Concorrência suíça poderá representar ponto de virada para os ‘Eurocanards’

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Primeiramente era a Dassault com o Rafale e depois o consórcio Eurofighter com Typhoon que disputava a preferência da Força Aérea dos Emirados Árabes Unidos. Em Omã a disputa foi entre o Saab Gripen e o Typhoon. No Qatar quem sabe? Ao redor do mundo os três caças europeus se  enfrentaram em combates virtuais. Para a Europa, isso não é necessariamente uma boa situação, mas o resultado da avaliação suíça destas três opções – sendo que o Rafale foi inicialmente favorecido e depois o Gripen da Saab foi selecionado, pode revelar-se fundamental em outras concorrências.

“Esta é uma situação muito ruim”, disse o chefe da Agência Europeia de Defesa, que completou dizendo que a Europa simplesmente não pode competir dessa maneira. Ao escolher um novo caça, cada país tem diferentes prioridades, critérios e metodologia. Além da avaliação técnica, a política, a transferência de tecnologia, as compensações industriais e pagamentos de comissões desempenharam um papel em escolhas anteriores. Então, quando a Suíça avaliou os três “eurocanards”, muitos observadores aguardaram essa escolha com antecipação considerável. Pela reputação, os suíços são minuciosos e metódicos. Além disso, eles são muito ricos e politicamente neutros.

No entanto, e talvez inevitavelmente, a escolha suíça pelo Gripen não poderia escapar da controvérsia. O governo rejeitou a escolha do Rafale (pela Força Aérea), alegando razões econômicas. A compra deveria ser “de prateleira” (off-the-shelf), mas o Gripen E é um novo desenvolvimento, alguns argumentaram. Uma minoria significativa de cidadãos suíços foi totalmente contra o programa de compra de novos caças – e suas vozes ainda podem ecoar se um referendo nacional for necessário para opinar sobre a decisão.

A avaliação suíça começou mal quando a Boeing decidiu não concorrer, porque (segundo ela) o Super Hornet superava as exigências. “Estava escrito Gripen, então nós nos retiramos”, informou um funcionário da Boeing ao AIN. A competição foi caracterizada por muitos como uma substituição dos 54 F-5E/F restantes da força aérea. Eles agora operam ao lado de 33 Boeing F-18C/D Hornet adquiridos na segunda parte da década de 1990. Ambos os tipos são dedicados ao papel de superioridade aérea.

Como o coronel Fabio Antognini, gerente do projeto, explicou em uma apresentação na Conferência de Caça, organizada pela Defence QI em Londres no ano passado, a Força Aérea também queria que o novo caça reintroduzisse as funções de reconhecimento e ar-superfície que tinham sido perdidas com a aposentadoria dos Mirage IIIRS em 2003. Apesar de sua neutralidade, a Suíça viu a necessidade futura de contribuir para as operações combinadas no exterior com esses recursos adicionais. Além disso, o futuro caça complementará os F-18C/D sempre que houver uma exigência de maior proteção de espaço aéreo suíço. Isso implicaria em patrulhas que necessitariam estar constantemente no ar. Portanto, entre 30 e 50 caças seriam necessários.

“a Força Aérea também queria que o novo caça reintroduzisse as funções de reconhecimento e ar-superfície que tinham sido perdidas com a aposentadoria dos Mirage IIIRS em 2003”

Três candidatos avaliados

No segundo semestre de 2008 a Força Aérea Suíça realizou avaliações em voo dos três concorrentes – o Eurofighter, o Gripen e o Rafale – na Base Aérea de Emmen, no própria Suíça. Em cerca de 10 missões cada, pilotos suíços (incluindo Antognini) e especialistas que atuam em terra avaliaram os três caças em cinco funções: policiamento aéreo; ações aéreas ofensivas, ataque e reconhecimento. Cada candidato também foi autorizado a realizar um voo para demonstrar as capacidades adicionais que não estavam na exigência da Suíça.

