Rafale para a Índia: o ‘dogfight’ das notícias às vésperas da visita de Modi à França

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Há poucos dias da visita do primeiro ministro indiano Narendra Modi à França, a mídia local e internacional traz notícias contraditórias sobre as conversações para assinatura do contrato do Rafale, ainda por finalizar três anos após a seleção do caça francês

Um combate aéreo aproximado (dogfight) está ocorrendo pelo espaço aéreo da mídia internacional e indiana, nesses poucos dias que antecedem a visita à França do primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, que também visitará a Alemanha e o Canadá. E o protagonista desse embate de informações contraditórias é o jato francês Dassault Rafale, avião que a Índia anunciou como vencedor de uma disputa acirrada com outros cinco caças no início de 2012, mas que até hoje não viu o seu contrato atingir a posição de disparo de uma assinatura.

Antes do final desta semana o primeiro-ministro Modi deverá chegar à França para uma visita de Estado, e o presidente francês François Hollande já afirmou que não haverá qualquer anúncio sobre a venda do caça Rafale à Índia antes de sua chegada. A informação foi dada pela NDTV indiana, trazendo a seguinte declaração de Hollande para repórteres, em Paris: “Não haverá anúncio sobre a venda do Rafale antes da visita do primeiro-ministro Modi à França, e eu não quero que a visita do premiê seja colocada no contexto de um contrato”. Perguntado sobre a proposta de venda de 126 caças Rafale à Índia, Hollande se limitou a dizer: “Estamos trabalhando nisso”.

Porém, conforme notícia publicada pelo informativo russo Sputinik News nesta terça-feira, talvez essa diretiva de Hollande para tirar publicamente a visita do contexto de um contrato não tenha sido combinada com o embaixador francês na Índia, François Richier. O embaixador teria dito que a discussão está na agenda dos encontros programados para os dias 10 e 11 de abril: “O que posso dizer sobre o Rafale é que o acordo está andando. O contrato estará na agenda de conversações durante a visita do primeiro-ministro Modi à França.”

O diário econômico indiano Business Standard também noticiou as declarações do embaixador Richier, porém destacou o caráter evasivo delas, acrescentando que este fez referência a um grande desejo de empresas francesas em participar do programa local “Make in India”, e que o destino do contrato do Rafale seria um elemento chave para isso. Para o lado indiano, porém, segundo o Business Standard continuaria valendo o que uma autoridade da Índia disse há pouco tempo: “A bola está com a França”.

Em outra notícia, a NDTV trouxe mais detalhes sobre as declarações do embaixador. Richier teria enfatizado que a visita de Modi à França terá foco em negócios, com ênfase na iniciativa “Make in India”, cidades inteligentes e cooperação em energia – afirmando que a visita também focará em discussões sobre o Rafale, que estariam “em andamento”.

Em coletiva de imprensa, o embaixador descreveu a França como um país “pró-negócios”, mencionando em especial conversações na área energética, como a planta nuclear de Jaitapur (onde a francesa Areva deverá instalar até seis reatores pressurizados). Ainda sobre energia, ele destacou que empresas francesas já respondem por 10% da produção indiana de energia solar, à qual Modi deseja acrescentar 100 GW nos próximos cinco anos, e que a França também quer responder por 10% desse acréscimo. Tratamento de esgoto, trens-bala e cooperação espacial também estariam na pauta da visita do primeiro-ministro à França.

Voltando ao Rafale, o jornal Times of India foi mais incisivo quanto a notícias sobre a posição indiana nas discussões. Segundo reportagem também publicada hoje (7 de abril), a Índia não vai assinar o mega contrato estimado em 20 bilhões de dólares até que a França concorde em cumprir o preço original que levou o Dassault Rafale a derrotar, na avaliação comercial das propostas, o jato Eurofighter Typhoon na fase final da disputa do programa MMRCA – avião de combate multitarefa de porte médio.  Esta seria, segundo o jornal, a base da posição indiana para se concluir as negociações com a empresa fabricante do caça, a Dassault Aviation, pendência que permanece às vésperas da ida de Narendra Modi à França.

Segundo uma alta fonte contactada pelo jornal, está havendo pressão política francesa para a assinatura do contrato. A fonte, não revelada, afirmou que “a Dassault precisa aderir aos compromissos que já fez. Nenhum governo indiano pode finalizar um projeto desse tamanho se o preço do L-1 (ofertante de menor valor) é mudado… Isso pode ser um fator de quebra de contrato, apesar da pressão política da França.”

O Times of India já havia publicado notícia sobre um incômodo do ministro da Defesa indiano com a Dassault, devido às tentativas desta para “mudar a linha de preço” devido a ajustes substanciais dos preços de produção de 108 das 126 aeronaves do contrato na estatal indiana de aviação HAL (Hindustan Aeronautics Limited) . Vale lembrar que a oferta prevê que os 18 primeiros caças serão produzidos na França, e os demais na Índia com crescente conteúdo local e transferência de tecnologia.

Ainda sobre o preço da Dassault, a fonte do Times of India também afirmou haver um “grande salto nas horas-homem necessárias” para cada caça ser produzido pela HAL após a transferência de tecnologia, levando o custo unitário para muito acima do originariamente projetado.  A fonte também disse: “Hipoteticamente, se o custo de cada caça subir entre Rs 30-40 crore, estaríamos encarando um aumento de Rs 3,240-Rs 4,320 crore para os 108 jatos a serem feitos localmente. A Dassault precisa ceder e cumprir totalmente o RFP (pedido de proposta) e se manter 100% em sua oferta original. Ela poderá viver com uma margem de lucro um pouco menor.”

Porém, o Times of India não trouxe apenas informações sobre problemas, havendo progressos em outras áreas: fontes do jornal mencionaram o desenvolvimento de um dispositivo legal para garantir que não haja penalidades, para a Dassault, caso a HAL falhe em cumprir os cronogramas especificados. O volumoso contrato estaria praticamente 90% completado, e entre os assuntos já concordados estariam a transferência de tecnologia, as compensações (offsets) e outros acordos intergovernamentais.

A Reuters repercutiu a notícia do Times of India sobre o pedido indiano à França para se manter nos custos originais de sua oferta, em reportagem que traz o título: “Índia procura resolver a disputa do Rafale antes da visita à França”. A Reuters destacou que inicialmente o programa MMRCA estava estimado em 12 bilhões de dólares e que o preço saltou para 20 bilhões, o que decorreria da construção de aeronaves na Índia. Assim, a agência repetiu o que a fonte do jornal indiano disse sobre o desejo da Dassault subir o preço para cobrir o aumento do custo local da produção, e que isso poderia levar ao fim do contrato. Ainda segundo a Reuters, não havia porta-voz do Ministério da Defesa da Índia disponível para falar sobre o assunto, e a Dassault não quis comentá-lo. A agência de notícias também relembrou que em fevereiro o diretor executivo da Dassault, Eric Trappier,  havia dito à PTI que o preço do Rafale continuava o mesmo desde o primeiro dia.

Ao contrário dos “dogfights” reais no céu, que duram poucos minutos ou até segundos, esse combate de informações e disputas contratuais sobre a contrato do Rafale na Índia vem se estendendo há anos. Será que a visita de Modi à França trará um fim a essa luta? Ou será mais uma ocasião a entrar na lista de encontros inconclusivos entre diretores de empresas, ministros e presidentes? Enquanto isso, a frota atual de caças da Índia continua caindo, embora não como resultado de dogfights, mas devido ao atrito operacional.

FOTOS (em caráter meramente ilustrativo): Força Aérea Francesa

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