Especialista indiano usa o F-X2 brasileiro para atacar a negociação do Rafale na Índia

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Texto de especialista indiano em política e estratégia destaca a rejeição do Rafale no programa F-X2 do Brasil e compara os custos para ambos os países, afirmando que a intenção da Índia comprar o Rafale é ‘um grande erro’

Na sexta-feira, 25 de julho, o jornal indiano publicou coluna de Bharat Karnad, professor do Centro para Pesquisas Políticas, de Nova Deli, atacando fortemente a intenção da Índia comprar o caça francês Rafale, da Dassault. Com o título “Why Rafale is a Big Mistake” (porque o Rafale é um grande erro), o artigo já inicia com uma pergunta contundente: Por que a Índia deveria comprar o avião de combate Rafale, rejeitado por todos os outros países interessados – Brasil, Canadá, Holanda, Noruega, Coreia do Sul, Cingapura, Arábia Saudita e Marrocos?

Karnad afirma que o ministro das Relações Exteriores francês, Laurent Fabius, teve como principal objetivo em sua agenda na recente visita à Índia selar a venda do Rafale, um caça que aparentemente se encaixa na ideia da Força Aérea Indiana de um avião de combate multitarefa de porte médio (MMRCA). Isso dentro da classificação única da força, que também inclui caças “leves” e “pesados”, e que não é utilizada por nenhuma outra força aérea no mundo, segundo o autor. Após o ministro da Defesa anterior, A K Antony, manter o contrato parado no estágio de negociação de preço ao sentir o primeiro cheiro de corrupção no ar, Laurent Fabius pretendia desvencilhar a questão.

O desespero francês é compreensível. Sem o acordo com a Índia, a linha de produção do Rafale vai fechar, o futuro de seu setor aeroespacial se tornará obscuro e todo o setor de pesquisa e desenvolvimento industrial francês, engajado em tecnologias de ponta e baseado em empresas pequenas e médias – uma versão do modelo “Mittelstand” alemão de enorme sucesso – poderá sair dos trilhos e rebaixar a França para a segunda categoria das potências tecnológicas.

No curto prazo, isso levará a um grande aumento nos custos unitários do caça – um acréscimo entre 5 a 10 milhões de dólares nos valores para a Força Aérea Francesa – levando os franceses a limitar as encomendas. Sem clientes internacionais e com a França incapaz de pagar pelo caro Rafale, a indústria aeronáutica militar francesa estará numa encruzilhada. Assim, para a França há muito em jogo e a Índia foi considerada um alvo fácil, um país desejoso de pagar excessivamente por um avião que a Força Aérea Indiana pode passar muito bem sem ele.

A respeito dos valores envolvidos, pode-se usar o exemplo do Brasil, parceiro da Índia nos BRICS. Para 36 caças Rafale o custo de aquisição, de acordo com a mídia brasileira, era de 8,2 bilhões de dólares, com 4 bilhões adicionais para contratos de manutenção de curto prazo, o que levaria o custo unitário dos caças, nesse pacote, a cerca de 340 milhões de dólares – ou aproximadamente US$ 209 milhões por cada Rafale sem apoio de manutenção. O Brasil insistiu em transferência de tecnologia (ToT) e recebeu a resposta de que teria que pagar um grande valor extra para a mesma, assim como pelas armas para seus caças Rafale. Porém, a Força Aérea Brasileira tinha dúvidas sobre a qualidade dos radares AESA (varredura eletrônica ativa) em mudar rapidamente dos modos ar-ar para ar-solo em voo, e sobre o visor montado no capacete. Em suma, era muito custo para muito problema, o que convenceu o governo da presidente Dilma Rousseff de que o Rafale não valia os problemas e o dinheiro, levando o Brasil a optar pelo caça sueco Gripen NG.

Durante a governo do Partido Congressista a Índia não se abalou com as perspectivas da conta do Rafale, que mais do que dobrou dos 10 bilhões de dólares de 2009 para cerca de 22 bilhões hoje e que, conforme estimativas realistas, poderá exceder US$ 30 bilhões, ou 238 milhões de dólares por aeronave, no mínimo. Mas a Índia,  por alguma razão desconhecida, é aparentemente um país extremamente rico, com dinheiro para queimar. Enquanto isso, o Reino Unido, aparentemente um país mais pobre ou mais cuidadoso com seu dinheiro, está pálido ante uma conta de 190 milhões de dólares por cada um dos 60 caças Lockheed Martin F-35B de uma geração à frente do Rafale (e de decolagem vertical, tecnologicamente mais complexos do que a versão para forças aéreas) que pretende adquirir para o primeiro de seus navios-aeródromos classe Queen Elizabeth de 65.000 toneladas.

O custo proibitivo do avião francês aparentemente deixou apreensivo o ministro das finanças e da defesa (cargos atualmente acumulados) Arun Jaitley. Há rumores de que ele fez a coisa certa, revisando a encomenda para uma quantidade menor de caças Rafale, caindo de 126 para 80 aeronaves. Como precaução, a Força Aérea Indiana concordou, para salvar o acordo. Porém,  se essa mudança foi afetada pela esperança de reduzir o custo proporcionalmente, está fadada a ser enganosa. Em contratos que envolvem aviões de combate de alto valor, o tamanho da encomenda não afeta muito o preço unitário, o custo de de peças de reposição e o de apoio, além da transferência de tecnologia. Isso fica evidente nas estimativas aproximadas do custo por avião para o Brasil, de 209 milhões de dólares para cada um de 36 caças Rafale, comparado aos 238 milhões para cada um de 126 aviões do mesmo tipo para a Índia.