Após as demonstrações em voo os candidatos foram convidados a apresentar detalhes das melhorias que deveriam ser introduzidas nas aeronaves até a data de entrega para a Suíça, prevista para 2015. Entre março e agosto de 2009, a equipe de avaliação da Força Aérea visitou a Dassault, o consórcio Eurofighter e a Saab para testemunhar demonstrações de voo e de simulador.

O resultado gerou dois relatórios de ensaios em voo confidenciais que foram aprovados para distribuição em novembro de 2009. Eles foram posteriormente vazados para a mídia suíça , proporcionando aos estrangeiros uma visão fascinante sobre o respectivo desempenho de voo dos três candidatos, segundo a visão da Força Aérea Suíça. O Rafale foi o claro vencedor das demonstrações em voo em cada um dos cinco papéis. Além disso o jato francês manteve a sua posição dianteira na avaliação suíça de como os três candidatos seriam melhorados em 2015.

“Os pontos fortes do Rafale foram a qualidade de seus sensores, como o radar PESA (varredura eletrônica passiva), o conjunto optrônico frontal e a suíte EW (guerra eletrônica) Spectra”, informava o relatório sobre os voos realizados em 2008. “A boa fusão de dados de todos os sensores proporciona ao piloto uma boa consciência situacional”, continuava. “O ponto fraco do Rafale foi a falta de um sistema de mira montado no capacete”, comentaram os avaliadores.

O relatório elogiou o desempenho aerodinâmico do Eurofighter, principalmente a sua capacidade de voar supercruzeiro a Mach 1.4. Mas a fusão de dados de sensores e a suite EW eram “pontos fracos”, enquanto o alcance e a confiabilidade dos sistemas foram anotados como “fatores limitantes”. Além disso, segundo o relatório, “as capacidades do Eurofighter para cumprir missões de reconhecimento e ataque foram classificadas como insatisfatórias.”

O relatório reconheceu que, devido ao projeto do Gripen – o menor dos concorrentes e o único impulsionado por apenas um motor – a sua resistência, performance e carga bélica estavam entre os principais fatores limitantes.” Os avaliadores disseram que não haver nenhuma fusão de sensores de dados entre o radar e a suite EW, embora este último “tenha sido um dos pontos fortes do Gripen.”

Somente o Rafale atingiu as Capacidades Mínimas Esperadas (minimum expected capabilities – MEC), em todas as cinco funções. O Eurofighter falhou nas categorias de reconhecimento e ataque. O Gripen não atingiu o MEC em todas as cinco funções.

Esse veredicto não se alterou, mesmo quando foram apresentadas as melhorias esperadas para 2015. O desenvolvimento da capacidade ar-superfície do Eurofighter teria ficado muito aquém da do Rafale. Mesmo assim, as melhorias propostas na versão Tranche 3 P1E para as Forças Aéreas dos quatro países do consórcio, avaliadas pela equipe suíça, não conseguiram igualar as melhorias do padrão F3+ para o Rafale, já contratadas pela Força Aérea Francesa. Elas incluem radar AESA e outras melhorias nos sensores. Além disso, os suíços observaram que: ” Se o Rafale for vendido para os Emirados Árabes Unidos, onze novos itens de atualização não considerados na avaliação farão parte da configuração a ser entregue.”

Quanto ao Gripen, a Saab disse aos suíços que tinha programado 98 itens de upgrade para a versão MS21 de 2015, incluindo o radar AESA e o sensor de busca e rastreamento por infravermelho. Mas estes não foram suficientes para empurrar o jato sueco acima do nível do MEC em qualquer um dos cinco papéis. O relatório de novembro 2009, portanto, recomenda o Rafale como o futuro novo avião de combate.

Relatórios de teste vazaram

Antognini recusou-se a comentar sobre os relatórios de ensaios em voo que vazaram. “Todos os três candidatos passaram pela avaliação … Eles atingem nossas necessidades”, disse ele durante a conferência. Ele disse à AIN que é importante observar que os dois relatórios não contam a história toda. Existiam outros oito relatórios produzidos, abrangendo a manutenção, ruído, potencial de crescimento e outros critérios. Estes foram todos ponderados de acordo com uma escala pré-determinada de prioridades. Esta escala também vazou para a mídia , mas os outros relatórios permaneceram confidenciais.

