Acidentes aeronáuticos: Preveni-los, investigá-los ou mitigar-lhes as consequências?

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As perdas materiais podem ser reparadas; as humanas não serão, jamais!

 

Gustavo Adolfo Franco Ferreira *
gustavoadolfofrancoferreira@gmail.com

 

A quem cabe a responsabilidade de controlar qualquer atividade aeronáutica, assoma a conveniência de promover correspondente prevenção de acidentes. Se por mais nada, pelo menos por economia patrimonial! Àqueles que operam aeronaves civis, a necessidade se completa, ademais, pela obrigação de preservar a integridade física de seus tripulantes e passageiros. A prevenção do acidente aeronáutico consiste, exclusivamente, em afastar da operação aeronáutica todas aquelas possibilidades de, a qualquer momento, uma eventualidade ultrapassar os limites físicos de determinada peça, ou os limites técnicos, operacionais ou fisiológicos da tripulação. Parece adivinhação.

Santos=Dumont voou duas vezes com o 14bis. Na primeira não tinha controle de inclinação, só tinha de arfagem e de direção. Pensou, o Genial Brasileiro, e introduziu o “aileron”. Preveniu a possibilidade de perda de controle lateral! A mesma coisa há de ter acontecido com todos os aviões feitos desde então.

Algumas destas possibilidades – que atingiram aeronaves ao longo dos tempos – são da história da Aviação: O formato das janelas dos Comet; a desintegração dos Electra; a instabilidade longitudinal dos P-47; o parafuso chato dos Zarapas (T-23), que custou a vida de José Mariotto Ferreira, piloto de provas da EMBRAER; as falhas das hélices dos T-6, só conhecidas quando João Jorge Bertoldo Glazer, trouxe um destes até o pouso forçado apesar do sofrimento físico e das imensas vibrações que sofria e agüentava; a inversão dos comandos em altas velocidades de todos os aviões de combate na II Guerra Mundial, a hélice escrava do Bandeirante e, mais recentemente, a prevalência dos comandos informatizados sobre a competência dos pilotos nas aeronaves de determinado fabricante ativo. Cada uma destas ocorrências – bem assim todas as outras que ocorreram com todos os outros modelos não mencionados aqui – precisam ser resolvidas sob pena de a operação daquela aeronave se tornar impossível.

Em 76, ainda sob a vigência do Decreto 70.050/72, o comandante do IV COMAR, Clóvis Pavan, identificou uma tendência indesejada em certa companhia especializada em aviação agrícola; mandou reunir os pilotos remanescentes e, ao preço de uma refeição para cada um dos dez pilotos, mandou mostrar-lhes o que acontecia. Resolveu – com um telefonema! – uma dificuldade que tinham. Fez Prevenção de acidente, de modo intuitivo, mas fez!

É ai que entra a investigação dos acidentes aeronáuticos. Frequentemente é possível saber quais dos limites foi ultrapassado. Na presença de sobrevivente ou de testemunha ocular conhecedora dos aspectos do voo, é sempre fácil! Às vezes, na ausência de sobreviventes, fica muito difícil! Lembra… Há três tipos de limites: os humanos, os materiais e os operacionais. Os limites humanos são duas condições; o limite material é uma falha e os treze limites operacionais são erros. Com freqüência quase absoluta, combinam-se entre si. Nos quarenta e sete anos que convivo de perto com investigação de acidentes aeronáuticos, só vi dois acidentes que só podem ser atribuídos a um único fator, um deles aqui no Brasil.

A investigação começa com a pergunta “o quê?” seguida de tantos “por quês?” quantos forem necessários. As respostas, apoiadas nos exames técnicos disponíveis – se necessários – conduzirá à identificação dos fatores que levaram à nefasta ocorrência. Cabe notar (1) que a presença de sobreviventes facilita extremamente os trabalhos de investigação; se os sobreviventes forem tripulantes técnicos, então, muito mais, ainda; (2) a presença de qualquer destroço é quase que indispensável; (3) as transmissões (automáticas ou não) sempre facilitam os trabalhos de investigação; e (4) os dados das “caixas-pretas” servem tanto para indicar a seqüência dos eventos como para confirmar os achados. – Engenharia reversa é como chamam atualmente.

O sistema em atual aplicação no Brasil, entretanto criou um novo objetivo: a mitigação das consequências em proveito dos envolvidos – irregularmente também envolvidos na prevenção e na investigação dos eventos. A cadeia de apreciação intermediária que se permite na fase de investigação dos acidentes induz ou permite a alteração dos achados, para conforma-los com os interesses de diversas naturezas existentes no trajeto.

Um exemplo: O organismo investigador da colisão Legacy x Boeing 737 exibiu-me particularmente (em 23 de janeiro de 2009) a restauração do voo do Boeing feita a partir do registrador de dados de voo. Após a colisão em voo, o painel da asa esquerda ainda aparecia flutuando, como se arrancado pelo “winglet” do Legacy. Impossível! O registrador está na cauda da aeronave e a asa cortada não podia induzir dados nele! Fraude! Alguns meses depois, tanto na própria sede do CENIPA como no ITA, o mesmo filme foi exibido sem o painel. Fraude confirmada!

A investigação de acidente aeronáutico é a segunda das mais nobres missões atribuída a alguém; a prevenção é a primeira; a mitigação das consequências – inclusive quanto às responsabilidades de terceiros – é o outro prato da balança a desmerecer-lhes o valor!

*Gustavo Adolfo Franco Ferreira é tenente-coronel aviador reformado da FAB. É especialista em Segurança de Voo.

NOTA DO EDITOR: Este texto seria publicado na próximo número da revista impressa Forças de Defesa atualmente em produção, mas com os acontecimentos dos últimos dias, decidimos pela publicação online. Na revista publicaremos outro texto do mesmo autor.

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