Relato de Gustavo Adolfo Franco Ferreira (tenente-coronel da reserva da FAB)

O Cessna T-37 foi chamado, aqui no Brasil, de “bela-garça”. Nome que lhe caiu bem! Na origem, lá nos Estados Unidos, tinha outro apelido: “Cessna’s joke!” Era um avião fácil e dócil, mas era um avião. Diferia muito do T-6, este – possuindo todos os defeitos que um avião pode ter, sempre exagerados – era até capaz de separar os homens dos meninos!

O T-37 tinha uma mania perigosa: se entrasse em parafuso, comandado ou não, e se todo o trem-de-comando não estivesse em  alinhamento e tensão perfeitos, não saía! E se ficasse no parafuso, eu garanto – era apavorante. Aconteceu comigo.

Neste dia – era um início de semana – dávamos instrução de “2P de traslado” para diversos oficiais da AFA (Academia da Força Aérea) servindo nos Afonsos. Era um curso de mentirinha! O painel de rádios, três ou quatro voos, o sistema de oxigênio e de ejeção, dois ou três pousos… Tudo muito simples. Tudo adequado para quem se dispusesse a fazer uma viagem internacional inteira no lado direito de um avião de treinamento militar.

O Ten. Leão (José Araken Leão dos Santos – o Bufão – jatador como eu – leal companheiro) ministrava instrução ao major Remy; eu, ao major Monteiro. O Major Renato Cláudio da Costa Pereira, que viria a ser secretário-geral da ICAO, também voava em umas das áreas altas existentes. A OMis incluía “demonstração de parafusos”. Um para cada lado… e chega!

No hangar do Esquadrão e na linha de voo havia 26 aviões já trazidos. Eu usei o 0882 (foto abaixo)

Fiz um parafuso para a direita. Nenhuma novidade, sem problema. Voltei aos 25000 pés e chutei outro para esquerda. Foi aí que as coisas ficaram pretas! Não havia meio de o avião sair do parafuso; tentei tudo, até pedir ao Monteiro que “cantasse as alturas”; havia a ordem de ejetar a 10000’, se não tivéssemos controle.

Ouvi 18, 17, 16 enquanto “brigava com o avião”. Ouvi: “10 mil, Franco – Vamos sair?” “Mais uma tentativa só…” Durante os segundos em que demorou o tombo eu mantive apertada a tecla da manete, vale dizer, transmitia tudo o que se passava. Foi a sorte!

O 82 saiu do parafuso. Até hoje não sei porque. Monteiro falou: “Deixa comigo!” e tirou o avião do mergulho em que se encontrava. Eu soltei o manche e desmaiei por hiperventilação. Monteiro falou com Renato e aprendeu que devia desligar meu suprimento de oxigênio. Acordei vários minutos depois, já no circuito de pouso… “Pousa esta porra que eu não sei pousar!” Foi a reação do major Monteiro!

Do pátio vimos dois paraquedas caindo além da margem direita do Rio Mogi-Guaçú, muito além dos terrenos da escola. Leão e o Major Remy haviam ejetado! Todos se reuniram no pátio aberto– até Touro Sentado e seu séquito – enquanto o helicóptero ia buscar os paraquedistas. Surpreendentemente, do nada, surgiu a esposa de Touro Sentado. Deu-lhe uma espinafração enorme e sem nenhum sentido porque “… um avião havia caído nos fundos de casa!” A mim me mandaram fazer um relatório.

Na sexta-feira, depois do almoço, ocorria o FEBEAPI . Na entrada, o Azakura (Oficial QAV – Encarregado da manutenção) me entregou o achado da manutenção. Haviam examinado meu avião (o 82) e encontrado os cabos de comando de profundor excessivamente frouxos. Examinaram a frota toda e somente dois aviões tinham a tensão correta nestes cabos. O Leão não podia sair do parafuso! O meu ego foi para as alturas! Touro Sentado abriu o FEBEAPI.

Fez, o Comandante do DPEAER, duas bobagens naquele dia: 1- Disse que ia mandar verificar se o Leão estava na área de instrução para cobrar – ou não – dele, o avião do qual ejetara; e 2- deu-me, a pedido, a palavra.

Aqui cabe, outra vez, um parêntese. Numa destas lamentáveis reuniões semanais anteriores, Touro Sentado havia dado uma ordem cretina e insustentável: quando os T-6, até os T-21, demonstrarem que vão entrar em cavalo-de-pau , em vez de contrariar o movimento, os instrutores deveriam colaborar com a intenção do avião, exatamente como ele, Touro Sentado, fazia quando era instrutor em Stearmans. Opôs-se João Jorge Bertoldo Glaser, aquele mesmo que, em voo, havia trazido ao pouso um T-6 ausente cerca de 10 polegadas de uma das pás de hélice! De nada serviu a objeção. A ordem permaneceu. Na segunda-feira seguinte quebraram-se dez aviões. A instrução aérea parou. São Bartolomeu andou por lá! Fim do parêntese.

Depois que Touro Sentado enunciou a sua decisão de cobrar o avião do Leão, se estivesse voando “nos fundos da casa dele”, no dizer de sua esposa, deu azo à minha contestação. Ele deixou-me falar – Grande erro!.

“Esse Comando não desconhece que o mesmo evento ocorreu comigo, minutos antes de o Ten. Leão ejetar. Está gravado que eu passei dos 10.000 pés durante o tombo sem controle; e que esta é a altura mínima para ejeção, nestes casos. Por óbvio, o DPEAer devia ter perdido dois T-37 naquela hora, não um só! O meu avião, o 0882, foi examinado de ponta-a-ponta e encontraram cabos-de-comando de profundor folgados muito além da tolerância. Não havia como sair do parafuso! A manutenção inspecionou toda a frota quanto a tensão de cabos-de-comando – E TODOS OS CABOS DE PROFUNDOR ESTAVAM FROUXOS! A ficha de inspeção omitiu este passo, causando o acidente do Ten. Leão. Se esse Comando resolver cobrar o avião do qual o Leão ejetou, por dever de lógica e de coerência, vai descarregar o 0882, no mesmo boletim e me dar a propriedade dele. Eu dou o 82 ao Leão, ele paga ao Senhor e ficamos todos quites!”

Levei uma cadeiazinha… Nunca mais se falou no assunto!

FOTOS: Arquivo de Aparecido Camazano Alamino

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