A Suécia é modelo
O CEO da Saab, que vendeu os Gripen ao Brasil, diz como a educação e a necessidade de fazer mais com menos são a chave do sucesso da sua empresa e do seu país
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Quando o ex-presidente Lula anunciou, em 2009, que o governo havia escolhido os caças franceses para recompor a Força Aérea Brasileira, qual foi a reação dentro da Saab?
Eu ainda não estava na empresa, comecei em 2010, mas soube que, entre os executivos e funcionários da Saab, o anúncio do ex-presidente brasileiro foi como um raio que cai, de repente, num dia de céu azul, sem nuvens. Ou seja, totalmente inesperado, dado o grau de relação com os militares brasileiros encarregados da escolha (entre o sueco Gripen NG, o francês Rafale e o americano F-18). Feito o anúncio, achou-se durante certo tempo que a mensagem havia sido suficientemente clara, que a fatura estava liquidada e, portanto, o negócio seguiria nessa direção. Mas, por alguma razão, ele não se materializou — e, então, voltamos ao jogo.
O senhor tem ideia do que possa ter ocorrido?
Bem, em qualquer lugar do mundo, nesse tipo de grande concorrência, muito sensível também do ponto de vista estratégico, há diversos fatores que podem influenciar o resultado. Não raro, as opiniões dos consultores envolvidos no processo não coincidem com a visão da cúpula do governo. Enfim, não sei dizer o que aconteceu para o Brasil rever a decisão. O que posso afirmar é que a compra de caças é sempre uma decisão altamente política.
Em que momento as conversações com o governo recomeçaram?
Mesmo após o anúncio de 2009, nós nunca deixamos de conversar , e sempre de modo bastante amigável, ressaltando exclusivamente as qualidades do nosso avião. Creio que posso resumir a nossa atitude da seguinte maneira: nós, suecos, que vivemos perto do Polo Norte, onde as condições são árduas – e eu nasci bem próximo de lá – , aprendemos rapidamente que há vezes em que você vence e outras vezes em que você perde. Por isso, nunca falamos mal dos nossos concorrentes. Como dizia o meu pai, não se deve matar o vizinho, porque você pode acabar sozinho, e isso não é bom para a sobrevivência em um ambiente hostil repleto de ursos e alces… O fato é que o Gripen NG é um tremendo de um caça, o mais moderno do mundo e a um preço acessível. Além disso, nós nos comprometemos a transferir integralmente a nossa tecnologia, um ponto vital para o Brasil.
O senhor diria que o governo da presidente Dilma Rousseff adotou outra abordagem no que diz respeito à compra de caças?
Só posso afirmar que a Força Aérea Brasileira sempre se comportou como uma organização extremamente profissional. Jamais deixou de mostrar transparência e isenção nas nossas trocas de informações, ainda que o processo de escolha tenha sido longo. Em nenhum momento, por exemplo, nós percebemos que éramos o número 1 ou o número 3 na preferência dos oficiais, e eles fizeram um belo trabalho em não deixarem vazar informações como essas. Notamos, é claro, que tínhamos uma boa avaliação, mas a condição de favoritos não veio à tona até a escolha final ser feita. A Força Aérea do seu país foi muito habilidosa.
O escândalo da espionagem americana pode ter influenciado na decisão do governo brasileiro de comprar os caças suecos?
Bem, há diversas variáveis em transações como essa, mas não tenho nenhuma pista a respeito de eventuais motivos externos à exigências técnicas que conduziram à nossa vitória na concorrência. Desde que assumi o cargo de CEO da Saab, viajei muito ao Brasil, conheci inúmeras pessoas, estabelecemos um centro de pesquisa e inovação tecnológica em São Paulo, e jamais me disseram nada sobre isso, apesar dos rumores. Acho melhor você fazer essa pergunta a políticos brasileiros.
