Kfir C10: o tampão que não veio
Os trechos transcritos abaixo pertencem ao artigo “Projeto KFIR-C10: uma história jamais contada”, cujo autor é o tenente-brigadeiro-do-ar Lauro Ney Menezes. O artigo foi publicado na revista do Incaer “Ideias em destaque” nº 30 de 2009. Para ter acesso ao texto completo clique aqui.
O estado dos Mirage III do GDA
Da leitura da documentação do fabricante e da análise dos dados existentes em poder da FAB, concluir-se-á que os MIRAGE IIIEBR brasileiros representam a frota desse tipo mais jovem do mundo a ser retirada do serviço, já que as aeronaves foram fabricadas para uma vida útil de 8000 horas e o nosso “vovô” não possuía mais de 4000 horas de voo, todas elas utilizadas apenas em missões de DA, sem comprometimento das estruturas em missões de ataque ao solo!
Os radares CYRANO estavam de tal forma degradados que os combates dissimilares foram suspensos, tal a “cegueira” que tomara conta dos radares de bordo. Nesse preciso momento, o GDA estava, em verdade, equipado como “XAVANTÕES cegos a Mach 2.0”… diziam seus pilotos.
Como consequência da desativação do F103, com base no Plano PHENIX e nos estudos do COMGAP, a FAB já havia interrompido as aquisições de peças de reposição, recompletamento de estoques nas prateleiras e – principalmente –interrompidas as revisões gerais dos motores ATAR 9C (por razões óbvias e decorrentes do enorme custo, que era superior a US$ 1.2 milhões/motor). Apesar dessas limitações, a Unidade lutava para obter disponibilidade diária que não chegava a ser superior a 44% e voar não mais do que 110 horas/av/ano! Em contrapartida, despendia cerca de US$ 10.000/hora de voo e tinha um dispêndio (total médio de manutenção anual) entre US$ 18 mi/US$ 19 milhões.
Por que o Kfir
Partindo da premissa que o MIRAGE tinha data de falecimento e era inexorável (26 dez 2005); que o calendário de todas as propostas indicavam um vazio operacional de 3 a 4 anos e que a “morte por inação do material do GDA” era inaceitável; que os recursos para investimentos deviam ser totalmente canalizados para o Projeto definitivo, que era o FX; que qualquer que fosse a solução adotada, a FAB continuaria dispendendo entre US$ 18 mi/US$ 19 mi por ano, sem nenhum ganho operativo; que os cronogramas (desativação F103 e ativação FX) eram inexoráveis, a solução paliatória (paliativa e provisória) mais aceitável para a Administração da FAB era buscar uma plataforma, cuja similaridade com o F103 fosse tão elevada que não compelisse a novos, indispensáveis e enormes investimentos, até o recebimento do FX: aquisição de equipamentos e/ou ferramental, novas instalações fixas, treinamento do pessoal de logística e de pilotos, que assegurasse o aproveitamento de todo material de reposição já existente (e aplicável ao F103), que demandasse o mínimo consumo de tempo para a transição ao novo avião (pilotos e mecânicos), que assegurasse entrada em serviço entre 6 a 10 meses após contrato (evitando a morte do F103), dispêndio financeiro de manutenção semelhante ao que já ocorria orçamentariamente por ano (US$ 16 mi/US$ 19 mi) e que, ainda, oferecesse maior índice de disponibilidade diária do material aéreo e, maior número de horas de voo voadas por avião/ano comparativamente ao que vinha sendo obtido. Ou seja: similitude do material já apoiado pelo sistema logístico da FAB que era o F103, e – PRINCIPALMENTE – apresentasse ganho efetivo de operacionalidade no cumprimento das tarefas de DA (radar de última geração, sistema de armas modernizado e missilística atualizada), com os mesmos (ou menores) dispêndios de custeio e, principalmente, nenhum investimento…
Para atender a essas premissas, nenhuma plataforma existente no acervo mundial, e em estado operacional (mesmo que usada), suplantaria a aeronave israelense IAI-KFIR versão C10 (de berço francês-MIRAGE com 66% de similaridade com o F103), equipada com radar multimissão de 4 geração (ELTA 2032), motor de maior potência J79 – do Phantom F4 (19000lb Empuxo) e armamento atualizado e já integrado ao avião (itens tais como missilística inteligente, bombas guiadas, míssil BVR e armamento convencional).
