Escândalo de espionagem atrapalha chance dos EUA venderem caças ao Brasil
Anthony Boadle e Alonso Soto
Quando o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, sentar-se para conversar com autoridades brasileiras em Brasília na terça-feira para preparar uma visita de Estado da presidente Dilma Rousseff à Casa Branca, a venda dos jatos não estará na agenda, disse uma fonte.
“Não podemos falar dos caças agora… Você não pode dar um contrato desse para um país em que você não confia”, disse uma fonte do alto escalão do governo brasileiro à Reuters sob condição de anonimato devido à sensibilidade da questão.
A autoridade disse que a visita de um dia de Kerry ao Brasil estará concentrada em restabelecer a confiança entre Washington e Brasília, abalada com as revelações sobre espionagem que geraram um grande alvoroço político no maior parceiro comercial dos Estados Unidos na América do Sul.
A Embaixada dos Estados Unidos em Brasília não quis comentar o impacto do caso de espionagem sobre a possível compra de caças norte-americanos.
“Acreditamos que a oferta da Boeing é a melhor oferta disponível aos brasileiros e ela tem o apoio total do governo norte-americano”, disse um porta-voz da missão diplomática norte-americana em Brasília.
No mês passado, o jornal O Globo publicou documentos vazados pelo ex-prestador de serviços da Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (NSA) Edward Snowden que revelaram a vigilância das comunicações eletrônicas no Brasil e em outros países latino-americanos.
Irritados, senadores brasileiros questionaram a visita de Dilma a Washington em outubro e criticaram a possibilidade de assinar o contrato com os EUA para a renovação da frota de caças da Força Aérea Brasileira (FAB).
A Boeing, com o caça F-18 Super Hornet, concorre com a francesa Dassault, com o caça Rafale, e a sueca Saab, com o Gripen NG, pelo contrato avaliado em pelo menos 4 bilhões de dólares, além de prováveis encomendas futuras que podem ampliar o valor do contrato ao longo dos anos.
O contrato para fornecimento de caças para a FAB se tornou um prêmio cobiçado para as empresas de defesa, no momento em que os Estados Unidos e muitos países europeus reduzem seus orçamentos militares.
F-18 ERA FAVORITO
Uma porta-voz da Boeing se recusou a comentar sobre o estágio atual da oferta, mas disse que o eventual contrato com o Brasil é uma boa oportunidade de negócios para a fabricante de aviões norte-americana.
O Brasil tem debatido a substituição de seus defasados caças de combate há mais de uma década, num processo que passou por três presidentes. Dilma parecia estar próxima de uma decisão mais cedo neste ano, com a Boeing aparecendo como clara favorita depois de a Força Aérea norte-americana comprar 20 aviões de ataque leve da Embraer para uso no Afeganistão.
Dilma adiou uma decisão sobre os caças por conta da desaceleração econômica e da deterioração da situação fiscal do país. O orçamento do Ministério da Defesa foi reduzido em 3,7 bilhões de reais em maio e novamente em 920 milhões de reais no mês passado.
A onda de manifestações que tomou as ruas do país em junho, impulsionadas por uma ampla frustração com a qualidade dos serviços públicos e corrupção, colocou os gastos governamentais sob os holofotes e ajudou a diminuir as chances de uma grande compra, como a de caças de combate.
“Não espero que a presidente decida sobre os contratos dos caças neste ano, e ano que vem é ano de eleição, então isso pode ter que esperar até 2015”, disse uma outra autoridade governamental envolvida na política de defesa.
O Ministério da Defesa, no entanto, ainda espera que Dilma assine o acordo para a compra de novos caças antes do fim deste ano.
A Força Aérea Brasileira pressionou o governo a tomar uma decisão ao anunciar publicamente que os caças atualmente usados pelo país, os Mirage 2000, de fabricação francesa e que defendem Brasília, estarão obsoletos e não poderão mais ser usados depois do último dia deste ano.
O escândalo de monitoramento da Internet, revelado por Snowden, afetou as relações entre EUA e Brasil justamente no momento em que elas caminhavam bem sob o governo Dilma.
Os laços entre os dois países eram complicados durante o mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que aproximou o Brasil de governos de esquerda da América Latina e do Irã.
A visita de Estado de Dilma aos EUA em 23 de outubro é a única do tipo que o presidente norte-americano, Barack Obama, está oferecendo a um líder estrangeiro neste ano, um indicativo da importância que seu governo dá a uma aproximação com o maior país da América Latina.
Autoridades brasileiras afirmam que jamais consideraram cancelar a visita de Dilma e que acreditam que as relações entre os dois países são fortes o bastante para deixar o caso de espionagem para trás.
Mas o governo brasileiro quer uma explicação melhor do que a que obteve até agora sobre o que a NSA queria e qual a amplitude da vigilância norte-americana sobre as comunicações brasileiras, disseram as autoridades.
FONTE: Reuters
COLABOROU: Henrique CO