Devido ao fato a Índia se inclinar a fazer do país uma “grande potência” militar baseada em armamentos importados – uma política que beneficia estados fornecedores já que gera empregos e tecnologias nesses países e sustenta suas indústrias de defesa, uma autoridade francesa disse a Bharat Karnad, referindo-se a um outro contrato, que “a Índia vai pagar o preço”. Considerando os diversos pontos negativos do acordo proposto e os interesses nacionais de longo prazo, o ministro Jaitley faria bem em cancelar completamente o negócio do Rafale.

O esforço burocrático da Força Aérea Indiana a leva a exagerar ameaças erradas e a falar em capacidade declinante na aviação de caça. Mas ela não vai falar ao ministro da Defesa sobre o inferno logístico que os esquadrões de linha de frente enfrentam rotineiramente em operações, devido à assustadora diversidade de aviões de combate no seu inventário, um problema que a aquisição do Rafale só vai exacerbar e, consequentemente, não falará sobre a urgente necessidade de racionalizar a estrutura da força, idealmente com caças Su-30 e os aviões desenvolvidos localmente, como o Tejas Mk-1 para a defesa de curto alcance, o Tejas Mk-II como MMRCA (caça médio) e o Su-50 PAK FA como caça de quinta geração.

A Força Aérea Indiana também não vai dizer às autoridades de produção do Departamento de Defesa para que expliquem a Jaitley que as provisões de transferência de tecnologia, em contratos de armas, são uma farsa fraudulenta, porque enquanto o fornecedor estrangeiro embolsa bilhões de dólares, nenhuma tecnologia fundamental, como os códigos-fonte (milhões de linhas de programação) e leis de controle de voo, é transferida. E também que a indústria de defesa local, monopolizada por unidades de defesa do setor público (DPSUs – defence public sector units) são incapazes de absorver e inovar em tecnologias do tipo já que, de fato, as repassa pois apenas faz a montagem de aeronaves a partir de kits importados.

Acabar com o contrato do Rafale causará uma interrupção, porém é mais importante mandar uma mensagem aos militares, às DPSUs, à burocracia do Ministério da Defesa e às empresas estrangeiras, que salivam pelos contratos unilaterais, que o governo de Narendra Modi está determinado a fazer um novo começo e conduzir os negócios de defesa de maneira diferente.

O professor e pesquisador Bharat Karnad, conceituado professor do Centro de Pesquisas Políticas da Índia  CPRIndia), é autor de diversos livros sobre a política nuclear e estratégica indiana, sua política externa e, mais recentemente, sobre o porquê do país não ser ainda uma grande potência. Fez parte do primeiro conselho consultor de segurança nacional, do grupo de delineamento da doutrina nuclear, do conselho de segurança nacional do governo da Índia, sendo também consultor de gastos de defesa da comissão financeira indiana. Também foi professor visitante na Universidade de Princeton, Universidade de Pennsylvania e Universidade de Illinois (EUA), entre outras instituições, e ministrou cursos para oficiais generais das três armas da Índia sobre orientação estratégica nuclear, além de conduzir o primeiro jogo de guerra nuclear indiano interagências.

FONTE: The New Indian Express (tradução e edição do Poder Aéreo a partir de original em inglês)

FOTOS: Força Aérea Francesa

NOTA DO EDITOR: apesar de aparentemente fazer algumas comparações de custos discutíveis, por pegar de um lado um valor de pacote de venda do Rafale incluindo manutenção, e outro em que deixaria de lado esse item, o autor indiano toca num ponto importante: numa força que já é equipada com uma grande diversidade de modelos de caças, o acréscimo de outro modelo de avião para cumprir o papel de MMRCA, e estrangeiro, representa uma continuidade dessa política que traz problemas logísticos.

A  ironia é que o Rafale, na França, foi criado justamente para racionalizar a aviação de caça francesa, substituindo diversas aeronaves (Mirage F1, Mirage 2000, Jaguar, Super Etendard) ao mesmo tempo em que oferece capacidades superiores. Vale dizer que, no Brasil, a função do Rafale (assim como será a do Gripen, que acabou sendo o escolhido no F-X2 após o Rafale ocupar por muito tempo a preferência governamental) também seria semelhante ao modelo francês de racionalizar, substituindo gradativamente três tipos de aeronaves de combate (Mirage 2000, F-5M e A-1M), ou mesmo quatro, se pensarmos no jato naval A-4. Já na Índia, conforme analisa o autor, o Rafale será mais um caça entre outros (aos quais também se somará o Sukhoi PAK FA, de quinta geração), numa força que foge da racionalização e tende a lidar com diversas cadeias logísticas e capacidades sobrepostas, ao contrário da tendência de boa parte dos países. Bharat Karnad já defendeu em artigo publicado em outro jornal (veja primeiro link da lista abaixo) que o futuro caça Tejas Mk-II deveria cumprir o papel que se pretende para o Rafale na Força Aérea Indiana.

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