Acho importante que um país seja capaz de se defender de agressões externas, mesmo que elas habitem o campo do improvável. Pegue-se o exemplo da Suécia. Nós estamos em paz, sem conflitos externos, há exatos 200 anos, desde 1814, quando um dos melhores marechais de Napoleão Bonaparte, Jean-Baptiste Bernadotte, que havia se tornado rei da Suécia sob o nome de Carlos XIV, convenceu os suecos a adotar uma posição de neutralidade. Ele estava cansado de presenciar tantas batalhas devastadoras e constatar quão improdutivas para a sociedade eram as guerras que assolavam a Europa. Porém, se um país não tiver capacidade de responder a ataques ou evitá-los, a sua soberania corre o risco de não ser respeitada. Por esse motivo, a Suécia, que é neutra, mantém Forças Armadas bem equipadas. É também um equívoco imaginar que exércitos só sirvam para entrar em ação em caso de guerra. Eles servem para garantir a segurança dos recursos de uma nação, da sua rede de logística e, dependendo da situação, repelir ataques terroristas. O que o Brasil fará com os aviões está, evidentemente, fora do meu âmbito. O que asseguro é a entrega do melhor caça ao preço mais baixo. É um legado da Suécia: somos um país pequeno, com menos de 10 milhões de habitantes, e por isso nos obrigamos a fazer o máximo com o mínimo possível. Por meio dessa mentalidade, conseguimos que os nossos custos com defesa não comprometam o nosso sistema educacional, de saúde e de reformas sociais. O modelo sueco, se quiser chamar dessa forma, mostra que as coisas podem avançar lado a lado.
Boa parte dos negócios da Saab é feita com países emergentes. A empresa enfrenta problemas de corrupção com essa clientela?
No ramo em que atuamos, é inegável que aparecem questões éticas. Seria tolo afirmar que não há esse problema. Mas o nosso grau de tolerância com corrupção é zero, somos de uma rigidez absoluta. Acho ótimo, aliás, que sejam feitas avaliações internacionais de honestidade empresarial, porque se trata de uma ação educativa, e nós sempre nos saímos muito bem. É importante deixar claro, ainda, que, se nós fizéssemos algo de errado, o governo sueco simplesmente nos mataria, porque precisamos do seu aval para exportar equipamentos militares, e a Suécia tem uma imagem imaculada de honestidade, não importa o tipo de negócio. Para que o rei sueco empreste o seu selo de qualidade e prestígio a uma mercadoria, é necessário que haja total transparência por parte de quem a produz, que se sigam estritamente as regras. Para mim, como CEO, é perfeito. Nós também somos signatários do Pacto Global da Organização das Nações Unidas, que congrega firmas empenhadas em trabalhar dentro dos princípios dos direitos humanos e sem nenhum esquema de corrupção. Ah, sim, se a sua próxima questão for se houve pedido de propina no Brasil, adianto que não.
O Gripen NG existe só em protótipo, nunca foi testado em combates ou cenários de crise. Como assegurar que foi mesmo uma boa escolha?
O caça tem mais de 120.000 horas de voo absolutamente seguras, em testes realizados na Suécia, Inglaterra, África do Sul e Hungria. É uma versão aperfeiçoada do Gripen C/D, que faz parte da Força Aérea sueca, entre outras. Basicamente, carrega mais armamentos, mais combustível e é dotado de novas turbinas. O risco tecnológico é baixíssimo. Sei que os nossos concorrentes andaram espalhando uma papelada falando mal do nosso caça, que ele é inferior aos outros da sua faixa, mas é tudo bobagem. Voei num Gripen NG, e funciona. Se quiser fazer um voo, está convidado.
Boa parte dos caças Mirage que o Brasil comprou da França, na década de 70, acabou acidentada, ora por panes, ora por imperícia dos pilotos. Qual é o risco de os Gripen terem o mesmo destino?
