Editor-chefe de jornal suíço, que na juventude foi contra aquisição de caças, escreve a favor do Gripen
Markus Somm é editor-chefe do jornal Basler Zeitung, e quando jovem fez parte do grupo “Suíça sem Forças Armadas”. A maturidade trouxe uma opinião sobre caças mais voltada às questões de política externa do que interna, e é a primeira que ele acha que os eleitores precisariam levar em conta no referendo dos caças marcado para 18 de maio, e não a segunda – segue uma tradução adaptada da opinião escrita no jornal, que serve de reflexão para quem critica compras de caças em geral, aqui ou na Suíça, com olhos para dentro e não para fora
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O programa “Rundschau” da TV Suíça, na semana passada, sugeriu que o país poderia defender seu espaço aéreo em cooperação com países vizinhos, o que tornaria supérflua a compra de um novo caça. Chegou-se a propor cooperação com os austríacos, que voam apenas 15 caças em meio aos Alpes para seu policiamento aéreo. Um consultor de segurança alemão, atualmente sociólogo, afirmou repetidas vezes que há uma política de defesa irracional do governo suíço, e que os F/A-18 do país seriam suficientes, não havendo necessidade de gastar dinheiro nisso.
O meu pensamento de reação a essa proposta pode até parecer de um senso de humor reacionário: por que justamente a Áustria, uma sobra do que eram os Habsburgos, e sete séculos depois que foram chutados daqui pelos helvéticos, ser chamada de volta? A questão é muito mais séria do que parece.
O debate está errado
Daqui a três semanas, quando a Suíça vai decidir se quer comprar 22 novos caças Gripen da Suécia, o verdadeiro assunto não será o que se debate nos jornais: se o Gripen E é o melhor avião do mundo ou o segundo melhor, se seus defeitos foram resolvidos, se os suecos são confiáveis, se poderíamos comprar um avião melhor, porém mais caro. Nada disso é o ponto central.
O que está em jogo é o que nossos ancestrais conquistaram, pouco a pouco, século a século, nos últimos setecentos anos, com perseverança e sangue: nossa soberania. Sem forças armadas, sem armas, sem a capacidade de proteger nossas fronteiras ou nossa população em caso de emergência extrema e por meio da força, tanto esse país quanto seus direitos, prosperidade e constituição não valem nada.
A lição de Napoleão
A Suíça nunca foi atacada nos momentos em que dispunha de um exército razoavelmente eficiente. O último caso foi de Napoleão, que conquistou o país em 1798 por algum tempo porque não tínhamos tropas para lhe opor: a maior parte dos nossos soldados estava em serviço no exterior.
Hoje, é difícil imaginarmos uma guerra por aqui, tanto quanto um terremoto ou acidente nuclear. Porém, será que uma cidade desistiria de ter um corpo de bombeiros somente porque, no passado recente, nenhuma casa pegou fogo?
Nas últimas décadas a Suíça reduziu significativamente suas forças armadas, desativando carros de combate e quartéis. De um exército capaz de mobilizar rapidamente 600.000 homens, resta uma força de 100.000. A Queda do Muro de Berlim em 1989 justificou essa diminuição, a qual não é um assunto a se criticar aqui. Porém era falsa a expectativa, defendida por alguns militares de alta patente à época, de que a Suíça se tornaria um membro da OTAN. Hoje está claro que a grande maioria da população não quer isso, e mesmo o futuro da OTAN é algo incerto. Hoje o contexto é mais confuso do que na década de 1990 e a neutralidade, atualmente, parece algo mais moderno do que os velhos sonhos de um mundo de paz e cooperação permanentes. Putin chacoalhou a realidade.
Indo além do charme de ser dissidente
Já fui membro do grupo “Suíça sem Forças Armadas”, e celebrei nosso “sucesso” na votação de 26 de novembro de 1989, em que 35,6 por cento dos eleitores votaram pela abolição das Forças Armadas. Celebramos esse pequeno número como um triunfo, tanto quanto tivéssemos atingido uma maioria de 70%. Com o mesmo entusiasmo, conquistei assinaturas para colocar em votação a compra dos caças F/A-18. Novamente, fracassamos de forma colossal, mas nos sentimos vitoriosos.
O que me motivava a ser contra as Forças Armadas, na época, era a política doméstica. Não era um pacifista, e sim um dissidente por natureza. Eu e meus colegas víamos o poder constituído se apoiando nas Forças Armadas, e nossa visão era entrar na cova do leão para matá-lo. Era o irresistível apelo de uma rebelião contra nossos pais de uniforme. Vinte anos depois, fiquei obviamente mais velho e, felizmente para mim, mais sábio. Hoje, as políticas externas e de segurança têm muito mais peso quando penso nas Forças Armadas, e não a política interna.
O que ocorre hoje na Ucrânia contrasta com nossas esperanças de 1989. A guerra é parte da condição humana, está na nossa natureza. Não acredito que precisemos temer os alemães ou os austríacos de novo, mas estou convencido de que a guerra é algo que pode acontecer, mesmo na Europa. Por isso, faz todo sentido ter Forças Armadas.
Se hoje o grupo “Suíça sem Forças Armadas” conseguisse 20% de apoio, seria muito. Porém, os que são a favor de termos Forças Armadas não podem achar que prescindiríamos de uma Força Aérea. Muitas guerras começam no ar e, sem apoio aéreo, as tropas em terra não sobrevivem. Ao mesmo tempo, nada amedronta mais um oponente do que o ataque aéreo. E se um oponente calcular que seus caros aviões serão abatidos ao se aventurarem sobre St. Gallen ou Basel, ele vai pensar duas vezes se vale a pena desafiar a neutralidade da pequena Suíça.
Menos é mais
O Gripen E certamente não é o melhor avião de nossa era, mas é o suficiente. É moderno e econômico em sua manutenção. A Suécia, país da fabricante do caça (Saab), é um parceiro previsível e com o qual podemos conversar. Nesses tempos de disputas contínuas com a Alemanha e a França, e até com os Estados Unidos, não seria racional pensar em aviões desses países, que são superpotências nada benevolentes. Pequenos países devem se aproximar, e há vantagens nisso. O chefe do Departamento de Defesa, Ueli Maurer, é o primeiro no cargo que não quer comprar o mais caro e melhor caça do mundo, mas o segundo melhor. E isso combina com o tempo de hoje, com um país frugal.
Policiamento aéreo em conjunto com a Áustria? Devemos mais do que isso a nossos ancestrais. Temos o direito de defender a liberdade de nosso país sozinhos, e também devemos isso a nossos filhos e netos, para que eles não se vejam, daqui a cinquenta anos, sem defesa contra os perigos do mundo. Porque sempre há um Putin.
FONTE: Basler Zeitung (tradução e edição do Poder Aéreo a partir de original em alemão)
FOTOS: Departamento de Defesa da Suíça
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