Simuladores: Poder Aéreo ‘voa’ Super Hornet ‘na ponta dos dedos’ – parte 2
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Uma ‘poltrona’ espaçosa, uma tela grande à frente, e uma situação tática digna de filme de ação – só estava faltando a pipoca para a diversão ser completa – Mas eu estava lá a trabalho, bem mais interessado nas características do novo painel do que em brincar de ‘top gun’ do século XXI – ainda assim, pude me divertir com algumas manobras de combate aéreo
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John Keeven, o engenheiro da Boeing que demonstrava os modos de visualização e vantagens do novo painel, perguntou se já queria ver outros recursos enquanto voava, já que até aquele momento estávamos no modo “pausa”. Concordei, mas como não queria perder muito tempo com decolagens e pousos, já comecei o voo de onde a simulação estava “parada”: voando a uns 20.000 pés e à velocidade indicada de 350 nós (observação: estes números e os seguintes são aproximados, por estar escrevendo de memória).
Assumindo o controle, empurrei as manetes para máxima potência militar (um “dente” antes do acionamento da pós-combustão) e experimentei um pouco as respostas do manche. Escrevi “as manetes” porque se trata de um caça bimotor, mas por todo o voo eu as acionei conjuntamente (aplicar potência assimétrica também não é difícil, mas o movimento natural, dado pela ergonomia das manetes, é o acionamento conjunto). As manetes do simulador são bastante leves, e pode-se “vencer o dente” que separa a potência máxima militar da pós-combustão sem praticamente fazer força.
No ano passado, havia “voado” no simulador da versão C do caça sueco Gripen (veja os dois últimos links da lista ao final da matéria), e posso dizer que a experiência “manche e manete” do Gripen é o inverso da que experimentei no simulador do Super Hornet: enquanto a manete de potência do simulador do Gripen era bem mais “pesada” para mover, com um curso relativamente longo e requerendo alguma força para passar para a pós-combustão, a do Super Hornet estava levíssima. Já o manche do Super Hornet tem um “curso” longo, fazendo a pilotagem parecer com a de uma aeronave convencional (em que se segura de maneira firme o manche nas manobras), ao invés das alavancas tipo “joystick” de amplitude mais curta e respostas aparentemente mais rápidas de caças como o F-16 ou o Gripen (em que até se pode comandar uma manobra, “largar” a alavanca e depois corrigir para o outro lado para terminá-la). E, ao menos na configuração pesada em que o Super Hornet estava (oito mísseis ar-ar, tanque central externo, quatro bombas e dois pods), as manobras me pareceram um tanto “preguiçosas”.
Após alguns tunôs (tonneau, ou rolamento), leves ascensões e mergulhos para “sentir a máquina” e também perceber a perda de energia, coloquei o caça em voo nivelado a 200 nós e empurrei as manetes para pós-combustão máxima, a pouco menos de 20.000 pés de altitude. O caça bastante carregado, simulando o arrasto de toda aquela carga externa, começou a acelerar de forma inicialmente tímida, mas em alguns segundos os números da velocidade no HUD começaram a se mexer mais rapidamente, e não demorou tanto quanto eu esperava para chegar a 400 nós. Ainda assim, não foi uma aceleração rápida.
John comentou sobre a aceleração ser baixa devido à grande quantidade de cargas externas e perguntou se gostaria de “aliviar” o caça de uma forma interessante: com um ou dois toques na tela, mudou o padrão de visualização da situação tática para 3D, onde o ângulo de visão do campo de batalha pode ser mudado, o que na minha opinião conferiu um grande ganho na consciência situacional. De maneira clara, num rápido olhar, pode-se ver todos os “inimigos” prontos para receberem os mísseis do Super Hornet e aliviarem seu peso. Também é vista a representação do alcance do radar, a atitude e manobras do Super Hornet, dados como o alcance ideal para lançamento dos mísseis (“no escape zone”) entre outros. Caso a aeronave fosse um EA-18G Growler, de guerra eletrônica, daria para ver quais inimigos estariam sendo “jameados” e quais estariam tentando “jamear” (interferir nos sistemas eletrônicos do adversário). Esse modo de visualização da situação tática em 3D está sendo aperfeiçoado, mas ainda não foi aprovado pela Marinha dos EUA, segundo John.
