A dependência russa em relação a equipamentos militares de origem ucraniana
O “think tank” britânico Royal United Services Institute (RUSI) é uma instituição de grande respeito na área de defesa e segurança que se aproxima dos 200 anos de existência. No início deste mês o RUSI trouxe um interessante estudo sobre a atual situação na Ucrânia cujo título é: “Ukraine Military Dispositions, The Military Ticks Up while the Clock Ticks” (DownIgor Sutyagin e Michael Clarke). Abaixo, nós traduzimos a parte do texto referente à dependência russa com relação ao material militar de origem ucraniana. Observem que parte dos componentes não possui equivalente na Rússia e muitas das exportações russas dependem deles.
Do total das importações da Rússia, apenas 4,4% vêm da Ucrânia, mas é composta por componentes vitais para alguns elementos-chave do arsenal militar russo. Cerca de 30% das exportações militares da Ucrânia para a Rússia são de componentes únicos e não podem ser atualmente substituídos por componentes de produção russa. O mísseis balísticos intercontinentais (ICBM em inglês) SS-18 da Rússia são concebidos e produzidos pela empresa ucraniana Yuzhmash em Dnepropetrovsk. Os SS-18 são regularmente verificados e mantidos por especialistas da Yuzhmash. Dois outros sistemas de mísseis estratégicos, o SS-25 (RT-2PM Topol) e o SS-19 (UR-100 NUTTKh) – são projetados e produzidos por empresas russas, mas empregam sistemas de guiagem projetados e produzidos na Ucrânia pelo complexo industrial e científico de Kharkiv. Os SS-18, SS-19 e SS-25 atualmente representam cerca de 51% do inventário de armas nucleares estratégicas da Rússia estratégica em geral e mais de 80 % dos foguetes estratégicos russos especificamente. Além disso, cerca de 20% do urânio natural atualmente consumido pela indústria nuclear da Rússia, tanto para fins civis e militares, vem de Zholti Vody na Ucrânia.
Desde os tempos soviéticos, o programa de construção naval da Rússia dependia fortemente de turbinas a gás e engrenagens produzidas em Mykolaiv, Ucrânia. Embora a indústria russa tenha aprendido a construir grandes motores de turbinas a gás desde então, ela ainda não domina a fabricação de engrenagens para eles e a Rússia ainda necessita das engrenagens ucranianas para 60% das unidades superfície de combate da sua marinha.
A Força Aérea Russa também é extremamente dependente da indústria de defesa ucraniana. Empresas ucranianas produzem o míssil ar-ar de médio alcance R-27 (AA-10 Alamo), bem como os “seekers” para o R- 73 (AA-11 Archer) de curto alcance que, entre eles, representam a maioria dos mísseis ar-ar operados pelos caças russos. Muitos dos sistemas auxiliares para os caças russos Su-27, Su-30 e Su-35 (desde sistemas hidráulicos a paraquedas), bem como para o mais novo Su-34, também são produzidos na Ucrânia. Em Zaporizhia, a planta Motor-Sich tem um papel importante na aviação russa. A Motor-Sich produz motores a jato para uma variedade aviões de transporte russo, incluindo o An-124 Ruslan, a maior aeronave de transporte russa, bem como para alguns aviões de combate e de treinamento. A planta também produz motores para todos os helicópteros de combate e de transporte russos, bem como todas as unidades de alimentação auxiliar para todos os helicópteros russos e para muitos tipos de aviões de combate de transporte.
A Rússia tem feito um grande esforço para reduzir sua dependência da Motor-Sich, mas a evidência é que ela não pode produzir motores suficientes para atender sua própria demanda – para não falar de um programa de rearmamento ambicioso que parece que vai exigir pelo menos 3.000 motores de helicópteros em um período de dois ou três anos para equipar as forças russas.
A dependência da Rússia em relação à Motor-Sich também tem o efeito de restringir suas próprias exportações militares no setor de aviação. Para o período 2013-2016, a Rússia garantiu contratos para a entrega de mais de 260 novos helicópteros ao redor do mundo e todos estão equipados com os motores principais e/ou auxiliares fornecidos pelo empresa ucraniana. Em 28 de março a empresa estatal que controla a produção de armamentos ucranianos e produtos militares relacionados, a Ukroboronprom, anunciou um congelamento de todos os suprimentos futuros para a Rússia. Os efeitos deste congelamento sobre a produção militar russa, bem como o seu potencial de exportação será, certamente, sentido a médio prazo, se não imediatamente.
Esta dependência militar russa em relação à produção ucraniana pode ser entendida de duas maneiras. Podemos supor que ela aumenta e incentiva [o presidente da Rússia Vladmir] Putin para encontrar uma solução pacífica em sua relação com a Ucrânia, e assim os suprimentos militares não serão interrompidos e a Rússia teria mais tempo para diminuir a sua crítica
dependência da produção ucraniana. Em função da anexação da Crimeia, parece que a dependência provavelmente não vai ser aliviada rapidamente pelos ucranianos.
Igualmente, no entanto, pode-se argumentar que, uma vez que a maioria das plantas militares em questão está no sul e no leste da Ucrânia, a tentação para apoiar uma divisão da Ucrânia ao longo do Rio Dnieper ou a criação de um corredor russo até a região da Transnistria, na Moldova será ainda maior. Sugerir cenários como estes para capturar a produção dessas plantas diversas seria uma maneira de atuação do século XIX em pleno século XXI. No entanto, mesmo estes cenários não podem ser descartados nas atuais circunstâncias.
FONTE: Royal United Serices Institute
AGRADECIMENTOS: T. Fujinami
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