John Boyd, o piloto de caça que mudou a arte do combate aéreo – parte 2
Boyd e seu amigo Christie começaram então a alimentar o computador IBM com dados de performance dos caças soviéticos. Boyd tinha planejado mostrar os gráficos das diferenças entre as taxas de energia dos caças americanos e russos.
Mas para espanto de Boyd, os gráficos mostravam que numa grande parte do envelope de performance, o caça soviético era superior às aeronaves de caça americanas.
O F-4 Phantom era muito pesado e não tinha uma área de asa grande para fechar nas curvas como o MiG-21 a grande altitude. O único lugar em que o F-4 poderia vencer o MiG-21 era em baixas altitudes e em alta velocidade.
A pior notícia porém era que o novo F-111 era inferior que qualquer aeronave soviética em qualquer velocidade e altitude. Quando Boyd terminou os gráficos, ele começou a brifar os pilotos de Eglin e voltou a Nellis para brifar os pilotos de lá também.
No começo de 1965, Boyd foi para o Vietnã e brifou os pilotos de F-105 sobre táticas de caça. Depois disso, Boyd fez um tour pelas bases da Europa para dar palestras sobre a teoria E-M.
Por fim, ele brifou o chefe do Tactical Air Command, General Walter Campbell Sweeney Jr e o General Bernard Schriever, chefe do Air Force Systems Command, para que os generais de quatro estrelas soubessem da pobre performance do F-111 comparado às aeronaves soviéticas.
No Vietnã
No Vietnã, o F-105 e o F-4 Phantom eram as aeronaves erradas para as tarefas que estavam cumprindo. O F-105 estava sendo usado como avião de ataque, enquanto o grande e pesado F-4C estava sendo usado como caça e não era páreo para o MiG.
Boyd também mostrou que os mísseis ar-ar americanos Sparrow e Sidewinder tinham uma performance sofrível e podiam ser facilmente evitados em manobras evasivas.
Na primavera de 1966, Boyd recebeu ordens de transferência para a Tailândia como piloto de F-4 Phantom, o que era justamente o que ele queria. A Guerra Aérea no Vietnã estava quente, mas as forças americanas não estavam indo bem. Em 1965, os americanos tinham perdido 171 aeronaves.
Para diminuir as perdas, os F-4C receberam ordens para voar fazendo cobertura aos F-105s, mas o F-4C era muito grande e pesado para “dogfights” contra os mais manobráveis e ágeis MiG-21.
Não havia canhão no Phantom e o envelope de lançamento dos primeiros mísseis Sparrow e Sidewinder era tão pequeno, que um piloto tinha que ser extremamente proficiente para atingir a posição de tiro.
As ordens de Boyd para a Tailândia foram repentinamente suspensas e ao invés de ir para a guerra, ele foi enviado para o Pentágono no verão de 1966. O programa do caça F-X da USAF estava com problemas.
O problemático F-X perseguia a definição “Bigger-Higher-Faster-Farther” (“Maior, Mais Alto, Mais Rápido e Mais longe”) da USAF. A US Navy fez seu papel, quando os almirantes tiveram sucesso com o Secretário de Defesa McNamara, prometendo que a Marinha aceitaria o F-111, se ela pudesse continuar o desenvolvimento do motor TF30 e do míssil Phoenix.
A Marinha planejava testar a compatibilidade do F-111 com navio-aeródromo e depois recusar o avião, indo ao Congresso para dizer que já tinha um motor e míssil pronto e com o dinheiro alocado para o F-111, iria desenvolver um novo caça naval. Esse caça viria a se tornar o F-14 Tomcat.
A USAF corria o risco de ter que adotar um novo caça projetado para a Marinha em seu inventário, como aconteceu com o F-4 Phantom. Boyd foi levado ao Pentágono para salvar o projeto F-X da estratégia da Marinha.
F-X
O F-X tinha tido seu peso baixado para 28.735kg, mas ainda assim era pesado, muito complexo, muito caro e tinha uma asa muito pequena. A aeronave era planejada para ser um caça multifunção. Boyd queria um caça pequeno, de um só motor e muito manobrável, que tivesse uma relação peso-potência melhor que qualquer outro caça no mundo.
O F-X deveria perder e ganhar energia mais rápido que qualquer outro caça, para dominar os céus nas próximas décadas. O F-X foi o primeiro caça americano projetado mediante as especificações de manobra E-M, com o “dogfight” em mente. Boyd queria que o F-X fosse mais manobrável que qualquer caça inimigo, mas ele não definiu nenhum valor de performance com relação à velocidade ou capacidade de curva.
Ao invés disso, Boyd queria uma aeronave com alta relação peso-potência para atingir excelente aceleração. Ele queria uma grande asa com manobrabilidade e energia suficiente para desengajamento e separação e para retornar ao combate em vantagem.
Deveria haver combustível suficiente para voar bem adentro do espaço aéreo inimigo e sustentar um “dogfight”. Boyd estava feliz com um pequeno radar, mas o pessoal da eletrônica queria detectar um MiG a 40 milhas náuticas, o que resultava num disco de radar enorme e por causa disso, um alto arrasto aerodinâmico da fuselagem.
Boyd insistiu em ter um canhão interno. Seus cálculos mostraram que a performance aerodinâmica obtida com as asas móveis do F-111 eram anuladas pelo peso extra que o sistema trazia com ele, mas a USAF ainda insistia nessas asas.