Encostando o dedo na indicação de um VANT (veículo aéreo não tripulado) à esquerda do caça, passei a ver a representação da área do campo de batalha que o mesmo cobria com seus sensores (veja foto abaixo). Ao mesmo tempo, numa “subtela” no canto superior direito do vídeo, pude ver a mesma imagem captada pelo VANT. Segundo John, no caso de um Super Hornet biposto, uma das possibilidades a ser integrada ao sistema será o tripulante do assento traseiro (weapons systems officer – oficial de sistemas de armas) assumir o controle do veículo aéreo não tripulado.
Como também pode ser visto no canto superior esquerdo da tela, eu estava num Super Hornet repleto de mísseis (como já havia adiantado na parte 1 desta matéria) e com “inimigos” se aproximando. E a forma mais interessante de “aliviar” o peso do caça seria usar os mísseis para derrubá-los. John deu alguns toques nos comandos do manche e da manete (conceito HOTAS – hands on throttle and stick), que também podem controlar algumas funções da tela, e preparou um míssil BVR (além do alcance visual) AMRAAM para disparo. Um toque no “gatilho” e pude ver o míssil deixando seu pilone sob a asa direita para, em questão de segundos, acertar um dos “inimigos” que havia entrado no alcance da arma.
Dei-me por satisfeito quanto à demonstração, porque não era esse o meu foco no momento – assim como quando “voei” o Gripen no ano passado, tenho consciência de que minha falta de conhecimento dos comandos HOTAS e de todos os dados das armas faria com que, na verdade, o “abate” dos inimigos fosse feito muito mais pelo conjunto simulador / operador (no caso, o John) e não por mim. Assim, preferi que o engenheiro acertasse a simulação para que os inimigos simplesmente ignorassem meu caça, porque ainda queria fazer mais algumas manobras naquela configuração pesada, sem ficar me preocupando em ter que atirar ou fugir de disparos.
Partindo de uns 400 nós, puxei o manche com força e mantive um alto ângulo de ataque até chegar a 35.000 pés, quando a velocidade já era inferior a 200 nós. Durante a ascensão, percebi uma boa resposta no plano horizontal, mesmo quando as manobras laterais, que não me pareciam gerar perda de controle, fizessem a velocidade cair rapidamente para 170 nós. Nivelei de maneira brusca e logo fiz um “Split S” partindo daquela baixa velocidade, como se estivesse precisando desesperadamente ganhar energia ao custo da altitude e reverter o curso. O rolamento demorou um pouco, mas, já com o caça em voo invertido, o comando para apontar o nariz para o solo foi rapidamente respondido. O Super Hornet, simulado com toda aquela carga externa, imediatamente ganhou velocidade no mergulho. Com os números disparando no HUD, por instinto eu cortei a pós-combustão para que a velocidade elevada não resultasse em mais perda de espaço vertical na saída da manobra, atrasando o final do mergulho. Passava de Mach 1 quando nivelei 10.000 pés abaixo, com energia suficiente para, novamente com a pós-combustão acionada, apontar o nariz para o alto e, numa ascensão com larga curva à esquerda, atingir de novo os 35.000 pés, agora a 350 nós, e no mesmo curso anterior.
Nessa e em outras manobras mais “fortes”, puxando ou empurrando o manche bem para trás ou para um dos lados, percebi uma maior resistência ao final do curso da alavanca, justamente quando se puxa mais “Gs”. Mas ainda assim o comando “Fly-by-wire” não deixa passar do máximo de “Gs” permitidos com os pilones repletos de cargas externas, nas manobras mais “radicais”.
