Ensaio de estol no Xingu, parte 2: novas emoções…

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Segunda parte da narrativa do leitor ‘ProvaX’, mostrando uma solução ‘criativa’ para o ensaio de estol do EMB 121 Xingu numa configuração para exportação e a decisão final, em nome da segurança

Deixamos a narrativa em suspenso após o piloto de prova do CTA, sem conseguir na primeira tentativa repetir o “truque de mágica” do piloto de prova da Embraer para evitar a queda de asa no estol, solicitar que este repetisse o feito. Se você ainda não leu a parte 1 desta história de um ensaio de estol no EMB 121 Xingu, clique aqui. Boa leitura!

No início, tudo correu como previsto. A aeronave ia diminuindo a velocidade e ele ia puxando o manche para trás. No momento em que estávamos próximos ao estol, naquela faixa que eu havia sentido na mão a falta de pressão no manche e o mesmo ficava todo mole, o piloto rapidamente deu uma puxada brusca no manche, para que ele atingisse o batente traseiro antes da aeronave perder o controle de asas. Então, colocou o manche à frente dando início à recuperação.

Claramente, a manobra não seguia o procedimento padronizado para homologação. Apesar de atingir o batente traseiro ainda com o controle de asas, essa puxada final estava totalmente fora das normas, pois não era uma continuação homogênea do procedimento e sim uma tentativa de atingir o batente já quando a aeronave não tinha mais controle nenhum. É como se o piloto puxasse o manche devagar até a metade do curso e, nesse ponto, quando a aeronave ia despencar por falta de controle, dava um “quique” no manche para poder cobrir a metade restante do percurso do mesmo enquanto a aeronave começava a cair de asa. Então voltava correndo o manche à frente antes que ela caísse realmente de asa.

Só para tirar a dúvida eu repeti a manobra. Dessa vez fiz como ele fez. A aeronave não caiu de asa, mas o procedimento não podia ser aprovado.

Voltamos para o pouso e, no briefing, informei a ele que faria o relatório e que o ensaio teria como resultado o “não aprovado”. A equipe de ensaios me pediu, então, para que não entregasse o relatório até a próxima semana. A argumentação foi de que essa versão sem o aviso artificial de estol seria específica para aeronaves que seriam operadas nos Estados Unidos e que, para isso, um piloto da FAA estava chegando ao Brasil para efetuar um voo de ensaios em poucos dias.

Caso o piloto americano julgasse aceitável a manobra, essa versão poderia ser autorizada para os USA. Eu duvidava que qualquer piloto de homologação iria autorizar aquela configuração. Deixei claro que para o Brasil, a configuração estava proibida, mas que caso o piloto americano julgasse satisfatória para o FAA, eu não seria contra aquela versão voar somente nos Estados Unidos.

Passaram-se uns dias e o piloto americano chegou para o ensaio e fui chamado para o voo de estol. Fomos então, eu, o piloto americano e o piloto da Embraer, para fazer o voo. Três pilotos de prova dando chance para manchete de Jornal Nacional. E, quando eu vi o americano eu já percebi que o dia seria de emoções!

O americano era um senhor, baixinho, meio fora de forma. Não me passava a imagem de um mágico que iria controlar a fera naquela manobra meio suicida. Mas… fomos lá!

O americano ocupou o posto da esquerda (posição de comando), o piloto da Embraer o da direita, como co-piloto e eu na privilegiada posição de 3P, na cadeira do meio, um pouco atrás, assistindo a tudo de camarote. O pior lugar para um piloto de prova participar de um ensaio: longe do manche.

Já antes da partida eu me amarrei bem apertado, pois sabia que a coisa ia girar. Apertei bem o ajuste do capacete para não cair, e rezei um pouco pelo santo do americano, para ajudá-lo na manobra. Olhei para trás para confirmar o caminho pela rede até a porta, caso acontecesse o pior. Logicamente, nem o piloto da Embraer nem eu comentamos nada sobre os detalhes da manobra. Afinal ele, como piloto de prova homologador, tinha que analisar a aeronave e aprovar ou não.

Subimos para a altitude de segurança e o piloto da Embraer fez a primeira manobra de estol, mostrando que tinha total controle da aeronave. Como no outro voo, a aeronave se manteve o tempo todo com as asas niveladas, e a recuperação ocorreu sem problemas. Chegou então a hora do americano fazer a manobra. Não preciso dizer muito. Eu me segurei bem à cadeira.

A manobra ocorreu como para mim da primeira vez, só um pouco mais abrupta na queda de asa. Dessa vez giramos o tunô completo!

O americano arregalou os olhos como se tivesse visto o demônio. Olhou para o piloto da Embraer ainda ofegante e pediu para que ele fizesse novamente o estol. O piloto da Embraer repetiu sem problemas. Aí o americano tentou novamente, e novamente fizemos um tunô. O americano suava… Eu torcendo para que tudo acabasse logo, pois aquilo não parecia que iria acabar bem.

O gringo então, desconfiado, mas sem entender direito, pediu para que eu fizesse a manobra, para fazer o tira-teima. Trocamos de lugar na cabine e lá fui eu fazer a maldita manobra. Conhecendo o truque do piloto da Embraer, fiz o estol daquela forma, com o truque, e a aeronave se manteve estável até o fim.

O americano riu, pois percebeu que o procedimento usado era aquele de dar um “quique” no manche, naturalmente inapropriado para homologação. Como esperado, bateu nas costas do piloto da Embraer e pediu para parar o voo e voltarmos para pouso. No “debriefing”, naturalmente, o resultado foi o mesmo que eu havia dado: ou seja, a aeronave não poderia ser homologada naquela configuração. Saímos do debriefing e fomos tomar um chopp juntos para descontrair.

Voltamos sãos e salvos, não usamos o paracauda, mas certamente ganhei alguns cabelos brancos naquele dia!

Narrativa do leitor “ProvaX”, gentilmente enviada para o Poder Aéreo

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