Sempre com as condicionantes de interinidade, compatibilidade, similaridade, custo-benefício. modernidade e operacionalidade em vista, a proposta oferecida à FAB pela AI-Israel Aircraft Industries (Divisão LAHAV) em 2002 tinha a seguinte composição e compromissos contratuais:
– assegurar o fornecimento de todo e qualquer item de reposição ou peças necessárias, sem qualquer ônus para a FAB;
– oferecer um contrato (CLS) de 3 anos apenas, extensível por mais 2 anos (caso a FAB desejasse mais tempo para o recebimento de qualquer FX);
– equipar a aeronave com o radar multimissão de última geração ELTA 2032 (já escolhido para o P3BR) pela sua excelente qualidade de desempenho (entre os melhores do mundo);
– oferecer sistema de armas e missilística idêntica às especificações do FX, já integrado na aeronave, assegurando o “salto tecnológico” pré-FX que a FAB necessitava. A proposta poderia ser do tipo “leasinq ou aquisição” (com a possibilidade de aceitar os 12 F 103 brasileiros como parte do pacote financeiro de pagamentos).
Avaliação da proposta
Com base na total palatabilidade da proposta, o Alto Comando da FAB opinou, por unanimidade, a favor do projeto, por duas vezes (publicado em Bol. Periódico do CECOMSAER de 31 Jul 2002). A FAB realizou três (avaliações) do material no transcurso dos anos 2002 a 2005: uma com voo em aeronave KFIR CE 2000 (similar ao C10) da FAe do Equador e enviou duas missões, em períodos distintos, para avaliação em Israel. As equipes (pilotos, engenheiros e técnicos) conheciam profundamente o MIRAGE F103, e puderam constatar “in loco” a similaridade e comunalidade entre as máquinas, seus equipamentos de suporte logístico, assim como o preenchimento de todos os requisitos para uma aeronave-episódica… não concorrente nem competitiva com o FX: apenas interina… Apesar de tudo, o Projeto foi “degolado”, sem considerações adicionais ou argumentos sólidos, em Jan 2006.
Caso a FAB tivesse firmado o contrato KFIR C10:
– dispenderia em 5 anos entre US$ 84 mi/US$ 92 mi (menos de US$ 18 mi/ano) para obter um ganho expressivo de operacionalidade e impedir a mortalidade do GDA;
– não despenderia um centavo em investimentos (aquisição de material) e só continuaria com as despesas de custeio, já em curso…O KC10 era 66% similar ao MIRAGE IIIE;
– não haveria o “gap” operacional do GDA, hoje “obturado” com os voos do AT26 em Anápolis (e a DA?);
– não tocaria em “um tijolo” das instalações do GDA ou da BAAN que da for ma como estão assumiria o KFIR C10, sem “nenhuma dor”…;
– respeitaria as duas votações unânimes de concordância por parte do Alto Comando e que, com base nessa demonstração da unicidade de posições e coerência, permitiu que o Comandante apresentasse o Projeto KFIR C10 ao próprio Presidente da República, e dele recebeu aprovação em tese, como “solução interina” para a “crise da DA” do Brasil. Não a pôs em prática por razões de momento político: transição de governo.
Esta é a verdade – verdadeira do natimorto Projeto KFIR C10. O resto… é o resto. A história aqui está registrada pelo ator que viveu (e sofreu) todos seus longos minutos e assistiu a mortalidade induzida do nosso valente MIRAGE F103 e o descuido no cumprimento de nossa missão-primeira: a defesa do espaço aéreo brasileiro.
É, também, um relato-homenagem à Administração que considerou plausível enfrentar, com uma solução “hors cadre”, o reequipamento da Força Aérea Brasileira naquilo que se referia à Defesa Aérea
NOTA DO EDITOR: fotos meramente ilustrativas