Ignorando os caças “inimigos” ou os alvos em terra daquele padrão de simulação, explorei mais algumas características da tela grande à minha frente. Usando os dedos como quem manipula um “tablet”, pode-se ampliar qualquer uma das subtelas, como mostram as fotos acima, em que ampliei bastante a imagem trazida pelo FLIR (sensor infravermelho) ou do modo SAR – Synthetic Aperture Radar do sensor principal tipo AESA (varredura eletrônica ativa) que era simulado.
As imagens a seguir mostram outras formas de se dividir a tela, que experimentei tanto antes quanto depois das manobras descritas acima.
Pode-se ver, abaixo, a simulação da arena de combate tomando conta de praticamente toda a tela, deixando para o HUD (visor ao nível dos olhos) as demais informações de voo – uma pequena faixa na parte inferior mantém à vista alguns comandos e, no canto inferior esquerdo, dados básicos dos motores. Com uma leve “escorregada” dos dedos, pode-se passar da imagem vista “de cima para baixo”, (foto acima), para um ângulo que mostra um panorama 3D da situação tática (foto abaixo). Cada manobra da aeronave pode também ser acompanhada pela sua representação na tela, o que (na minha opinião) ainda permite uma maior precisão nas manobras quando se intercala a visão para buscar os inimigos tanto na imagem gerada na tela quanto no céu, assim como na simbologia do HUD. Também é divertido ver a representação do caça, na tela, manobrando – mas acredito que isso possa ser útil, por exemplo, em situações de baixa visibilidade externa.
Perguntei a John se é esperado algum problema de foco do olhar do piloto, em voos reais, intercalando visões “head down” com “head up” (para o painel ou para fora), ao que ele respondeu desconhecer problemas operacionais nesse sentido, mesmo com uso de visores montados no capacete – e o sistema do display de grande área, ainda a ser testado em voo, foi pensado para não gerar problemas de foco. Perguntei também se estão pensando no futuro em abolir o HUD, como é o caso do F-35, ficando só com a tela e o visor montado no capacete (HMD). O engenheiro me disse que os pilotos de Super Hornet da Marinha dos EUA têm defendido uma perspectiva mais “conservadora” a esse respeito – o desafio, nesse caso, não está relacionado ao foco do piloto, e sim à quantidade e organização das informações à sua disposição. Os pilotos, que geralmente se mostram mais conservadores em suas escolhas que os engenheiros, querem o HUD até como “backup” para alguma falha no HMD e, no uso simultâneo dos dois sistemas (três, contando a tela do painel), será mais uma questão de doutrina a divisão das informações mostradas por cada um para não “poluir” o campo visual.
Falando nesse assunto de mostrar apenas o que é necessário e solicitado, a foto acima e a ampliação abaixo mostram um exemplo. Escolhi aleatoriamente um dos caças inimigos mostrados na representação 3D da arena de combate. “Tocando” o inimigo com a ponta do dedo, um retângulo branco o destacou e, no canto superior esquerdo da tela (clique para ampliar a imagem acima), apareceram as informações de sua posição e distância, conforme os dados disponibilizados pelos sensores do próprio Super Hornet ou de outras fontes, que são fundidos na representação tática mostrada. Evidentemente, esta é só uma simulação e capacidades estão sendo gradativamente desenvolvidas para esse sistema de apresentar as informações. Mas, como já escrevi na parte 1 desta matéria, o engenheiro da Boeing afirmou que uma primeira versão do sistema real de tela única deverá ser testada em voo no ano que vem.
Clicando na ampliação abaixo, pode-se apreciar um pouco mais o visual 3D de representação da arena de combate, que poderá ou não ser aprovado pela Marinha dos EUA.
Já satisfeito com a experimentação da tela, resolvi repetir as manobras que já havia realizado, porém com o caça mais leve. Mas, a essa altura, depois de tanto mexer no display e ouvir explicações, os “inimigos” já estavam bem longe – era preciso uma forma mais rápida de fazer desaparecer a carga externa, do que o seu lançamento em inimigos. Com alguns toques nos controles da simulação, John mudou a configuração do armamento para apenas dois mísseis nas pontas das asas.
