Gustavo Adolfo Franco Ferreira

18 de julho de 1979

Já era mais de duas horas da tarde quando eu cheguei de u’a missão iniciada na véspera, morto de fome e sujo dos pés à cabeça. A porta do rancho dava de frente à mesa principal, esta colocada na parede lá do fundo. Havia um pequeno lavabo à esquerda de quem entra. Meti a mão na porta e fui direto para o lavabo. Com a cara e as mãos limpas, entrei no salão para dar de frente com o Comandante, acompanhado de visitas em ternos e gravatas, um dos quais era dono da empresa de turismo que lhe levava o nome. Havia uma Senhora (não me lembro o nome dela) com quem encontrei-me depois.

Eu trepidei… Meneei a cabeça e fiz menção de sair… O Brigadeiro me chamou à mesa dele. “- Boa tarde, Senhor.” “- Onde você estava, Franco?” “Eu fui à Serra do Mar… Houve um acidente lá. “Senta ali com o Quirino (Cap. IG) e vai almoçar!” O Quirino era o Relações Públicas do QG4. Estava em uma das mesas laterais com mais duas pessoas visivelmente associados aos visitantes recebidos pelo Comandante. Apertos de mãos e o Taifeiro me serviu um bife que ataquei com sofreguidão. O Quirino disse: “- Era ele que estávamos esperando!”

A comitiva visitante trazia a notícia de um acidente grave com um dos ônibus da empresa em Cascavel, no Paraná. Havia óbitos e mais de trinta feridos. Não havia como traslada-los para São Paulo – origem da viagem turística e destino da perna em que se acidentaram. A garfada da vez parou na glote! O garfo e a faca caíram das mãos. Olhei para o Brigadeiro e ele aprovou com a cabeça, em silêncio. Pronto! Acabou o almoço.

Juntamo-nos, todos da CIPAA, na nossa sala do 3º andar, mais os dois visitantes. Um monte de telefonemas para o escritório da empresa em Foz do Iguaçu e ficou decidido que havia de tudo para ser transportado; desde pneumotórax até tetraplégicos, passando por poli traumatizados. O caso parecia sério, muito sério.

A se concretizar, seria uma evacuação aero médica de grande porte. Era necessário definir exatamente quantos pacientes e qual a natureza dos ferimentos. Wagner Kuroiwa, Ten. Med. R/2, e o mais permanente membro da CIPAA4, o Vaz (Cap Especialista em Avião), saíram da sala e foram para outro telefone. Voltaram 10 minutos depois com a solução: O Wagner seria levado a Cascavel num Sêneca do Aero Clube de SP. Decolagem às 15:30. Chegada desconhecida. O Dr. Wagner trajava o 7º uniforme, calça comum, camisa de mangas curtas e nada mais. Viajou deste jeito mesmo… Não tinha nem uma escova-de-dentes consigo! A missão tinha começado!

Telefonemas à Brigada do Exército em Cascavel. Sim, sabiam do acidente. Sim, ajudariam ao Dr. Wagner. Sim, proveriam transporte até o aeroporto na hora do deslocamento. Sim, informariam – com antecedência – os pareceres dos médicos.

Telefonema à Base Aérea dos Afonsos, comandada pelo Coronel Batista, conhecido de outra comissão. “Quantos pacientes, Franco?” “Ainda não sei, Chefe, nunca menos de 20, podendo chegar a 35.” Informei que o Wagner estava em rota para fazer o levantamento e que só se esperava notícia para depois das 22:00. “Está bem, Franco, vou mandar um C-115 daqui dos Afonsos e outro de Campo Grande. Em Cascavel às 08:00, está bom?” O General de Cascavel telefona às 22:30: “Tudo o que seja necessário aqui em Cascavel a Brigada resolve. Você trate dos feridos quando chegarem por ai.” Os pacientes são cerca de 30. Basta um Búfalo só. Informo ao Coronel Mário Accácio Alves Baptista que cancela o de Campo Grande.

No dia seguinte, uma ligação de Cascavel: “Um avião está circulando aqui em cima e não pode pousar por causa da neblina.” Lá pelas 10:00 pousou o Búfalo! A Brigada disparou a remoção dos feridos ao aeroporto.
Wagner Kuroiwa já estava lá. Falei com ele hoje (novembro de 2012), 33 anos depois da missão e 24 anos depois de nosso último contato. Eis o que me disse:

“Querido Cel. Franco
“Apresentação : – A 25/07 (Bol.138), foi público sua apresentação em 25/07/79, por ter regressado de Cascavel – PR às 18:00 hs do dia 19 Jul 79, para onde fora às 15:00 hs de 18 Jul 79, a serviço conforme OS nº 022/CIPAA, fazendo jus a diária de alimentação e pousada”.

