Brasil vendeu bombas condenadas a ditador do Zimbábue
Documentos inéditos obtidos pela Folha mostram exportação de modelo de fragmentação, vetadas em convenção por mais de 100 países
RUBENS VALENTE
DE BRASÍLIA
Após negar duas vezes um pedido da Folha com base na Lei de Acesso à Informação, o Ministério da Defesa voltou atrás e liberou 1.572 páginas de documentos secretos.
São registros de 204 operações de exportação de armas e munição, no total de US$ 315 milhões, de janeiro de 2001 a maio de 2002, os mais recentes disponibilizados. Os papéis, diz a pasta, manterão sigilo de no mínimo dez anos.
É a primeira vez que o órgão libera o acesso a documentos do gênero.
Entre os registros está a revelação de que o Brasil vendeu ao Zimbábue, em agosto de 2001, US$ 5,8 milhões em bombas de fragmentação e incendiárias.
Foram vendidas 340 bombas completas, além de componentes para a montagem de outras 426 bombas de fragmentação e 605 incendiárias.
Na época da aquisição, Mugabe, no poder desde 1980, era acusado de ajudar uma guerra no vizinho Congo e enfrentava distúrbios na zona rural do país, com a morte de fazendeiros brancos.
A venda pelo Brasil das bombas de fragmentação era uma antiga suspeita de ONGs que monitoram o uso dessas munições, conhecidas como “de dispersão”.
A bomba é assim chamada porque, ao ser detonada, espalha de 14 mil a 120 mil esferas de aço, a depender do modelo, que podem atingir indistintamente combatentes e população civil. As esferas de bombas maiores podem se espalhar por área equivalente a sete campos de futebol.
Em 2008, mais de cem países assinaram convenção que veta a fabricação e venda do tipo de bomba. Brasil, EUA e Rússia, dentre outros, recusaram-se. “A transparência do Brasil na matéria é historicamente muito ruim”, diz Cristian Wittmann, de uma coalizão de ONGs contra esse tipo de munição.
O diretor de Produtos de Defesa do Ministério da Defesa, o general de brigada Aderico Mattioli, disse que muitas vendas “chamam a atenção” por indicarem munição pesada, mas podem estar relacionadas a treinamento de militares. “É uma munição, diga-se de passagem, de um material antigo”, disse.
RANKING
Os dados obtidos pela Folha eram desconhecidos por ONGs que estudam o comércio de armas. No ranking do Sipri (Instituto Internacional de Estocolmo para Pesquisa sobre a Paz), uma referência no tema, o Brasil aparece em 2001 no 46º lugar, o último, ao lado de países que não venderam material bélico.
Eles revelam a venda total de US$ 287,4 milhões em 2001, o que projetaria o Brasil para a décima posição no ranking liderado pelos EUA, que venderam US$ 6 bilhões.
A Sipri cita que o Brasil vendeu US$ 26 milhões em 2002, menos que as vendas de apenas quatro meses daquele ano: US$ 27,6 milhões.
FONTE: Folha de São Paulo