O texto abaixo foi publicado no ano de 2002 no site Defesanet. Na época (infelizmente) o blog do Poder Aéreo ainda não exista, mas nossa preocupação com o programa de renovação da frota de caças já era recorrente.

LEASING DE KFIR PARA A FAB – O QUE HÁ POR TRÁS DISSO?

Segundo noticiado por algumas fontes da imprensa brasileira  e internacional, a oferta para o Leasing de aviões Kfir foi feita no ano passado por autoridades da empresa aeroespacial israelense IAI. O contrato teria um valor global de U$ 90 milhões e incluiria o arrendamento de 12 caças Kfir. O que parecia ser uma oferta absurda tornou-se o centro principal da discussão nas últimas semanas. No entanto, alguns pontos dessa proposta (não necessariamente técnicos) devem ser observados com mais cuidado.

Dentre os vários aviões estocados em Ovda (região desértica no sul do Estado e Israel), incluindo aqueles dos modelos Phantom e Skyhawk, existem aproximadamente 62 Kfir (de todas as variantes). Outros tantos estão nas redondezas do aeroporto de Bem Gourion (Tel Aviv). Regularmente, os aviões retirados da linha de frente a Força Aérea de Israel são oferecidos para outros governos e eventualmente particulares. A venda de material militar usado não é o melhor negócio do mundo. Só como exemplo, os cofres israelenses receberam U$ 200 milhões em 1998 com a venda de aeronaves descartadas sendo que somente um F-15I custa aproximadamente U$ 84 milhões.

Na década de 1980 Israel realizou duas vendas de Kfir. Ambas para países da América do Sul. O Equador comprou 10 unidades em 1982 e a Colômbia outras 12 unidades em 1989. No entanto, o que chama a atenção são os esforços que esse país tem realizado para vender Kfir assim que os mesmos foram substituídos em grande parte por F-16 na sua Força Aérea.

Existem casos onde a negociação passa longe da lisura e da honestidade, conforme noticiado pela imprensa mundial. Em 1994, o governo de Sri Lanka, após ser persuadido por autoridades israelenses, gastou U$ 9 milhões para adquirir seis aviões Kfir. Até aí nada de novo, não fosse o fato da justificativa da compra dos mesmos. Os caças são utilizados no combate a guerrilheiros, armados com fuzis e outras armas de mão, que se opõem ao governo. É como utilizar um canhão para matar formigas. Ou seja, tecnicamente não há justificativas para essa compra, levantando-se suspeita de corrupção por parte das autoridades do governo daquele país.

No mesmo ano em que os aviões foram vendidos para Sri Lanka, uma outra negociação obscura estava em jogo na Europa. A República da Eslovênia (uma das ex-repúblicas da Iugoslávia) estava em vias de adquirir de 20 a 30 IAI Kfir para a sua força aérea. O mais fascinante dessa negociação era que a Eslovênia encontrava-se sob embargo de material militar da ONU. A compra acabou não se concretizando, mas só o fato da negociação existir já foi diplomaticamente ruim.

Uma venda de Kfir seria finalmente concretizada em dezembro de 1995, quando o Equador adquiriu quatro modelos. Essa compra ocorreu dois meses após o término do embargo de armas que os EUA estabeleceram (lembrando que um dos itens norte-americanos no Kfir é o seu motor) tanto para o Peru como para o Equador em função do atrito que ambos os países tiveram no início daquele ano. Ou seja, é muito provável que as negociações ocorreram durante o embargo e só foram confirmadas quando o mesmo foi suspenso.

A peregrinação pelo mundo para vender aviões Kfir continuou. Mesmo possuindo indústrias de defesa muito bem instaladas, Israel e Índia possuem uma série de acordos de cooperação militar, inclusive área aeroespacial. Durante a visita de integrantes do governo de Israel a Índia no final de 1996 e início de 1997, foi oferecido ao governo da Índia uma quantidade não revelada de caças Kfir para substituir os envelhecidos Mig-21 fabricados localmente. A oferta foi obviamente declinada.

No começo desse ano (2002), todos os F-5 filipinos foram proibidos de voar após um acidente fatal com um desses modelos em abril último. Esse fato deixou a força aérea daquele país sem um único vetor de alta performance capaz de executar tarefas interceptação. A substituição dos caças já era um assunto em questão, mas o impedimento de voarem tornou a situação mais urgente. Dentre as propostas tradicionais de aviões novos (F-16, F-18, JAS-39, Mig-29, Su-27), lá estava Israel novamente com os seus Kfir usados (com certeza os mesmos que estão sendo oferecidos ao Brasil). Nenhuma decisão final foi tomada pelo governo das Filipinas até o momento.

A grande questão por trás disso tudo é muito menos técnica do que parece. Por que o esforço tão grande de Israel em vender esses aviões? Por que todas as negociações envolvendo a venda dessas aeronaves usadas na década de noventa foram marcadas por obscuridades? Por que essa solução parece ser muito boa para nós quando outras ofertas de leasing são muito mais atrativas financeiramente?

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