Então, o custo foi considerado na avaliação , disse Antognini, antes de um relatório principal final que foi enviado para o Conselho de sete membros autoridade federal do governo suíço. O custo de aquisição do Gripen era claramente menor do que seus dois maiores concorrentes. O pequeno jato também teve melhor pontuação na adaptabilidade para aeroportos suíços e nos custos do ciclo de vida.

A primeira coisa que o Conselho Federal fez foi… nada! A crise nos mercados financeiros forneceu uma pausa para os suíços pensarem. O Conselho Federal queria cortar o orçamento de defesa do país. Dadas as propostas apresentadas pela Dassault, Eurofighter e Saab, o orçamento para o novo caça (aproximadamente cinco bilhões de francos suíços) parecia não ser suficiente, apesar de todos os três candidatos terem oferecido compensações de 100% e o fortalecimento do franco suíço diante do Euro.

Durante o ano seguinte o Parlamento suíço votou fundos extras para a defesa, e disse ao Conselho Federal poderia concluir a sua avaliação sobre o futuro novo caça. Os três fabricantes afiaram seus lápis, enquanto que, evidentemente, reduziam o número de aeronaves ofertadas.

De grande significância foi a apresentação do detalhamento das atualizações propostas para o Gripen, cujo demonstrador NG voou com um novo motor F414 e radar AESA, e sugeriu que o governo sueco deveria fazer o pedido em breve.

Escolha revelada

Em 30 de novembro de 2011 o Conselho Federal anunciou sua escolha. O Gripen foi a opção de menor custo, mas atendeu aos requisitos, e foi a escolha mais adaptável, disse o Conselho. A Ruag Aerospace e outras 200 empresas suíças participariam do co-desenvolvimento do Gripen NG (posteriormente redesignado Gripen E). Enquanto isso, o estatuto da Suécia como um país neutro, como a Suíça, foi considerado.

O ministro da Defesa Ueli Maurer disse aos jornalistas que o custo de aquisição seria de 3,1 bilhões de francos suíços (US$3,4 bilhões) para um pacote de 22 aeronaves, incluindo treinamento, suporte e peças de reposição. A mídia suíça havia informado anteriormente que a oferta do Rafale era de 3,5 bilhões suíços, e a do Eurofighter era de 4 bilhões, embora o número de aeronaves propostas nunca tenha sido esclarecido. Comentando a decisão, a Dassault insistiu que o Rafale poderia ter atendido ao requisito suíço “com um número menor de aeronaves e um custo equivalente ou inferior.”

Revendo a decisão há alguns meses, o ex-comandante da Força Aérea suíça, brigadeiro Max Gygax, admitiu que, no final, a escolha foi política.” O Gripen é um caça multimissão e os custos do ciclo de vida são muito importantes”, disse ele a jornalistas durante o Paris Air Show em junho.” O Gripen E é um grande passo à frente da atual versão C/D “, observou ele. Mas até mesmo o desempenho deste último durante os voos em 2008 foi muito próximo ao do Eurofighter e do Rafale do que a equipe de avaliação suíça havia antecipado, ele disse a AIN.

Como o vencedor da avaliação em voo, o Rafale ganhou a batalha, mas perdeu a guerra na Suíça. O Eurofighter não surgiu com muito crédito. Gygax disse à AIN que ele não esperava que o jato do consórcio tivesse uma pontuação pior que o Rafale no papel ar-ar. Além disso, acrescentou, os relatos sobre manutenção e treinamento não vazados não colocam o Eurofighter em melhor posição do que o Rafale. “Os sobressalentes são possivelmente mais baratos, devido ao grande número de aeronaves, mas é uma aeronave que necessita de mão de obra intensiva”, disse ele.

FONTE: AIN Online (tradução e adaptação do Poder Aéreo a partir do original em inglês)

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