Repeti o “Split S” a partir de 35.000 pés, porém a uma velocidade inicial maior que da primeira vez e em potência militar. O rolamento foi rápido e, já invertido, a resposta ao comando para apontar o nariz para baixo também. Mantendo a potência militar, recuperei com facilidade sem perder muita altitude e superei Mach 1 no final do curto mergulho. Acionei a pós-combustão e embiquei, subindo em velocidade supersônica e voltando rapidamente à altitude inicial.
Realizei mais alguns mergulhos e curvas de alto G, em que é necessário colocar alguma força no manche, como já descrito. Fazendo algumas curvas apertadas a baixa potência, perdi energia para nivelar a 20.000 pés e a 200 nós, para simular novamente uma aceleração com pós-combustão máxima – só que agora com o caça leve. A resposta obviamente foi muito mais rápida do que quando acelerei simulando um avião repleto de cargas externas, com os números crescendo num ritmo muito maior no HUD. Ainda assim, lembrando-me da experiência com o Gripen no ano anterior, me pareceu que a resposta imediata de aceleração do leve monomotor sueco (que também foi “voado” com apenas dois mísseis ar-ar) foi melhor. Porém, é fato que a aceleração varia muito conforme a altitude e, no caso do Gripen, lembro-me de ter feito essa “corrida” acima de 30.000 pés, enquanto no Super Hornet eu estava voando pelo menos 10.000 pés abaixo.
Obviamente, estou falando só de simuladores, e trata-se apenas de uma impressão pouco profunda, pois não leva em conta variações de altitudes ou do nível de combustível simulado em cada ocasião. Em geral, achei o Super Hornet “leve” um caça com boa manobrabilidade nas curvas apertadas – porém, para “puxar mais G”, é necessário fazer força no manche, quando este se aproxima de seu curso final, e retomar a potência para recuperar a energia. Quanto à configuração “pesada”, não é possível uma comparação com as impressões do Gripen C pois este último foi voado apenas na configuação leve. Mas a controlabilidade do Super Hornet pesado foi digna de nota, na simulação.
Porém, o que mais guardei dessa experiência com o simulador de tela de grande área do Super Hornet foi justamente… a tela! Acredito que o slogan “touch the future” da “bolacha” acima à direita, que recebi no final, condiz com o que senti após o voo simulado. Será interessante saber das novidades de integração do sistema aos Super Hornets, e se a parceria recentemente divulgada da Boeing com a Elbit /AEL vai fazer realmente parte desse “futuro” anunciado.
Duas últimas observações: a primeira vindo já de fora do simulador. O engenheiro John Keeven me disse que outra vantagem do novo sistema de tela única é o seu menor peso global, representando uma economia de dezenas de libras em relação às telas múltiplas utilizadas hoje. A simplificação da logística e da manutenção também foi destacada, mas uma redução de peso é sempre bem-vinda, pois trata-se de um dos objetivos mais perseguidos por qualquer engenheiro aeronáutico – e um menor peso de um sistema pode compensar um acréscimo em outro, já que tradicionalmente os caças ganham peso ao longo das modernizações em seu ciclo de vida.
A segunda observação veio quando já me despedia de John, e perguntei se os engenheiros que desenvolvem os sistemas de aviônicos (ou mesmo de simuladores) costumam fazer voos reais para “testar” suas criações. Ele me confessou que os voos dos engenheiros nos caças das unidades de teste da Marinha têm sido raros – apontou para mim e disse que era mais fácil um jornalista voar num Super Hornet do que um engenheiro. Prometi a ele que, caso consiga finalmente conversar com calma com a presidente da Boeing no Brasil, Donna Hrinak (isso se a presença de um simulador não “atrapalhar” novamente), vou pedir para que ela leve adiante o pedido do Poder Aéreo: que os engenheiros possam voar mais em caças de alto desempenho como o Super Hornet. Sem prejuízo dos voos dos jornalistas, é claro.
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