Cadê aquele F-5B que estava aqui? O Mirage comeu!
Segundo militares que servem no PAMA-SP, o F-5B ocupou aquele espaço até quase o mês passado, quando foi recolhido para dentro do Parque de forma que este novo monumento ao Mirage, o primeiro caça supersônico da FAB, pudesse ser instalado. Clique nas imagens para ampliar e apreciar as belíssimas linhas desse “clássico” jato, esguio, elegante e de asas em delta, mostrado com dois tanques externos de 600 litros cada, de configuração aerodinâmica adequada ao voo supersônico.
Também pode ser vista a posição dos dois canhões de 30 mm do caça, na parte de baixo das duas tomadas de ar. E também os dois “canards” ali perto, na parte de cima dessas mesmas tomadas. Na parte inferior do nariz do caça, praticamente sob o piso da cabine, está o domo do radar de navegação, que aponta para baixo, e que fazia parte de uma série de diferenças do Mirage IIIE em relação ao IIIC (embora clientes pudessem adquirir a aeronave sem algumas características, como esse radar) que aprimoravam a capacidade de navegação e operação em qualquer tempo. Isso transformava essa versão mais nova num caça capaz de cumprir outras missões como ataque ao solo, ao invés de ser um caça voltado unicamente para combate aéreo e interceptação, como a versão mais velha. O motor era um pouco mais potente e a capacidade de combustível também era superior, devido a uma extensão da fuselagem do IIIE (mantida nos demais representantes da “família” Mirage III), que também ampliava o espaço para aviônicos.
Voltando ao monumento: como diz a placa junto à aeronave exposta, trata-se de uma “homenagem da Força Aérea Brasileira à Cidade de São Paulo e ao Bairro de Santana, por ocasião dos 70 anos do Parque de Material Aeronáutico de São Paulo.” A inauguração foi feita feita há pouco mais de duas semanas, em 16 de abril, no mesmo dia em que foi realizada a cerimônia de passagem de comando do CELOG (Centro Logístico da Aeronáutica) e do PAMA-SP.
Sobre a passagem de comando, vale ressaltar que o CELOG passou a ser comandado pelo brigadeiro do ar Oswaldo Machado Carlos de Souza e o PAMA-SP pelo brigadeiro do ar Roland Leonard Avramesco, que receberam os cargos em cerimônia presidida pelo tenente-brigadeiro do ar Hélio Paes de Barros Júnior, comandante do Comando-Geral de Apoio (COMGAP). Os novos diretores sucederam, respectivamente, o major-brigadeiro do ar Paulo João Cury, que passou a comandar a Diretoria de Material Aeronáutico e Bélico (DIRMAB), no Rio de Janeiro, e o brigadeiro do ar Jorge Luiz Alves de Barros Santos, o atual Chefe do Estado Maior do IV COMAR.
Mas voltemos a falar da aeronave que foi “espetada” para servir de monumento. Pelas indicações na fuselagem trata-se do F-103E 4927. Fontes consultadas dão conta de que se trata de uma das duas aeronaves monopostas recebidas na segunda metade de 1988 dos estoques da Força Aérea Francesa (Armée de l’air) para repor perdas ocorridas nos 15 anos anteriores de operação do Mirage na FAB a partir de Anápolis, em Goiás. Ele fazia parte de um lote de seis aeronaves recebidas entre setembro de 1988 e abril de 1989 (dois F-103D – matrículas 4906 e 4907, e quatro F-103E – 4926 a 4929 – no contrato 11/12/DIRMA/87) e que inauguraram, segundo algumas fontes, a modernização para a configuração final, com os “canards” fixos próximos às entradas de ar, instalados para gerar uma turbulência sobre as asas que aprimorava a manobrabilidade, diminuía a velocidade de pouso e melhorava a estabilidade do voo a baixa altitude. Além dos canards, fontes consultadas destacam uma limitada atualização da aviônica.
Naquela época em que o 4927 era incorporado, esse programa de modernização abrangia, além dessas seis “novas” aeronaves recebidas entre 1988 e 1989, as oito remanescentes do lote original de dezessete* caças incorporados em 1973 (quatro F-103D bipostos – 4900 a 4903 – e treze F-103E monopostos – 4910 a 4922) e três restantes de outros cinco jatos recebidos usados da França entre 1980 e 1984 para repor perdas (dois F-103D – 4904 e 4905 – e três F-103E – 4923 a 4925).