A teoria E-M de Boyd permitiu pela primeira vez na história do desenvolvimento dos caças a análise de todo o envelope de manobra de um caça desde o projeto e antes do primeiro voo do protótipo.
O ano de 1967 foi o pior da USAF no Vietnã. Estava claro que a Força Aérea não tinha um caça de superioridade aérea. A “kill rate” de 10:1 da Coreia caiu próxima da paridade e era até mesmo vantajosa para os Norte Vietnamitas. Depois da guerra, somente um piloto da USAF tinha o status de Ás (os outros dois eram WSOs), com 5 “kills”, enquanto o Vietnã do Norte tinha 16 ases que eram veteranos de combate e lutaram no ar por anos.
A USAF continuou a tradição da Guerra da Coreia e rotacionava os pilotos para tarefas administrativas, depois de 100 missões. Por causa disso, pilotos de transporte e do SAC tinham que ser treinados para pilotar caças.
Em 1967, a União Soviética introduziu dois novos caças: o MiG-23 de asas móveis (geometria variável) e o rápido MiG-25. O MiG-23 não foi levado tão a sério pela USAF, mas o MiG-25 foi considerado uma grande ameaça. Foi dito que o MiG-25 podia alcançar a velocidade de Mach 2.8 e isto aumentou a prioridade do programa F-X.
Depois da Segunda Guerra Mundial, a USAF afirmou que o tempo dos “dogfights” tinha terminado e que agora a guerra seria com mísseis e o apertar de botões. Mas o Vietnã mostrou que John Boyd estava certo sobre as ineficiências do novo Sparrow e Sidewinder e que a USAF ainda precisava de caças com canhão. De fato, a introdução dos mísseis requeria que os caças tivessem mais manobrabilidade que os anteriores, para escapar dos mísseis.
O Tactical Air Command queria o F-X com velocidade máxima de Mach 3.0, o que iria afetar seriamente a capacidade de manobra da aeronave. Boyd insistiu na velocidade máxima de Mach 2.0, quando começou a perder a batalha pelo projeto. A aeronave voltou a ter 19.000kg de peso, com performance boa, mas inferior à planejada anteriormente.
O maior temor da USAF de que a US Navy não aceitasse o F-111B nas operações em navio-aeródromo tornou-se real. Os almirantes informaram que a Marinha já tinha projetado seu próprio caça chamado F-14 Tomcat e se o Congresso liberasse o dinheiro alocado para o F-111B, a Marinha iria fabricar o F-14 com ele.
A Marinha disse que a velocidade máxima do F-X era lenta em comparação com o MiG-25 e por isso o projeto do F-X deveria ser cancelado. Os almirantes disseram que o F-14 faria tudo muito melhor que o F-X e que a Marinha ficaria feliz em “ajudar” a USAF e venderia seu caça para a Força irmã.
A USAF enfrentou as acusações dizendo que a velocidade máxima do F-X era de Mach 2.5 e que combinada com o míssil AIM-7 Sparrow, seria suficiente para conter o MiG-25. Boyd realizou audiências no Comitê House Armed Services dizendo que o futuro do F-X esbarrava no projeto de asas móveis (swing-wing).
O Comitê acabou não aceitando o projeto com asas móveis, e o F-X se transformou no caça F-15 Eagle. A USAF não precisou comprar outro projeto de caça da Marinha.
Apesar da popularidade do filme “Top Gun” de 1986, o projeto de geometria variável do F-14 Tomcat tornava-o pesado, suas turbinas eram fracas para seu tamanho e ele tinha pouca manobrabilidade.
Fighter Mafia
John Boyd não desistiu da sua visão de um pequeno caça altamente manobrável, com alta razão peso-potência. Ele sugeriu que a USAF deveria ter um avião de “backup”, caso o projeto do F-15 falhasse.
Boyd, o coronel Everest Riccioni e Pierre Sprey formaram a “Lightweight Fighter Mafia” para promover suas ideias no Pentágono. Boyd não estava feliz com a maneira com que a USAF tinha mudado o projeto original do F-15.
Ele queria um projeto de caça simples diurno, com 9.000kg de peso, e com menos arrasto, com uma performance muito melhor que o F-15. Riccioni conseguiu a verba para que a Northrop desenvolvesse o estudo inicial do YF-17 e a General Dynamics o do YF-16.
Enquanto isso, a mídia focava no alto custo do F-15 e na baixa performance do F-14 Tomcat. O governo Nixon pressionou o Secretário da Defesa Melvin Laird para colocar o sistema de aquisições militares na linha.
Laird deu a missão ao seu assistente David Packard, que aprovou o projeto do caça leve (lightweight fighter project). A USAF ativou oficialmente o projeto em dezembro de 1970. A “Lightweight Fighter Mafia” queria procedimentos realistas para a competição entre os protótipos. Ambos os caças teriam que voar em cenários realistas de combate contra caças MiG mantidos em segredo numa base no complexo de Nellis.
Os estudos do caça leve mostraram que o caça teria melhor performance que o F-15 Eagle, mas esta informação deveria ser mantida em segredo, porque a Força Aérea não queria que o protótipo fosse superior ao F-15.
Em abril de 1972, o Secretário de Defesa Laird aprovou a construção dos caças competidores. No final de 1971, Boyd recebeu ordens para ir ao Vietnã numa base secreta na Tailândia e partiu para lá em abril de 1972, quando o protótipo do projeto do caça leve foi aprovado.
>>>Continua em próximo post