Reportagem do ‘Valor’ afirma que Black Hawk do Brasil estão fora de operação por ‘falta de transferência de tecnologia’
O tema dos helicópteros foi mencionado por Dilma na conversa que ela teve com o vice-presidente Joe Biden, também em Brasília, em maio, antes de estourar o escândalo da espionagem americana. Havia expectativa de que o governo americano aproveitasse a visita de Estado de Dilma, em outubro, para remover obstáculos que mantém no solo aeronaves compradas aos EUA – afinal, os americanos prometem facilidades em transferência de tecnologia caso a Boeing seja a escolhida para fornecer os novos caças da Força Aérea Brasileira.
Os sinais de Biden e Kerry não encorajam a esperança de maior flexibilidade, no caso dos helicópteros. Argumenta-se nos EUA que o Brasil recebe a mesma atenção (e restrições) que recebem parceiros fiéis dos americanos, como o Canadá. Não é conversa que agrade à presidente. Ela, no entanto, também se empenha pelo sucesso da viagem aos EUA, espiões à parte.
Helicópteros incomodam mais do que a espionagem
Sem ser caloroso, o encontro entre Dilma e Kerry foi mais cordial do que se imagina, apesar do descontentamento brasileiro com as revelações de espionagem da National Security Agency (NSA). A decisão, em si, de receber o secretário de Estado americano, em uma audiência longa, contrasta com as repetidas recusas de Dilma em ter mais que encontros breves, em locais públicos, com a antecessora, Hillary Clinton.
“Ele o tratou bem?”, perguntou a presidente, ao receber Kerry, referindo-se ao ministro de Relações Exteriores, Antônio Patriota, que o acompanhava. Tratou, sim, reconheceu o enviado de Barack Obama. No encontro reservado, Patriota cobrou de Kerry explicações sobre as atividades de espionagem, e já disse explicitamente que são insatisfatórias as justificativas apresentadas até agora. Mas, foi um tema entre muitos outros.
Das 803 palavras que proferiu ao abrir a entrevista à imprensa ao lado do americano, apenas 119 trataram do caso. Em toda a entrevista, Patriota usou cerca de 1.380 palavras para falar das relações Brasil-EUA; em somente 266 delas abordou cautelosamente a questão da vigilância da NSA sobre a Internet.
Há temor, especialmente, no Planalto, de que o governo americano não encontre recheio saboroso o suficiente para preencher a visita de Estado que Dilma fará em outubro, ainda que a visita, em si, já seja considerada importante por simbolizar uma reaproximação entre Brasília e Washington.
A visita de Kerry foi considerada por alguns interlocutores da presidente uma perda de tempo, já que não houve avanços em relação ao encontro, anterior, esse sim, comemorado, com Joe Biden.
Do Itamaraty e do próprio governo americano, porém, saem garantias de que o esforço será grande para sair da retórica. Um dos pontos altos da visita, espera-se, será um acordo de transferência de tecnologia e experiências dos EUA para exploração, no Brasil, do gás de xisto. O Brasil, significativamente, recebeu três secretários de Estado americanos em agosto, e um deles, o de Energia, Ernest Moniz, aprofundou a discussão sobre a cooperação em energia, que foi um dos principais pontos da conversa de Kerry em Brasília.
Os americanos disseram às autoridades brasileiras ter muito interesse também em cooperação em energia nuclear (detalhe interessante, quando se recorda que foi a intervenção brasileira nas negociações com o Irã em torno do programa nuclear iraniano a causa do esfriamento das relações bilaterais, em 2010). Energias renováveis são outro tema que pode gerar acordos durante a visita.
Os próprios diplomatas americanos veem a viagem de Dilma como uma chance de apressar decisões em Washington, o que costuma acontecer nas visitas de Estado, por sua importância diplomática. O problema é o risco de que a chegada de Dilma coincida com um momento ruim na polarização entre governo e oposição em torno dos cortes no orçamento americano – uma sombra mais ameaçadora sobre a visita que o incômodo com espiões virtuais dos EUA.
Os dois países tentam concluir nos próximos dias as preliminares para um acordo de criação do “laboratório binacional de inovação”, que poderá dar aos brasileiros acesso a grandes centros de pesquisa e inovação nos Estados Unidos. Em setembro, grandes empresas americanas e brasileiras participarão em Brasília de uma conferência dedicada ao tema, que, espera-se, poderá gerar resultados concretos para anúncio durante a visita de Dilma.
A movimentação recente do governo brasileiro, para atrair investimentos, com desburocratização, maior abertura ao capital externo e desburocratização deve facilitar a reaproximação com os Estados Unidos, como acredita o diretor do Brazil Institute do Woodrow Wilson Center, Paulo Sotero, jornalista veterano com trânsito privilegiado nos dois governos. “O episódio da NSA ilustrou a importância de os governos investirem em confiança mútua”, comenta Sotero. “Sem isso, várias iniciativas que podem dar substância à relação dificilmente prosperarão”.
No Palácio do Planalto, afirma-se que a bola está no campo americano. E o jogo pode ter lances decisivos ainda em setembro.
Reportagem de Sergio Leo
FONTE: Valor Econômico, via Resenha do EB
NOTA DO EDITOR: esta é uma notícia um tanto quanto curiosa porque todos os contratos firmados com o Governo dos Estados Unidos para a aquisição de helicópteros Black Hawk das três forças (Exército, Aeronáutica e Marinha) foram feitos via FMS não envolviam “transferência de tecnologia”.
Além disso, recentemente publicamos aqui um contrato firmado entre a FAB e a empresa canadense Pacific Avionics & Isnstruments (ver link abaixo). Hoje também publicamos uma nota (link também abaixo) no blog das Forças Terrestres informando que o Exército pagou, antecipado, por um pacote de suprimentos e peças de reposição para sua frota de MH-2 (Black Hawk do EB).
O encontro de Dilma e Kerry aconteceu antes do pagamento antecipado do EB. Se há “mal estar” neste caso (segunda a reportagem seria superior ao caso de espionagem), porque o Comando do Exército foi autorizado a fazer um pagamento antecipado para a compra de peças e componentes dos helicópteros do EB? O correto neste caso seria não executar o pagamento até que a (eventual) pendência fosse resolvida.
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