardando R$ 120 mil que foram aprovados para o desenvolvimento de um óleo de soja mais saudável. Até agora, só recebeu 10%. “Já tivemos crises, mas nunca vimos chegar a esse ponto. O Universal nunca deixou de ser pago. É uma sinalização muito ruim, especialmente para os cientistas mais jovens, que dependem desses pequenos auxílios.”
Na esfera acadêmica, para não cancelar bolsas, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) do MEC precisou cortar 100% dos recursos de capital e 75% das verbas de custeio destinadas aos programas de pós-graduação de todo o País. “Tivemos de nos ajustar à nova realidade”, diz o diretor de Programas e Bolsas da Capes, Márcio de Castro Silva.
FONTE: Diário de Pernambuco