Ainda que o Mirage IIIE tivesse capacidade de ataque ao solo superior ao IIIC desde o início, vale lembrar que por praticamente metade de sua vida útil os Mirage que operavam na chamada 1ª ALADA, que em 1979 foi desmembrada em 1º GDA (Grupo de Defesa Aérea) e em Base Aérea de Anápolis (BAAN), cumpriram basicamente a missão de interceptação. Foi a partir da modernização com os “canards”, que melhoravam a estabilidade da aeronave em perfis de voo mais baixos e adequados à missão de ataque, que o 1º GDA ampliou o seu leque de missões lançando bombas e foguetes não guiados para ataque ao solo, já na metade da década de 1990.
Até 1997, a FAB ainda receberia outros quatro Mirage III desativados da Força Aérea Francesa (dois F-103D – matrículas 4908 e 4909 – e dois F-103E, 4930 e 4931), chegando a um total de 32 aeronaves (17 novas e 15 usadas, seguindo a lista de matrículas*) recebidas ao longo de aproximadamente 25 anos, sendo que 14 foram perdidas em acidentes até a desativação da frota, em 2005, devido ao atrito operacional.
A facilidade da FAB poder receber aeronaves usadas da Força Aérea Francesa, para recompletar sua frota, pode ser atribuída ao fato do Mirage IIIE ter sido incorporado em maior quantidade que o IIIC nos esquadrões franceses (192 caças entregues a partir de 1964, contra 95 IIIC que operaram desde 1961), sem falar que toda a família Mirage III teve mais de 1400 aeronaves produzidas, a maior parte delas com a mesma motorização e fuselagem alongada do IIIE (a versão mais fabricada foi o Mirage 5, com mais de 500 produzidos para exportação, diferia do IIIE principalmente nos aviônicos simplificados terem sido instalados no nariz, liberando mais espaço para combustível na fuselagem – embora versões de alguns clientes tivessem praticamente os mesmos equipamentos do IIIE).
Mas falando especificamente na França, há dois pontos importantes que justificam a disponibilidade do caça poder ser adquirido “de segunda mão” ao longo de praticamente 17 anos pela FAB (entre 1980 e 1997). Um deles é a entrada em operação do Mirage F1, de desempenho superior, ao longo da segunda metade da década de 1970, levando algumas unidades francesas de Mirage IIIE a se reequiparem.
Porém, isso não significou uma desativação precoce do tipo na Força Aérea Francesa, pois o IIIE teve uma considerável “longevidade”. Um dos esquadrões que receberam o tipo na década de 1960, o “Navarre”, operou o IIIE até 1993 – praticamente 30 anos, o que ajuda a atestar a relevância do modelo para a defesa francesa pelo menos ao longo de toda a década de 1980 e até o início da seguinte, período em que boa parte do inventário do “Armée de l’air” já era composto por dois de seus sucessores (o Mirage F1 e o Mirage 2000). O reequipamento de algumas unidades francesas, lado a lado com o fato de servir por mais tempo em outras, tornou o caça disponível nas quantidades necessárias de segunda mão para cobrir o atrito na FAB ao longo de quase 20 anos. E o F-103E 4927 foi um desses caças.
Enquanto ainda operavam na FAB, dois dos caças já eram mantidos preservados na Base Aérea de Anápolis e, após a desativação, diversos vêm sendo transformados em monumentos ou destinados a museus. O “FAB 4927” é o mais novo integrante desses monumentos, e faz sentido que esteja adornando a entrada do PAMA-SP. Apesar da visão do público sobre a organização estar mais relacionada à manutenção pesada dos caças F-5, pois são eles os aviões vistos nos eventos anuais de “Domingo Aéreo” dentro do “Hangar Major Santos” sendo desmontados e remontados nas linhas de revisão, o F-103 também teve o apoio do PAMA-SP durante sua vida operacional. Diversos componentes do Mirage passavam por revisão no Parque, assim como peças de reposição eram produzidas pelo CELOG, do outro lado da pista do Campo de Marte.
Abaixo, um vídeo da FAB que conta um pouco sobre essas organizações e mostra a cerimônia de troca de comando no CELOG e no PAMA-SP, além da inauguração do monumento. Para saber mais sobre outros monumentos do Mirage e diversos assuntos relacionados, clique nos links da lista logo abaixo.
*NOTA: há fontes que consideram ser 16 o número de aeronaves recebidas novas de fábrica, o que também corresponde a reportagens de revistas da década de 1970 (veja os dois links finais da lista abaixo). Já outras falam em 17, por meio da contagem de 13 aeronaves monopostas que corresponderiam às matrículas 4910 a 4922. Em todas, o número total recebido, entre novos e usados, é o mesmo: 32 jatos, variando assim apenas em uma unidade a quantidade total de monopostos recebidos novos, e consequentemente a de monopostos usados, conforme a fonte. Os leitores que conheçam mais detalhes da história da aeronave na FAB podem ajudar a resolver o “mistério” dessa discrepância.
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