Realmente decolamos de Marte Às 15:00 hs, em um Sêneca, mas por falta de teto em Cascavel, pousamos em Campo Mourão ou Ponta Grossa e dali seguimos de carro sob muita água até Cascavel, onde só fomos chegar no raiar do dia, após pernoitar em motel sem vergonha de beira de estrada. Fomos direto para o hospital onde estavam as vítimas do capotamento do ônibus de turismo. Naquela época não se usava cinto de segurança e a maioria dos passageiros sofreu trauma na coluna vertebral.

Lembro-me de um jovem que por azar estava no banheiro do ônibus no momento do acidente e estava tetraplégico e me perguntou ansiado se sua lesão era grave. Olhei a radiografia e senti arrepios: havia secção total da coluna torácica com encavalamento de cerca de 2 cm. Disse-lhe, para confortar, que não era grave e que em São Paulo teríamos mais recursos para ajudá-lo. Ele sorriu e falou que sentia os pés e parecia poder mexê-los e que não seria algo grave mesmo. A maioria dos pacientes era da terceira idade. Os casos variavam, mas estavam estabilizados e tinham condições de remoção.

Pelo número, perto de 30, o avião designado foi um Búfalo, com macas de campanha, na lateral da cabine, dispostas em beliche.

Informei ao comandante da aeronave que pelo tipo de trauma[(s) observados] e [pela] ausência de exames mais acurados, poderíamos ter casos de traumas outros e risco de barotraumatismo dependente da altitude do voo. Recomendei o voo o mais baixo possível. O comandante seguiu à risca esta recomendação e fizemos o voo mais rasante imaginável, roçando a copa das árvores de lá até aqui. Não percebi o tempo passar, pois monitorei em rodízio os sinais vitais dos pacientes, com o auxílio de um enfermeiro.

O pouso foi extremamente suave e felizmente não houve nenhuma intercorrência. Ao taxiar pude ver a extensa fila de ambulâncias. Ao baixar a rampa do Búfalo, a equipe em terra informava o nome do paciente e o hospital a que se destinava e íamos embarcando celeremente cada um deles num processo ágil e que durou menos de uma hora. Ainda acompanhei posteriormente alguns destes pacientes que se recuperaram. O jovem tetraplégico submeteu-se a cirurgia, mas não sei como se encontra hoje.

Forte abraço a todos – Wagner”

Ermíro Gatti – 2012

Nada mais sobre o voo; o Doutor já disse tudo!

Entre a confirmação da missão e a chegada do avião, o trabalho consistiu em localizar vagas hospitalares para 31 pacientes com poli traumatismo. A empresa fez isto. Nós arranjamos as ambulâncias junto com a Prefeitura. Cada ambulância tinha seu número estampado à frente e atrás. Cada número correspondia a um paciente e os médicos eram do hospital para onde ia o respectivo paciente. Eu tinha uma lista numerada com o número da ambulância, o nome do paciente e o hospital de destino. As ambulâncias foram alinhadas ao lado do “hangar da VARIG” que desapareceu na última reforma e que havia sido esvaziado para receber o Búfalo.

Do lado de fora do terminal, junto ao portão por onde sairiam as ambulâncias, montamos um pequeno posto de informações. Os familiares que chegavam e se dirigiam ao posto de informações recebiam o número da ambulância que transportaria seu familiar e o hospital de destino. Na saída, a ambulância fazia uma paradinha e o carro correspondente a acompanhava. Não houve nenhum “enrosco”.

Nunca soube, no Brasil, de outra operação de evacuação aero médica deste porte!
Na apresentação ao Comandante a pergunta inevitável: “- Então?”. E a resposta doce: “-Funcionou tudo.” “Vai dormir, Franco. Volta amanhã.”

Algumas noites mais tarde, aquela Senhora que almoçava na mesa do Comandante do COMAR bateu na minha casa. Levava um buquê enorme de rosas vermelhas para minha mulher!
Os profissionais desta área, na Força Aérea Brasileira, são os integrantes do SAR (Search and Rescue – Busca e Salvamento), cujo lema aqui plagio e me aproprio – deslavadamente…

PARA QUE OUTROS POSSAM VIVER!

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