Eu não falo sobre os concorrentes, mas é fato que, hoje, os caças como os nossos são bem mais fáceis de pilotar. Qualquer pessoa, se passar algumas horas num simulador, poderá decolar ou aterrissar um avião desses, desde que com a supervisão de um copiloto. Por terem uma eletrônica mais sofisticada, dependem menos de instrumentos mecânicos, em geral mais falíveis. É praticamente impossível o piloto de um Gripen derrubar o próprio avião. Ele pode colocar o bico do caça para baixo e, apesar disso, falhará.
Quando se fala em transferência de tecnologia, o que isso quer dizer, exatamente?
Significa que nós transferiremos tudo aquilo que permita ao Brasil desenvolver a sua próxima geração de jatos militares. Trabalharemos com uma imensa gama de empresas brasileiras, entre as quais a Embraer e a Akaer, e acredito que 80% da encomenda dos 36 caças poderá ser totalmente fabricada em solo brasileiro. Nosso plano é que o seu país seja uma base exportadora de Gripens — estamos construindo uma fábrica em São Bernardo do Campo que faz parte desse projeto, e haverá outras, decerto. Dependendo do êxito da empreitada, criaremos milhares de empregos.
O Brasil tem graves problemas de educação e, consequentemente, de formação profissional. Essa é uma dificuldade para a transferência de tecnologia, não?
Vocês contam com profissionais altamente qualificados na área de aviação. Veja o caso da Embraer: na aviação civil, ela nos derrotou nos anos 80 e 90, quando a Saab ainda competia nesse mercado. Mas, se tivermos de educar pessoas, nós o faremos, não há dúvida.
É possível dizer que o sucesso das empresas suecas deve muito a um dos sistemas educacionais mais eficientes do planeta?
Sim, é a chave de tudo. Nós não somos nem mais inteligentes nem mais burros do que outros povos, mas gostamos de trabalhar em grupo, o que acelera o aparecimento de resultados. Essa cultura do consenso é inculcada desde a escola básica. O outro aspecto a destacar é que nós aprendemos a gostar de aprender. Isso se deve ao fato de que, desde o ensino básico, respeitamos as tentativas de cada aluno, mesmo quando antecipamos que estão no caminho errado, porque isso é fundamental para o desenvolvimento do raciocínio. Não menos importante, a Suécia gasta 10% do seu PIB em educação, o índice mais alto entre todos os países do mundo. E, por último, as empresas suecas estimulam continuamente a inovação. Na Saab, gastamos 28% do nosso dinheiro em pesquisa.
O senhor comanda uma empresa que fabrica armas. Dorme bem à noite?
Quando aceitei ser CEO da Saab, eu tive de convencer a mim mesmo de que se tratava de uma forma justa de ganhar a vida, assim como persuadir a minha mulher e as minhas três filhas — o que foi a coisa mais difícil, confesso. Mas concluí que os países têm o direito e a obrigação de defender os seus territórios. Além disso, quando você compra armas de uma superpotência, é obrigado a comprar também as suas doutrinas. Ora, a Suécia não é uma superpotência e, assim, não tem doutrinas a exportar. Do ponto de vista moral, isso é mais tranquilizador. E não se deve esquecer que a indústria militar deu origem a diversos avanços na vida civil, em especial no campo das comunicações. Sim, eu durmo bem.
FONTE: Veja, via Notimp
FOTOS: Saab
NOTA DO EDITOR: a última pergunta da entrevista publicada pela revista Veja tem o mesmo espírito de outras que foram feitas, em julho do ano passado, a Hakan Buskhe pelo jornal suíço Berner Zeitung. A resposta do CEO também segue a mesma linha do ano passado. Vale a pena rever a entrevista ao jornal suíço, clicando no primeiro link da lista abaixo, pois seu conteúdo complementa muitas informações trazidas por esta nova entrevista feita pela revista Veja. Clique nos demais links para ler sobre assuntos também relacionados ao tema.
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